Fated

VII – What Goes Around…


Washington D.C., Estados Unidos, hoje

Lucian levantou da cama e olhou para os lados. O quarto estava vazio. Respirou fundo e andou até a cozinha, que era um pequeno espaço reservado de frente para a cama. Ele abriu a geladeira e pegou uma cerveja. Quando ia abrir, algo deu um tapa na mão dele, e a lata rolou pelo chão. Ele olhou na direção.

–Acho que bebi demais hoje. Primeiro, fantasmas… Agora… O que? - ali, diante dele, estava uma cópia perfeita sua. Ele suspirou. Percebeu que ele tinha os olhos vermelhos – Demônio?

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–Oh, não. Eu sou você. - disse o outro-Lucian, com um sorriso sádico – Algo que você não reprime.

–Certo, o que?

–Sua raiva. - sorriu, maldoso – Pode me chamar assim, se quiser. Raiva. - e se curvou.

–Olá, Raiva. - rosnou, sarcástico.

–É desse tom que eu gosto. -outro sorriso.

–Mas eu não. - a voz dele ecoou do outro lado da cozinha. Lucian se virou, curioso.

–Outro eu? Você é quem? - falou, afiado.

–Eu? - a outra cópia estava sentada em um balcão encostado na parede. Ele pulou – Sou Orgulho. Não o seu orgulho, sou O Orgulho. - enfatizou. Os olhos chamuscavam em dourado.

–Raiva, Orgulho… O que falta agora? - olhou em volta. Atrás dele estavam mais três cópias. Lucian deu um salto, surpreso – Jura?

–Eu sou o Amor. - sussurrou, displicente, o de olhos verdes.

–Eu sou o seu Medo. - grunhiu o de olhos roxos.

–Eu sou a Razão. - sorriu outro, com os olhos azuis.

–Isso é alguma daquelas alucinações que se tem depois de ter bebido muito ou ter sido drogado?

–Pode ser. Escute seu lado racional. - Razão disse, com um sorriso cúmplice.

–Vamos parar de rodeios, certo? - falou Raiva – Isso me irrita.

–Você sente falta dela? - Amor cuspiu, entediado.

De algum lugar, que Lucian não sabia definir, uma música surgiu. Ele se arrepiou ao ouvir, mas não a reconheceu.

–Eu gosto dessa música. - Razão murmurou, mesclando distração e firmeza na voz.

–Você sabe que ela não vai mais voltar, não é? - Medo inquiriu.

–A Elizabeth? - a voz de Lucian falhou uma oitava.

–Obviamente, quem mais? - retrucou, áspero – Você a matou.

–Não, não. Não foi você! - Razão disse.

–Você fez o que precisava fazer. - Orgulho redarguiu.

–Sim, você fez, Charles. E com isso, matou sua esposa. - Um esgar de malícia surgiu em Medo.

–Não era sua intenção. Você a amava. - Amor sussurrou no ouvido dele.

–Assassino. - Medo rugiu, fazendo Lucian recuar um passo.

–Você não pode se culpar. Deixe fluir. Siga as ondas, Charles. - Razão falou. Em seguida, assumiu um tom profético – O que já foi feito não pode ser mudado, você sabe disso.

It's looking like a limb torn off

Or altogether just taken apart

–Mas você induziu ao que aconteceu! - Medo acusou.

We're reeling through an endless fall

We are the ever-living ghost of what once was

–A culpa não era sua. Culpe quem merece ser culpado! - Raiva rosnou – Henry. Ele deveria morrer. Ele tentou seduzir sua esposa.

But no one is ever gonna love you more than I do

–Ele matou a sua esposa. - completou Amor.

–Deixe essas coisas no passado. - Razão protestou – A dor nunca vai sumir, se vingando ou não.

No one's gonna love you more than I do

–A vingança vai te confortar. - Raiva disse – Fazer justiça, é o que você quer.

And anything to make you smile

It is my better side of you to admire

–Você e Henry a amavam. Vocês não tiveram culpa. - Amor falou.

But they should never take so long

–Claro que não tiveram. Então vingança não resolverá. Estará indo atrás de um inocente! - Razão argumentou – Você sabe que estou certo.

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Just to be over then back to another one

–Culpa define o que você sente. Você sabe que jamais vai ter ela de volta. E que você tem parte nisso. - Medo emendou – Acho que devemos ouvir o que ele tem a dizer.

