A culpa foi de Thalia (de novo). Ela os meteu no banco de trás de um táxi de Las Vegas como se eles realmente tivessem dinheiro, e disse ao motorista:

– Los Angeles, por favor.

O taxista mascou seu charuto e os mediu com os olhos.

– São quatrocentos e oitenta e dois quilômetros. Para isso, vocês têm de pagar adiantado.

– Aceita cartão de débito de cassinos? — Perguntou Annabeth.

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Ele deu de ombros.

– Alguns. Funcionam como os cartões de crédito. Preciso passar o cartão primeiro.

Annabeth estendeu o cartão GranaLótus verde para ele.

O motorista olhou com ar desconfiado.

– Passe o cartão. – Convidou Annabeth.

Ele fez isso.

O taxímetro começou a crepitar. Luzes se acenderam. Por fim, um símbolo do infinito apareceu ao lado do cifrão.

O charuto caiu da boca do motorista. Ele olhou para o grupo com olhos arregalados.

– Em que lugar de Los Angeles... ahn... Sua Alteza?

– O píer Santa Monica. – Thalia endireitou um pouco o corpo. Dava para perceber que ela gostara daquilo de "Sua Alteza”. – Leve-nos depressa, e pode ficar com o troco.

Talvez ela não devesse ter dito aquilo.

O velocímetro do táxi não caiu nem por um instante abaixo de cento e sessenta ao longo de todo o percurso pelo deserto de Mojave.

Na estrada, tiveram tempo à vontade para conversar. Annabeth contou a Thalia e Grover sobre seu último sonho, mas, quanto mais tentava se lembrar, mais imprecisos foram ficando os detalhes, e ela se perguntou se Percy tinha algo a ver com isso, mas ele não respondeu quando ela perguntou. Annabeth não conseguia se lembrar de como era o som da voz do servo, embora tivesse certeza de que era de alguém que ela conhecia. O servo chamara o monstro no abismo de algum outro nome além de "meu senhor"... Algum nome ou título especial...

– O Silencioso? – Sugeriu Thalia. – O Rico? Ambos são apelidos de Hades.

– Talvez... – Annabeth falou – embora nenhum dos dois parecesse muito certo.

– Esse salão que você falou – disse Grover – de acordo com sua descrição, parece algo relacionado aos titãs. Isso com certeza não é bom.

Annabeth assentiu.

– Alguma coisa está errada. Aquela voz no abismo... Era a mesma voz do primeiro sonho. Eu não sei. Simplesmente não parecia a voz de um deus, era... Fria, antiga.

Os olhos de Thalia se arregalaram.

– O que foi? – Annabeth perguntou, imediatamente nervosa.

– Ah... nada. Eu estava só... Não, tem de ser Hades. Talvez ele tenha mandado esse ladrão, essa pessoa invisível, para pegar o raio-mestre, e algo tenha dado errado...

– Tipo o quê?

– Eu... eu não sei. – Disse ela. – Mas se ele roubou o símbolo do poder de Zeus do Olimpo, e os deuses o estavam caçando, quer dizer, uma porção de coisas poderia dar errado, ou ele o perdeu de algum modo. De qualquer jeito, não conseguiu levá-lo até Hades. Foi isso o que a voz disse no seu sonho, certo? O cara fracassou. Isso explicaria o que as Fúrias estavam procurando quando vieram atrás de nós no ônibus. Talvez achem que recuperamos o raio.

Annabeth não sabia muito bem o que estava errado com Thalia. Parecia pálida.

– Mas se eu já tivesse recuperado o raio – Thalia falou, mais para si mesma do que para o resto do grupo – por que estaria viajando para o Mundo Inferior?

– Para ameaçar Hades. – Sugeriu Grover. – Talvez... – Ele hesitou, e quando Annabeth se virou para olhar para ele, viu que ele tinha os olhos baixos. – Talvez fazê-lo pagar pelo que aconteceu anos atrás.

O carro ficou em silêncio por um instante.

Você tem pensamentos perversos para um bode, disse Percy, soando como um elogio. Annabeth repetiu o que ele disse para tentar aliviar o clima.

– Ora, obrigado. – Respondeu Grover.

– Mas, segundo Annabeth, a coisa no abismo disse que estava esperando dois. – Falou Thalia. – Se o raio-mestre é um, qual é o outro?

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Grover sacudiu a cabeça, claramente perplexo.

Thalia olhava para Annabeth como se soubesse qual seria a sua próxima pergunta e estivesse desejando silenciosamente que ela não a fizesse.

– Você tem ideia do que poderia estar naquele abismo não tem? – Annabeth perguntou a ela. – Quer dizer, se não for Hades. É... é algo a ver com Percy?

– Annabeth... não vamos falar sobre isso. Porque se não for Hades... Não. Tem de ser Hades.

A desolação passava por eles. Passaram por uma placa que dizia DIVISA DO ESTADO DA CALIFÓRNIA, VINTE QUILÔMETROS.

