Exame Ômega

Segundo teste: Limpeza (Parte 2)


Naquele momento a mente de Micha era um verdadeiro turbilhão. Ali estava ele diante do alfa que há alguns dias tinha deixado uma impressão marcante (tipo aquelas canetas de tinta permanente, que não sai nem com álcool!) em sua memória. E por que não dizer que o efeito também se ampliou para o seu coração?

Rapidamente, negou com a cabeça. Não devia esquecer que aquele alfa era o responsável por organizar aquele Exame, logo, não devia ser muito diferente dos alfas que já encontrara na sua vida. Ou seja, egocêntricos e misóginos. Não devia ter esperança...

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Na verdade, por que estava pensando naquilo? O Exame era apenas uma experiência e não uma busca por sua alma gêmea.

E isso nem existe! Pensou enfático. Tinha que parar de romantizar e viver no mundo real.

— Eu tenho um nome, sabia? Meu codinome até pode ser Ômega lutador de kung fu...Mas, nas horas vagas, quando não estou combatendo o crime e alfas metidos a pervertidos, sou apenas um ômega normal. — Falou um pouco rápido demais. Na verdade, as vezes quando ficava nervoso coisas assim ocorriam. Que coisas? Falar com rapidez e coisas sem sentido. Era como se o seu cérebro entrasse em piloto-automático e como consequência sua boca parecia adquirir vontade própria. Essa combinação resultava em situações vergonhosas vividas por Mikhail.

O alfa deu uma risada. Bem, era uma consequência previsível depois daquela tola fala.

— E qual seria esse nome?

— Você não sabe? — Mikhail estreitou os olhos e o encarou com desconfiança.

— Deveria? — O alfa franziu o cenho, o que, de forma estranha, o fazia ficar mais atraente.

Devo ter inspirado algum fungo alucinógeno. Concluiu Micha Meus olhos não estão vendo as coisas de forma correta!

— Ora, sou um ômega e presumo que essa seja a sua casa, então...

— Espera...Você é um dos concorrentes do Exame? — Agora o alfa ergueu as sobrancelhas, quase fazendo com que elas sumissem em seu couro cabeludo.

— Pergunto de novo...E você não sabe? — Não conseguiu conter o seu tom de crítica em sua fala — O Exame Ômega é para você, não é? A não ser que tenha outro alfa solteiro por aqui...

— Não, você tem razão. O Exame é para mim, mas não estou...Como posso explicar...Participando diretamente na organização do processo.

— Relegou tudo para o seu papa, é isso? — Provocou Micha. Apesar de alfas serem caracterizados como independentes, muitos deles não passam de garotões super-crescidos dependentes de suas mamães ou papas. Isso explica a necessidade de terem um ômega para além de ser seu esposo, também ser o seu babá, seu criado, secretário, enfermeiro...Enfim, os Alfas depende de ômegas para serem funcionais na sociedade, pois eles (os alfas) são por demais superiores para se preocuparem com tarefas “domesticas” destinada a seres inferiores e simplistas. Até o próprio Exame que tecnicamente deveria ser responsabilidade do Alfa, muitas vezes, ficavam sobre o encargo de seus parentes ômegas.

Andrey rosnou, mas era um rosnado baixo que mais soou com advertência do que um sinal de fúria.

— Não posso dizer que você está errado. Fato é que eu não podia organizar algo que nem tinha ideia que estava sendo planejado.

— Oh... — Agora era a vez de Micha franzir o cenho — Você não sabia do Exame?

— Apesar de estar gostando muito desta conversa, senhor ômega lutador de kung fu. Poderia fazer uma sugestão de mudarmos de posição? Minhas costas estão começando a doer um pouco.

— Mudar de posi....AH! — Mikhail só agora percebeu que todo o diálogo que estavam fazendo até então ocorreu enquanto ele estava sentando sobre o musculoso alfa. A situação não podia ter se tornando mais embaraçosa.

— Perdão! — Exclamou se levantando, quase tropeçando nos próprios pés ao tentar se afastar de Andrey.