–Chega! Procure dentro de você a sua principal força, o que alimenta seu ódio, o que te faz ficar cego na luz! - Raiva instigou, sussurrando no ouvido dele – Sangre até encontrar os benefícios da competição! Ame no passado, e deixe os sentimentos irem! Deixe eles irem embora! Entregue-se ao ódio que você sente! - sua entonação aumentava cada vez mais, assumindo um tom de discurso – E você sabe que isso deve acabar agora, só me diga como e onde.

But no one is ever gonna love you more than I do

–O que ela acharia disso? Esqueça a culpa. - falou Amor.

–Você é o melhor, mostre isso para Henry! - Orgulho disse, enfático – Ele precisa ver quem manda. Que ele não tem o direito de tirar o que é seu! Mostre sua superioridade.

No one's gonna love you more than I do

–Você é melhor, apenas se convença disso. Esqueça essa vingança. - Razão manifestou – Você não precisa dele pra ser melhor. Dependa dele pra se provar isso, e dependerá para o resto da vida.

Amor, Medo e Raiva se afastaram. Orgulho entrou em uma discussão acalorada com Razão.

–Prove que não é como o resto!

–Não há necessidade se você sabe que é melhor.

–Isso não é o suficiente, deixe Henry saber. Eles precisam ver!

–Não tem motivo! Siga o fluxo do rio. - Razão protestou.

–Ele sempre achará que é melhor que você.

–Henry é como você, se sente fora do lugar.

–E você vai se importar? Quando ele tira a coisa que você mais ama… Tudo o que vai, volta.

–Esse é o jeito errado de passar sua mensagem.

–Seja um homem! - Orgulho gritou – Entregue-se a raiva!

–Não é assim que você vai sair desse inferno!

Lucian fechou os olhos e deu um grito, com tanta força que seus pulmões arderam.

Quando abriu os olhos, estava deitado em sua cama quente, macia e confortável, contrastando com o ar frio do quarto. Ele jogou o edredom para o lado e se levantou, apenas vestindo sua roupa íntima. Andou até a geladeira e torceu para que não ficasse preso no sonho. Abriu a porta da pequena geladeira e retirou uma lata de cerveja. Quando sentiu o alumínio gelado entrar em contato com a pele quente, se arrepiou. Abriu a lata e bebeu um gole. Mais para se convencer de que estava lúcido do que por vontade. Virou a lata, bebendo todo o líquido, que desceu gélido por sua garganta.

Respirou fundo.

Andou até o banheiro, ao lado da cozinha. Entrou, fez sua necessidade e foi até a pia. Se apoiou ali e olhou no espelho. Estava bem, fisicamente. Mas sua mente estava um turbilhão. Deu um grito violento e socou o espelho, estilhaçando o vidro.

Sete anos de azar, pensou. Tudo o que vier de azar ainda é sorte pra mim.

Olhou para a mão, encharcada de sangue. Tentou limpar com a toalha de rosto e sentiu algo incomodar. Suspirou, limpou o excesso e pegou uma pinça que ficava no armário atrás do espelho. Tirou os cacos de vidro dolorosamente da mão, soltando uma praga a cada mínimo caco.

–Eu te odeio, Lucian Howlett. - rosnou.

Quando acabou de tirar os cacos, procurou por álcool. Em vão. Praguejou por não ter nada que o ajudasse ali. Procurou uma garrafa de vodka barata e jogou sobre os cortes. Pegou um lenço qualquer e enrolou na mão. Com a outra mão, pegou o telefone que estava na mesa ao lado da cama. Digitou uma mensagem nele e jogou sobre a cama, relutante sobre enviar. Ignorou o ar frio. Seu sangue estava quente. Olhou para a tela.

“Venha aqui amanhã, sinto sua falta”.

Leu o nome do contato: Jessica Parker.

Respirou profundamente e enviou.

***

Londres, Inglaterra, 19 de Julho de 1843

Kathryne rolou para o lado na cama e sua cabeça encontrou o peito de um homem. Ela sorriu ao ver o rosto dele. Charles estava ali, dormindo suavemente. Ela acariciou os cabelos dele e o beijou. Ele acordou, olhou para ela e sorriu. Retribuiu o beijo e se levantou. Pegou uma garrafa de vinho que estava na mesinha, do outro lado do quarto, e encheu a taça ao lado da garrafa. Olhou para ela e levantou a taça, num brinde silencioso, sorvendo um gole em seguida. Ela deu uma piscadela para ele, que retribuiu prontamente.

Ele pegou a roupa do chão e vestiu, apressadamente.