Annabeth teve a sensação de que estava deixando de notar alguma informação simples e crucial. Era como quando ela olhasse para uma palavra que deveria conhecer, mas ela não fazia sentido porque uma ou duas letras estavam flutuando fora do lugar. Quanto mais Annabeth pensava sobre sua missão, mais certeza tinha de que confrontar Hades não era a verdadeira resposta. Havia algo mais acontecendo, algo ainda mais perigoso.

O problema era: eles estavam disparados na direção do Mundo Inferior a cento e sessenta quilômetros por hora, apostando que Hades tinha o raio-mestre. Se chegassem lá e descobrissem que estavam errados, não teriam mais tempo para corrigir o erro. O prazo do solstício passaria e a guerra começaria.

– A resposta está no Mundo Inferior. – Assegurou Thalia. – Você viu os espíritos dos mortos, Annabeth. Só há um lugar onde isso é possível. Estamos fazendo a coisa certa.

Ela tentou levantar a moral do grupo sugerindo que Annabeth fizesse estratégias engenhosas para entrar na Terra dos Mortos (o que não adiantou com a moral da própria), mas o coração de Annabeth não estava naquilo. O fato é que havia muitos fatores desconhecidos. Era como estudar loucamente para uma prova sem saber qual é o assunto.

O táxi ia a toda para oeste. Cada rajada de vento no Vale da Morte parecia um espírito dos mortos. Cada vez que os freios chiavam atrás de um caminhão de dezoito rodas, aquilo lembrava a Annabeth a voz horrível do abismo.

Ao pôr do sol, o táxi os deixou na praia de Santa Monica. Era exatamente como as praias de Los Angeles que se veem nos filmes, só que o cheiro era pior. Havia carrosséis de parque de diversão ao longo do píer, palmeiras nas calçadas, sem-teto dormindo nas dunas e surfistas esperando a onda perfeita.

Grover, Thalia e Annabeth caminharam até a beira-mar.

– E agora? – perguntou Annabeth.

O Pacífico estava ficando dourado ao sol poente. Annabeth pensou em quanto tempo se passara desde que estivera na praia, lá em Nova York, do outro lado do país, olhando para um mar diferente.

De repente, sentiu uma pequena picada na cabeça, antes de uma imagem piscar em sua mente: uma bela praia de areia branca, com um píer até alguns metros na água rasa.

Percy?, questionou.

Virginia Beach, explicou ele. Minha mãe me levou lá uma vez, quando eu tinha cinco anos. Foi a única praia que já visitei pessoalmente. Nunca me esqueci.

Annabeth sorriu carinhosamente, sentindo-se feliz de que Percy estivesse compartilhando aquilo com ela. Ela inclinou a cabeça levemente para trás, deixando a brisa marítima bagunçar seus cabelos. Annabeth se lembrou vagamente de que Atena e Poseidon não se davam muito bem, mas não estava sinceramente dando a mínima.

Sua paz interior foi interrompida quando viu Thalia entrando na arrebentação.

– Thalia? – Disse. – O que está fazendo?

Thalia continuou andando, até a água chegar à sua cintura, depois ao peito. Annabeth gritou para ela:

– Tem ideia de quanto essa água está poluída? Há todos os tipos de coisas tóxicas...

Foi quando a cabeça de Thalia submergiu.

Ela sempre foi assim, comentou Percy. Impulsiva. Eu achava isso legal quando eu tinha oito anos, mas agora... Nem tanto.

Annabeth assentiu, silenciosamente concordando.

Sentou-se na areia, fechando os olhos e ouvindo Grover fazer o mesmo. Sentiu uma espécie de pressão na cabeça, e uma voz, aquela voz de menino que havia rido na Colina Meio-Sangue quando Annabeth levou um susto, cantou baixinho: Minha mochila preta está cheia de sonhos quebrados; vinte dólares devem me manter durante a semana. Nunca disse uma palavra de descontentamento, pensei nisso mil vezes, mas agora... estou saindo de casa.

Por alguma razão, Annabeth sentiu seus olhos se encherem se lágrimas. Não sentia assim tanta emoção pela música, e desconfiava que aquelas gotas salgadas eram mais uma demonstração de tristeza fosse mais da parte de Percy que a dela, e, afinal, entre eles, Annabeth era a única que tinha olhos que podiam lacrimejar.

O nome dessa música é Exodus, contou Percy. Ela foi lançada pela Evanescence em 1998. Eu ouvi a música no rádio enquanto meu padrasto estava fora de casa fazendo sabe-se lá o quê. Quando de fugi de casa, cantava essa música para mim mesmo: “Aqui nas sombras, estou a salvo, estou livre; eu não tenho um lugar para ir, mas não posso ficar onde não pertenço.” Depois que conheci Luke e Thalia, “Exodus” se tornou a nossa música. Parecia se encaixar, você não acha?

