A caixa escura de formato retangular repousava sob a cama de maneira desafiadora, no silencio do confinamento de seu quarto, Julieta quase podia ouvir o riso de deboche da caixa, afinal quantas vezes ela já havia se colocado na mesma situação? Seu subconsciente deixava claro também a falta de credibilidade dela naquela circunstância, desde que colocara a tampa naquela caixa nunca mais havia tido coragem de olhar o conteúdo dela e naquela manhã não seria diferente.

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Soltando um suspiro de frustração ela caminhou vestindo a camisola de seda preta, até a penteadeira. Observou por minutos infinitos o reflexo da mulher que havia se tornado e que era tão diferente da garota que um dia havia sido. De forma cuidadosa ela penteou os cabelos afim de não dar fim aos cachos que se formavam suavemente do meio do cabelo para baixo. Por um segundo ela fechou os olhos e permitiu sua mente ser invadida pelas lembranças das mãos de Aurélio passeando por seu cabelo e desfazendo os cachos em uma quase adoração. A lembrança dos elogios distribuídos por ele, a forma como ele havia massageado o couro cabeludo enquanto desfazia o penteado, como ele cheirou os cabelos dela e olhar de fascínio no rosto dele, da primeira vez que a viu de cabelos solto fez com que um arrepio percorresse o corpo de Julieta.

Abrindo os olhos, ela se viu acometida pela necessidade de libertação, até quando permitiria a aquele crápula e nojento homem ditar decisões em sua vida? Guarda luto durante anos há um homem que não merecia sequer horas de respeito. Aprisionada sua alma, em uma imenso poço de amarguras e frustrações, matara sua alegria de viver, seu desejo de celebrar e mais gravemente silenciara a garota apaixonada e sonhadora que fora antes de conhecê-lo.

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O vestido vermelho vivo estava adornado com uma faixa de cetim perolada e com as rendes francesas que havia namorado durante dias na vitrine de sua botique favorita, a alegria da garota era tanta que o sorriso infantil e encantador não conseguia deixar os lábios dela. Fitando seu reflexo no espelho, ela rodava em sob seu próprio eixo observando a fluidez do tecido dançar sob seu corpo

"Você está tão linda senhorita Julieta." Sam, a dama de companhia de Julieta, disse puxando-a para a penteadeira afim de terminar o penteado.

"Quando mamãe se recolher, venha ao meu quarto e eu a deixo experimenta-lo" Julieta respondeu com um sorriso sapeca no rosto.

"Onde a senhorita vai?" Sam perguntou verdadeiramente curiosa

"Tenho um encontro com Osório, meu noivo."

"Esse homem me da arrepios, não gosto dele."

"Bom, eu também não, e é justamente sobre esse tópico nosso encontro de hoje."

"Como assim??" O espanto era evidente tanto no semblante quanto no tom de voz da garota negra.

"Vou por fim ao meu noivado com Osório, sei que ele encontrará uma mulher mais adequada que eu. Não podemos mais seguir com essa farça, não o amo, e ele muito menos a mim. Uma vez que se trata apenas de uma transação comercial para ele, tenho certeza que ele poderá encontrar outra mulher mais interessante e com posses maiores que a minha."

"Está louca Julieta? Seu pai a matará se souber disso. Você perdeu completamente o juízo!" O horror estampado nas feições de Sam quase fizeram Julieta rir.

"Uma vez que convencer Osório, não há nada que meu pai possa fazer."

Com um sorriso confiante e cheia de determinação Julieta saiu porta a fora com a certeza que mudaria o rumo de sua vida naquela tarde, o que ela não contava era que os novos caminhos não eram nem de longe os que ela havia escolhido.

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Sem pensar duas vezes Julieta puxou a tampa para fora da caixa. Prendendo a respiração ela desembrulho o conteúdo e com as mãos trêmulas puxou para fora o amontoado de tecido em um tom vinho, quase tão escuro quanto o preto costumeiro.

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Diante de si estava o vestido elegante e colorido que havia mandando fazer logo após a morte do ex marido. Estava tão enfurecida com Osório e tão cega pela vingança, que logo após a morte dele decidiu que não usaria o luto durante muito tempo, voltaria as cores, e aos eventos sociais com a desculpa de arrumar um novo marido o mais rápido possível, mesmo que em seu interior tivesse decidido nunca mais se envolver com homem nenhum.