–Já vai? - ela perguntou, com uma ponta de ressentimento.

–Sim. - respondeu, frio.

–Mas o Henry vai demorar. - deu um sorriso pelo canto da boca, mas carregado de malícia.

–E eu tenho a Elizabeth.

–Por favor. Você não a ama.

–Claro que amo. - lançou um olhar efusivo para ela – Por que acha que não a amo?

–Porque está aqui comigo!

–E? Isso não é justificativa. - murmurou, em tom aborrecido, vestindo a casaca.

Abriu a porta.

–Espere. - ela pediu – Você volta quando?

–Eu? - pensou um minuto. Bebeu o último gole de vinho no copo e o colocou sobre a mesinha – Na verdade, não sei bem. Entrarei em contato. - e saiu, sem dizer mais nada.

Encontrou Jack no corredor.

–Senhor Charles. - ele falou, numa reverência tímida.

–Olá, Jack. - respondeu, com um sorriso simpático – Como está?

–Estou bem. E o senhor?

–Estou ótimo. - soou misterioso – Estava com a Kathryne.

–Certamente, senhor. Não vou incomodar.

–Obrigado. Cuide-se, Jack. - e continuou andando – Ah! Mais uma coisa.

–Sim, senhor. - parou de andar.

–Você já sabe. Esses assuntos ficam apenas entre a gente.

–Como quiser, senhor. Senhor Burke, me permita fazer uma pergunta?

–Faça. - retrucou, levemente áspero.

–O senhor ama a senhora Kathryne?

–Não. - ele foi peremptório na resposta.

–Por que está fazendo isso?

–Por que? - Charles deixou escapar uma risada sarcástica – Porque devo isso ao Henry.

–Mas… - Jack se calou com o gesto do outro – Perdão, senhor.

–Com licença, Jack. Cuide-se. - e continuou, em silêncio.

***

Washington D.C., Estados Unidos, hoje

Henry se aproximou de Elizabeth. Ela estava sentada no chão, encostada na parede.

–Eu quero me encontrar com o Charles.

–Ele está diferente. - argumentou.

–Não importa, Henry. Eu quero me encontrar com meu marido.

–Vocês não são casados, Elizabeth!

–Mande uma carta. Será que vai demorar muito?

–Cartas? Elizabeth, eu expliquei sobre os telefones. - falou, em tom divertido – Posso mandar uma mensagem para ele, ou telefonar.

–Poderia fazer isso? - ela pediu. Ele não resistiu ao olhar dela.

–Sim. - assentiu com a cabeça, dando um sorriso amarelo. Enviou a mensagem.

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–O que você disse?

–Pedi para ele me esperar sozinho, que tenho uma surpresa para ele.

–Quanto tempo demoraria para ele receber? - o celular de Henry tocou, como se acabasse de receber uma mensagem. Ele desbloqueou a tela e leu.

–Na verdade, ele respondeu agora. - ele sorriu, um pouco sem jeito – Ele disse que podemos encontrar ele agora. Ele não sabe que vou te levar, certo? Será uma surpresa.

–Tudo bem. Estou agradecida, Henry. - ela deu um sorriso constrangido.

–Vista aquela roupa nova que comprei para você. - e saiu do quarto – Estarei lá fora.

Ela fechou a porta e se vestiu. Colocou uma camisa branca e, sobre ele, uma jaqueta de couro. Vestia uma calça jeans – que a deixava totalmente desconfortável – e sapatos. Abriu a porta e saiu. Ele a esperava no corredor. Desceram para a garagem do apartamento. Henry pegou a chave, destravou as portas, e abriu a porta do carona para ela. Ela entrou, e ele fechou a porta. Deu a volta, abriu a porta do motorista e entrou. Fechou a porta, engatou a primeira e acelerou. Respirou fundo.

Seja o que Deus quiser, pensou, e do jeito que o Diabo gosta.

Chegaram no prédio onde Charles estava morando. Quando desceram, o cheiro da fumaça no ar incomodou a mulher. Henry guiou Elizabeth até a porta do apartamento. Avisou que a esperaria lá embaixo, que era só ela usar o elevador – e explicou como usar ele. Logo em seguida, saiu do prédio, esperando por ela no carro. Ela respirou fundo e bateu à porta. A voz dele dizendo “entre”, vinda de lá de dentro a encheu de um leve nervosismo. Ela girou a maçaneta e entrou.

Perdeu as forças com o que viu.