O alfa se levantou limpando as roupas que agora estavam cobertas de poeira. Até os seus cabelos castanhos encaracolados estavam sujos. Micha controlou a sua vontade de tocar nos cachos agora empoeirados de Andrey. Afinal, nem conseguira alcançá-los, dado a altura do Alfa. Precisaria, no mínimo, pegar um banquinho ou pedir para Andrey se abaixar...Enfim, Mikhail não iria se dar o trabalho, ainda que aquele desejo de se aproximar do alfa o incomodasse e irritasse.

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Os dois ficaram em silêncio. Micha preferiu evitar olhar diretamente para Andrey, por outro lado, o alfa insistia em encará-lo. Podia sentir aqueles olhos amendoados sobre si. O analisando, por acaso? Micha sabia que não devia estar com o melhor visual. Além de usar aquela roupa cerimonial idiota, havia a ressaca e agora a poeira.

Como se eu ligasse para o que ele está vendo!

— Então, você estava dizendo sobre o Exame... — Micha quebrou o silêncio, cruzando os braços diante do peito.

— Oh! Sim...Foi ideia dos meus pais, mais precisamente do meu papa. Não pretendia organizar uma coisa dessas, mas acabei por acatar com a vontade deles.

— Hum? Ora, você não desejava ter um ômega submisso para si? Um alfa de bom partido como você? — Novamente Micha provocou. Realmente, deveria parar de ficar cutucando alfas com vara curta!

— Talvez eu deseje um ômega, mas submisso? Isso não. — Seus olhos se encontraram. Mikhail não conseguira evitar, teve que encará-lo e esse foi o seu erro fatal. Aquele olhar somado com aquela fala foi um ataque direto ao seu coração e... Talvez tenha reavivado uma outra parte do seu corpo. Uma parte que deveria ficar quietinha, principalmente diante de Alfas que podem farejar excitação.

— Ainda mais, se eu fosse procurar alguém, seja ômega ou beta...Não me utilizaria de um Exame. Com pode ver, eu nem sei quem são os concorrentes. Meu papa tem a lista, só ele saberia associar o nome ao rosto do candidato. Eu devo agir como uma espécie de juiz imparcial.

— Um juiz que escolheu o meu prato de cereal e café como um dos vencedores? Não me admira que seu papa tenha ficado puto comigo.

Andrey ergueu novamente as sobrancelhas.

— Então era você... — Um sorriso se fez em seus lábios. Micha pigarreou e tentou focar sua atenção em outro ponto do galpão. Quiçá as teias de aranha. Eram bonitas. Não tão bonitas quanto Andrey, mas...Sim, foco nas teias!

— Senhor ômega lutador de kung fu, me surpreende que você estivesse participando do Exame. — Confessou massageando o seu grosso pescoço.

— E eu não poderia, é? — Pegou seu espanador e começou a trabalhar. Sim, trabalhar era bom para se distrair — Não sou o ômega adequado para participar do Exame Ômega?

— Eu não disse isso.

— Seu papa parece pensar assim. — Resmungou.

Pode ouvir Andrey soltando um suspiro contrariado. Na verdade, Micha pode ouvir muito bem, como se o alfa estivesse bem atrás de si.

— Ele tem uma ideia bastante arcaica sobre as coisas, mas eu vejo mais como uma teimosia do que um preconceito verdadeiro. Afinal, ele tem um filho ômega formado com títulos de pós-graduação em uma área profissional característica de alfas. Um filho beta que se casou com um Alfa....E um filho alfa solteirão que preferiu seguir carreira em uma profissão típica de betas. Sei que ele nos ama e nos aceita...Mas o preconceito estrutural tem suas raízes profundas em nossa sociedade. Com o tempo, acredito, que ele irá mudar e ampliar a sua visão para a verdade.

— Verdade? — Espanava o móvel a sua frente, apesar deste já está bastante limpo.

— Que o sistema ABO é uma grande farsa.

Aquilo chamou a atenção de Micha que se virou, dando de encontro com o peitoral do alfa.

— V-você dizendo algo assim? — Indagou, estava meio incomodado com a proximidade entre eles, mas necessitava saber a resposta.

— Quando diz você se refere ao fato de ser um Alfa? Acha que não seria capaz de criticar o sistema?

— Ora... Vocês são os maiores beneficiados pelo sistema. — Disse em um tom por demais acusativo.

