Estranha Sensação

Por um segundo


***
Bernarda deu um forte empurrão em Osvaldo, assim que a porta do estoque se abriu. Quando ela viu Victoria ali, parada, o susto ainda foi maior, mas ela teve tempo, ainda que fossem só alguns segundos para montar a personagem que sempre encarnava na presença de Victoria Sandoval. E que ela estivesse transando com seu marido, no local do grande desfile dela, ouvindo dele que ela era a rainha da moda, significava para ela uma pequena vitória, ainda que momentânea.

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— Oh, seus...! — Deteve-se Victoria antes de insultá-los com o adjetivo que desejava.

— Victoria... Você... Não pense que... — Osvaldo gaguejou enquanto tentava se recompor.

Bernarda, mais tranquila que ele, também buscava se recompor, mas aquele ar de triunfo no rosto dela fez com que Victória reagisse antes mesmo do que ela pensava. A taça que ela trazia em sua mão, em segundos ficou vazia porque Victoria jogou todo o líquido dela bem no rosto de Bernarda. Ainda assim, ela não desfez aquela cara de deboche de quem queria tripudiar de Victoria. Ela então se armou para pular em cima de Bernarda, mas Heriberto, que a observava da porta daquela salinha, correu até ali e a segurou pela cintura com grande dificuldade.

Victoria chegava a levantar os pés, quase que ignorando completamente a presença de Heriberto, tudo que passava por sua cabeça era esbofetear a cara de Bernarda até desfazer completamente aquele risinho cínico do canto de sua boca e fazê-la entender que ela era a rainha da moda e não abriria mão desse título. Heriberto tentou puxá-la para trás, mas isso fez com que ela começasse a gritar descontrolada:

— Sua desgraçada! Que direito você acha que tem de aparecer aqui no meu desfile, ainda mais com... esse daí? Eu vou te denunciar para a polícia por ter roubado meus croquis, eu vou te colocar atrás das grades e acabar com você. Vou acabar com vocês dois nem que seja a última coisa que eu faça na vida!

— Eu pensei que você estaria mais feliz, Victoria. Afinal, hoje não é o seu grande dia, rainha? — Tripudiou Bernarda.

— Eu estarei mais feliz quando a justiça for feita! O que você fez... O que vocês dois fizeram foi roubo! Vocês roubaram meus croquis e, só com meus modelos você conseguiu alguma publicidade para sua boutiquezinha. — Victoria perdeu completamente o controle.

— Eu não sei de que croquis você está falando, todos os modelos apresentados em meu desfile são meus! — Negou Bernarda com sarcasmo. — Mas, se formos falar em publicidade... Imagine que maravilha de divulgação para minha marca que ela seja alvo de um processo movido pela grande Victoria Sandoval?

— Ora sua...! — Victoria se soltou completamente de Heriberto e se aproximou dela encarando-a dentro dos olhos sem nenhum medo.

— Victoria, tenha calma... — Heriberto tentou contê-la.

— Você não se meta! — Ordenou no único segundo que dedicou a olhá-lo antes de voltar a fuzilar Bernarda com os olhos. — É exatamente isso o que você quer, não é mesmo, sua vadia? Que eu dedique minha atenção a você. Você sabe que eu tenho provas de que aqueles croquis me pertencem. Como você os conseguiu?

Ao fim da pergunta, se recordou de Osvaldo e o encarou. Aproximou-se dele com dois passos curtos. Cravou seus olhos nos dele com todo aquele desprezo que naquele momento se multiplicava e teve a resposta à sua pergunta.

— Então foi nisso que você se transformou depois que eu te deixei? Chaveirinho dessa estilista fracassada? Se submetendo a fazer o trabalho sujo por ela? Você já teve melhor gosto inclusive para escolher amantes, Osvaldo!

— Eu não sei do que você está falando. — Negou-se Osvaldo envergonhado. — Eu tenho que ir.

— Isso covarde! Fuja! É só isso que você sabe fazer! É só isso que você sempre soube fazer. — Tripudiou Victoria enquanto ele se encaminhava à saída. — E você também. Suma daqui! — Se dirigiu à Bernarda. — Você já conseguiu a única atenção que merece! Escondida aí, dentro desse estoque, em uma foda ruim, é o único lugar onde você vai escutar que é a rainha da moda. E ainda precisa pagar por isso!

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— Eu vou fazer você engolir cada uma de suas palavras! — Bernarda disse ajeitando sua bolsa.

— Tente! Você sabe muito bem onde vai me encontrar. E, se não, é só procurar as melhores avaliações da imprensa da moda. Você sabe que meu nome está sempre sendo ovacionado por eles! — Dessa vez, foi Victoria quem tripudiou enquanto Bernarda seguia Osvaldo rumo à saída.

Quando os dois saíram, Victoria encarou Heriberto com um misto de sentimentos que ela não conseguia e nem queria explicar. Passou acelerada por ele, ainda que o efeito da bebida começava a afetar seu equilíbrio, e voltou ao salão principal que começava a se esvaziar. Preocupado, Heriberto a seguiu e viu quando ela foi até o bar e pediu que lhe servissem uma outra taça de champanhe. Ela virou de uma vez o champanhe e pediu que lhe deixassem a garrafa, servindo-se mais uma vez. Heriberto se aproximou e ela sorriu.

— Vou pedir uma taça para você! — Falou com a voz mole. — Quero que você brinde comigo o meu sucesso.

— Eu não bebo, obrigado. Por favor, Victoria, é melhor que você já não beba mais. Olhe em volta! Quase todas as pessoas já foram embora. Uma grande estrela não fica após o fim do espetáculo. — Tentou fazer com que ela escutasse apelando para sua vaidade.

Victoria, com a taça na mão, encarou o salão praticamente vazio que começava a ser ocupado pelo pessoal da limpeza. Heriberto tinha razão. Que ela estivesse ali quase sem ninguém não demonstrava vitória e, sim, derrota. Mas, que outra maneira poderia haver para que ela digerisse a peça que Bernarda e Osvaldo quiseram pregar-lhe?

— Se você me fizer companhia... Todos saberão que sou sim muito vitoriosa. — Convidou.

— Eu preciso ir embora. Mas não quero te deixar assim. Deixe-me te levar em casa. — Ofereceu-se gentil.

— Está preocupado comigo? — Indagou se aproximando do rosto dele perturbando-o.

— Sim. — Concordou sem conseguir evitar colocar atenção em sua boca tão próxima dele.

— Não te parece que tenha algum significado o fato de que em menos de uma semana você tenha tido que me dar carona duas vezes por estar preocupado comigo?

Heriberto só conseguiu olhar primeiro para sua boca, cujo batom parecia impecável, apesar de todo o tempo que havia passado naquela festa e, em seguida, para o brilho de seus olhos verdes cravados nos dele, intensos, vívidos súplices! Por um minuto se esqueceu de que ela estava bêbada e que ele tinha muitos princípios. Por um minuto se esqueceu de que era um padre e isso não combinava com aquelas sensações. Por um segundo eram só um homem e uma mulher que não precisavam enfrentar as consequências de qualquer ato que praticassem naquele segundo!

***