Lucian estava deitado na cama, beijando uma garota. Ambos estavam sem camisa.

–Olá, Henry. Desculpe, não pude evitar. - falou, beijando a jovem novamente, com paixão.

–Esperava pelo Henry, Charles? - a voz de Elizabeth falhou. Ele olhou para ela e empurrou a garota de cima dele, que rolou para o lado e caiu da cama. Ele se levantou com um pulo e foi na direção dela. Tocou o rosto dela, como se não acreditasse.

–Elizabeth? - caiu de joelhos.

–Não me encoste. - recuou um passo, saindo do alcance dele.

–Elizabeth, meu amor. Eu posso explicar.

–Explicar? - os olhos dela estavam marejados de lágrimas – Explicar o que? Explicar o porquê de ter me traído? Éramos um, marido e mulher!

–Você estava morta.

–E parece que você lidou bem com isso. - cuspiu, cheia de rancor.

–Elizabeth, eu sofri!

–Você sofreu? Estive no inferno por mais de 170 anos. Você me diz que sofreu?

–Elizabeth, me escute. - ele se levantou e segurou a mão dela.

–Não me toque! - disse, ríspida, puxando a mão pra longe da dele – Eu não quero escutar você.

–Por favor. - ele se jogou de joelhos no chão, com uma expressão fria no rosto.

–Você não se importou com o que eu passei! Sequer tentou me salvar. Eu acreditei que você me amava! E você… Vai para a cama com uma meretriz! Eu entenderia se tivesse se casado novamente, Charles. Mas… Adultério?

–Eu estava viúvo! Você não sabe o que aconteceu! - ele se levantou, aos berros.

–Henry me contou tudo. O pacto, as mortes! Tudo! - ela manteve o tom de voz baixo, mas enfurecido. Isso deixou Lucian assustado.

–A versão dele. Me escute.

–Escutar? Não, Charles.

–Você é minha mulher! - gritou, enfurecido. O rosto ficou vermelho e ele cerrou os punhos. Mordeu o canto dos lábios, coisa que sempre fazia quando ficava nervoso. Apontou o dedo para ela e sacudia ele, cheio de raiva, enquanto falava – Você não tem o direito de se comportar assim! Manchar o meu nome com um… Um escândalo desproporcional desses! Isso é um absurdo. Quem você pensa que é para me dizer sobre adultério? Esteve com o Henry? Quantas noites passaram juntos? Ele se importa tanto com você que me parece que existe reciprocidade no amor dele.

–Está insinuando que sou promíscua como você?

–Eu estive bem vivo todo esse tempo! - ele disparou – Se alguém é adultero nessa conversa, esse alguém é você, Elizabeth! E com meu melhor amigo!

–Como ousa me ofender desse modo? Fazendo insinuações!

–Insinuações? Será que são apenas insinuações?

–Não importa. O que eu vi é suficiente! Contra fatos não existem argumentos.

–Quer debater moral comigo agora?

–Com licença. - virou as costas – Divirta-se com sua prostituta. - e saiu, indo até Henry. Ainda ouviu os gritos de Charles de dentro do quarto para a outra garota.

–Saia daqui, vadia! - dizia, aos berros, para a loira que o acompanhava.

Em silêncio, Elizabeth entrou no elevador e desceu até a entrada. Saiu do prédio e encontrou Henry, encostado no carro. Ele percebeu o olhar triste e abatido dela. Um olhar de derrota e aflição. Ela não disse uma palavra, apenas entrou no carro, com uma expressão sério, mas com os olhos marejados. O cheiro da fumaça não a incomodou tanto dessa vez. Ele entrou e dirigiu para casa. Eles entraram no apartamento de Henry.

Então, ela desabou.

Ela se jogou nos braços dele e chorou como uma criança. Ela contou o que aconteceu e chorou. Chorou até ficar sem forças, chorou até perder o ar.

Chorou até dormir.

Henry a colocou na cama, confortável. Deixou o ar-condicionado ligado e a cobriu. Saiu do quarto e foi para a sala. Sentou no sofá, em silêncio. Pensara em todas as possibilidades, mas apenas aquela, justamente aquela, não passara por sua mente. Afundou o rosto nas mãos, passou elas pelo cabelo e respirou fundo. Pensou que poderia ter arruinado a mente, os sentimentos, da única mulher que ele amou. A culpa o tomou.

E só existia uma pessoa que ele poderia procurar nessa situação.

Situações desesperadoras, pensou, pedem medidas desesperadas.