— Os benefícios ocultam grilhões que nos prendem a uma imagem impossível de ser alcançada. Ser um líder perfeito. Provedor de sua família. Não chorar. Não ter medo. Não mostrar fraqueza. Isso...É uma ilusão. As altas taxas de suicídios entre os Alfas provam isso...Ainda mais, quando alfas se tornam bestiais, perdendo a razão e controle sobre si próprios e se transformam em máquinas de matar. Um alfa se torna bestial quando entre em um quadro de depressão severa, quando se sente acuado em relação as pressões da realidade e acaba por regredir para um estado selvagem. Entendo o omeguimismo, a luta pela igualdade ômega. Mas para alcançar isso a luta deve envolver as outras categorias, alfas e betas. Esses também sofrem seus respectivos problemas e estigmas sociais. Não quero dizer que sofro mais que um ômega. Não. Entendo que tenho mais vantagens que desvantagens, mas também acho que devemos trabalhar juntos para mudar a nossa...

—AHH! — Gritou Micha antes mesmo que Andrey terminasse com o seu discurso, dando golpes com o seu espanador, golpes que foram facilmente amparados pelo alfa — Você deve estar brincando!

Andrey rosnou.

— Eu não brincaria com algo assim! E por que faria isso?

— Um alfa...Um alfa falando uma coisa dessas...

— E acha que eu deveria ser o que? Egocêntrico e misógino?

— Deuses! Pare! — Choramingou Micha, trêmulo.

— O que foi? — Andrey se abaixou, segurando os punhos de ômega, impedindo que ele continuasse o atacá-lo, ainda mais que a probabilidade do rapaz se machucar no processo era bem maior do que realmente causar danos ao alfa.

— Pare de falar pois...

Antes que Andrey pudesse questionar sobre aquela estranha reação, o cheiro adocicado invadiu suas narinas. A essência era por demais inebriante desencadeando um efeito direto em seu corpo. A pupila de seus olhos dilatou. Seu coração acelerou. Um grunhido grutal se formou em sua garganta. Era todos os sinais que indicavam uma coisa...Tinha detectado excitação de um ômega e isso gerou o despertar de sua fera interior. Em outras palavras, também ficara excitado em resposta.

— Idiota! — Ralhou Micha — Viu o que você fez? Agindo como um alfa compassivo e politizado! Sem falar que ainda é bonitão! Acha que não teria consequências?

— Er... — Andrey não sabia muito bem o que responder, ainda mais por sua mente estar meio esfumaçada com as sensações captadas por seus sentidos — Eu não tinha intenção de...

— Pior ainda quando não se tem intenção... — Micha mordeu o lábio inferior, algo que Andrey achou bastante interessante de observar.

— Ok! Certo...Melhor nos afastarmos. Digo, pelo menos até eu...Me recuperar.

O alfa pigarreou, também estava sentindo os efeitos, além do mais, se ficassem assim tão pertos um do outro era bem provável que o ômega também fosse influenciado pelo odor que exalava no momento. Como também tinha ficado excitado, isso desencadearia um efeito em cadeia o que poderia trazer perigosas consequências. Verdade era que nem sempre ocorria, ao detectar a excitação de outro ômega, uma alteração em sua fisiologia ao ponto de agir daquela maneira. Se deixando dominar por seus instintos. Andrey sempre fora muito controlado quanto a isso...

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— Concordo. — Falou tentando ajustar as suas calças, ocultado uma ereção que acabara por se formar — Peço perdão...

— Droga...Não precisa pedir! Digo, fui eu que fiquei...Olha, não é sua culpa, ok? Em parte, é sim! Foi você que ficou agindo de forma que eu ficasse todo caidinho e... Digo, esquece o que eu disse, ok? Apague de sua memória! Não pense que eu fico todo bobão por qualquer alfa que fique conversando sobre igualdade do sistema ABO... Não sou tão fácil assim! — Micha sabia que estava sendo confuso. Na verdade, o seu maior desejo era encontrar um lugar para se esconder e assim poder morrer de vergonha! Como pode se descontrolar deste jeito?

— Então, devo encarar como um elogio. — Deu um meio sorriso.

— Encare como quiser! — Resmungou corando.

Andrey novamente pigarreou, na verdade estava tentando disfarçar um riso, temia que rir do jeito emburrado (e para não dizer fofo) do ômega não fosse algo propicio para a situação.