No entanto, as divididas e a falta de dinheiro, obrigaram Julieta a manter o luto enquanto levantava um império usando o nome do ex marido, uma vez que na sociedade patriarcal e machista em que vivia uma mulher só poderia tomar liderança dos negócios estando a sombra de um homem, mesmo que através de um nome.

Mas era tempo do luto chegar ao fim. Ja havia expandido seus negócios, já havia feito seu nome não só em São Paulo e no Vale do Café, mas em outras regiões também. Havia chegado a hora de finalmente enterrar aquele peso morto.

O tecido preto escorreu pelo corpo da morena se acumulando aos pés dela no chão. Sentindo a força se acumular em seu interior, ela puxou o tecido vinho para seu corpo e permitiu que ele abrasasse suas curvas. Emoções divergentes borbulharam em seu interior, e com suspiro pesado ela caminhou até onde estava o espelho. Ao ver seu reflexo trajando cores após tantos anos ela não conseguiu conter as lágrimas que escorreram de maneira contínua por sua face.

Um sorriso se espalhou pelo rosto da morena, e antes que ela pudesse se conter uma onda de gargalhadas a tomou. Estava livre! Finalmente livre de Osório e das prisões que ao longo dos anos ele havia a condenado a viver. A sensação era libertadora, mas ao mesmo tempo trouxe o medo, medo de que não fosse real, e que a qualquer momento alguém a aprisionasse novamente. As gargalhadas de repente se transformaram em soluços e as lágrimas ficaram mais grossas.

Abraçando o seu próprio corpo, Julieta sentiu aos poucos toda a força que havia juntado até então começarem a se esvair. Era como se nunca pudesse voltar a pertencer a si mesma. Era como se sempre no silêncio e na fraqueza dela Osório se fizesse presente.

Estava tão perdida em seu desespero que se quer ouviu os passos se aproximando no corredor ou a batida na porta. Só se deu conta de que não estava sozinha quando braços fortes e conhecidos por ela a abraçaram. Palavras de carinho foram ditas em um tom suave e de consolo. E ela não precisou olhar para saber que era Aurélio.

Após uma quantidade de tempo que não era capaz de determinar, Julieta finalmente se acalmou e se colocou de pé. Pelo reflexo no espelho ela pode perceber quando Aurélio finalmente notou que não eram mais os trajes pretos que cobriam o corpo Dela. Em silêncio, ela observou a reação dele e as emoções que correram pelo semblante muito transparente do homem que havia conseguido reviver nela sentimentos que ela havia acreditado nunca mais sentir novamente.

Delicadamente ele levou as mãos as costas dela e começou a fechar a longa fileira de botões que abertos deixavam a mostra a pele clara e suave de Julieta. Próximo de chegar ao fim, a mão de Aurélio tocou lhe as costas fazendo com que um arrepio percorresse o corpo da morena e ela sorriu para ele assentindo com a cabeça que ele continuasse.

Terminando, Aurélio juntou os cabelos de Julieta que estavam soltos e os colocou sob um dos ombros e então depositou um beijo casto na curva entre o ombro e o pescoço dela.

"Você esta magnifica."

"Obrigada." Julieta respondeu com a voz rouca devido ao choro recente.

"Está tudo bem?" Aurélio perguntou após um curto período de silêncio, e a ressalva quase podia ser ouvida em sua voz.

"Me sinto excelente! Tão bem como há muito tempo não me sentia. Finalmente me libertei!"

A insegurança de ser aprisionada acompanharia Julieta durante algum tempo. No entanto, o gesto simples e muito significativo de Aurélio ao fechar os botões em suas costas, e o amor e a admiração que estavam espalhados na feição dele ao vê-la vestir cor, a lembravam que um novo tempo havia chegado na vida dela. Um tempo marcado pelo amor, carinho, companheirismo e acima de tudo um tempo marcado pela descoberta e fortalecimento do "eu".

Chegara a hora de Julieta fazer realizar sua maior conquista, a conquista do seu amor próprio, da sua liberdade, da sua força. De si mesma.