— Me chamo Andrey. — Se apresentou oferecendo a sua mão para o outro.

— Eu sei quem você é...Esqueceu que aceitei o convite para o Exame. — Resmungou sem aceitar a mão oferecida.

— Sabe mesmo quem eu sou? Você entrou no exame por causa de mim? — Andrey queria chutar a si mesmo, pois sentia que deixou transparecer um certo entusiasmo em suas perguntas. Desde quando parecia um alfa adolescente diante do seu crush? Acabara de conhecer aquele ômega...Devia se controlar.

— Não. Sei quem você é pelo nome e não como pessoa. Eu...Entrei nessa competição como forma de experiência. Queria me inspirar para escrever uma história, para talvez publicar em alguma revista. Não era nem para eu passar no primeiro teste! — Cutucou com o espanador o peitoral escultural do outro.

— Sinto muito, mas as regras são claras. Escolhi você sem saber quem você era e também de seus objetivos. — Falou em um tom sério. Talvez, se sentiu um pouco desapontado em relação a resposta do outro.

— Mas...Era só cereal e um café...

— Um dos melhores cafés que já tomei. — Admitiu, recebendo um novo rubor por parte do ômega.

— Você poderia ter desistido. — Comentou Andrey — Não precisava ter continuando.

— Poderia ter feito isso, mas... Seu papa despertou o lado competitivo em mim, principalmente depois de ter sugerido que eu não era um ômega que faria o seu tipo.

— E o que o meu papa sabe sobre o meu tipo? — Rosnou contrariado.

Mikhail conteve um sorriso.

— Talvez você devesse ter deixado evidente qual seria o ômega que você procura desde o começo. — Sugeriu.

— Eu não procurava um tipo de ômega específico. Além do mais, não imaginei que o Exame Ômega poderia me presentear com alguém que me despertasse interesse. Acho que posso ter me enganado quando a isso... — Ao falar isso sentiu, novamente, a essência adocicada emanando do ômega.

— Hum... — Micha levou uma mecha negra de seu cabelo para trás de sua orelha — Bom para você.

— Não pretendo que seja bom somente para mim.

O cheiro aumentou em proporções alarmantes, mas o ômega ainda não o encarava. Ainda mais, quando sabia que o menor deveria estar farejando os próprios feromônios emanados por Andrey.

— Supostamente eu tenho que limpar esse galpão antes do jantar. — Soltou o rapaz, assim do nada — Ainda estou participando deste Exame e prometi a mim mesmo que iria limpar essa joça antes de o pai ômega de um certo alfa que conheço, viesse avaliar.

— Você esqueceu, senhor ômega lutador de kung fu, que sou eu que dou a palavra final na avaliação?

— Não vou aceitar favorecimentos, senhor Morgantein — O sorriso oferecido pelo ômega fez o alfa vacilar. Era um dos sorrisos mais belos que já tinha visto.

— Mas esse armazém é muito grande... Meu papa claramente não está sendo justo. — Disse dando um sorriso meio tímido para o menor. Deuses, estava mesmo parecendo um adolescente diante do seu crush.

— O que sugere?

— Que eu te ajude.

— Um alfa, ajudando na faxina? — Riu Micha oferecendo o espanador para Andrey.

— Queremos igualdade de funções entre os tipos ABO, não é mesmo? — Pegou o instrumento, fazendo questão de roçar seus dedos sobre a pele do ômega.

Mikhail sentiu um gostoso arrepio percorrendo a sua espinha. Estava muito encrencando... Não tinha planejado passar nos testes. Nem queria conhecer o alfa. E agora se encontrava em meio aquela confusão... E o pior? Não sentia arrependimento.

— Mikhail... Me chamo Mikhail, mas meus amigos e familiares me chamam de Micha. — Sussurrou.

O coração de Andrey disparou. Agora sabia que tinha sido mesmo fisgado pelo o feitiço ômega, como o seu pai alfa gostava de denominar o evento que levou a se apaixonar pelo Michael.

— É um prazer te conhecer, Micha.

Apesar de nenhum dos dois querer admitir abertamente, mas, ao que parecia, o Exame Ômega tinha dando os resultados prometidos. Um alfa encontrou seu ômega. Ou será que foi o ômega que encontrou o seu alfa? Não importava...O resultado era mais do que evidente.