Por que você está me contando isso?, Annabeth perguntou cuidadosamente, lembrando-se perfeitamente dos dias que pareceram anos em que Percy não falara com ela porque ela havia querido saber sobre o passado dele sem sua permissão.

Eu estou dentro da sua cabeça, Percy respondeu simplesmente. Sei tudo sobre você. Acho que é justo você saber um pouco sobre mim também.

Obrigada, Annabeth sorriu.

Tudo bem, mas dessa vez espere até eu dizer, ok? Eu senti falta de perturbar você esses dias, sabia?

Annabeth deixou escapar uma risada baixa, antes de ver Thalia finalmente voltar para a arrebentação, totalmente seca, de alguma forma. Provavelmente a ajuda de Poseidon. Sua expressão era séria como Annabeth nunca tinha visto, e ela se aproximava afundando os pés com força na areia, o que deixou Annabeth um pouco apreensiva (embora ela jamais fosse admitir isso.)

Não precisa, riu Percy. Isso vai estar para sempre gravado na minha mente.

Annabeth queria ficar com raiva, mas isso só daria dois trabalhos: o de ficar com raiva e o de continuar com raiva. Por fim, ela só fez uma careta. Infelizmente, Thalia achou que era para ela, e deu uma careta de volta, iniciando assim o Concurso das Caretas.

Grover percebeu e grunhiu:

– E então? Como é que foi?

Thalia hesitantemente desviou o olhar feio de Annabeth para suavizá-lo e voltá-lo para Grover.

– Era aquela ninfa de novo. Uma nereida. – Esclareceu Thalia. – Ela me entregou isto. – Ela estendeu a mão direta, onde segurava três pérolas brancas, e então fez uma careta. – Ela disse que “o que pertence ao mar sempre retornará ao mar”. Que Hades se alimenta de dúvidas e desesperança. Que ele me enganará se puder, me fará desconfiar do meu próprio julgamento. E que depois que estivermos nos domínios dele, Hades jamais permitirá voluntariamente que partamos.

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– Bem – Annabeth ergueu as sobrancelhas –, isso não é ótimo?

– Tem mais. – Thalia a encarou. – Ela disse para não confiar nos presentes.

– Que presentes? – Grover perguntou.

– Ela não respondeu quando eu perguntei.

– Bem. – Annabeth franziu a testa. – É algo bem estranho a se dizer logo depois de dar três pérolas para alguém, não acha? – Thalia não respondeu, e Annabeth fez outra careta. – "Não existe almoço grátis." É um antigo ditado grego que se aplica perfeitamente hoje em dia. Haverá um preço por essas pérolas. Aguarde.

~~~~~~~PJO~~~~~~~

O trio tomou o ônibus para West Hollywood com um pouco dos trocados que sobraram na mochila de Ares. Annabeth mostrou ao motorista o recibo com o endereço do Mundo Inferior que ela pegara no Empório de Anões de Jardim da Tia Eme, mas ele nunca ouvira falar nos Estúdios de Gravação M.A.C. – Morto ao Chegar.

– Você me lembra alguém que vi na tevê – falou ele para Thalia – atriz infantil, ou coisa assim?

– Ahn... eu sou dublê... de uma porção de atrizes infantis. – Thalia gaguejou.

– Ah! Está explicado.

Annabeth agradeceu e desceu rapidamente na parada seguinte.

Eles perambularam por quilômetros à procura do M.A.C. Ninguém parecia saber onde era. Não constava da lista telefônica. Duas vezes se esquivaram para becos, para evitar viaturas de polícia.

Annabeth ficou paralisada na frente da vitrine de uma loja de eletrodomésticos porque uma televisão mostrava uma entrevista com alguém que pareceu muito familiar – era seu pai, Frederick Chase. Ele estava falando com Barbara Walters – parecendo uma grande celebridade. Ela o entrevistava no apartamento dele, e a madrasta de Annabeth estava sentada ao lado dele, afagando-lhe a mão.

– Como já sabe, Sr. Chase, sua filha, Annabeth, foi vista com a desaparecida e agora fugitiva Thalia Grace. – Disse Barbara Walters. - Como se sente sobre isso, senhor?

– Honestamente, Sra. Walters, eu não estava ciente disso tudo até minha mulher vir me contar que viu Annabeth na TV. - Disse o pai de Annabeth. - Da última vez que a vi, ela estava indo para um acampamento de verão recomendado pelo professor. Eu... – Ele engasgou. – Eu amo a minha filha. Pensei que a estivesse enviando para um lugar seguro, e não... – A voz dele falhou, fazendo o coração de Annabeth se apertar.

– Aí está, América. – Barbara Walters voltou-se para a câmera. – Um homem destroçado. Uma menina adolescente com problemas, vista pela última vez com uma menina desaparecida. Deixem-me mostrar agora a última foto dessas jovens fugitivas, tirada há uma semana em Denver.

A tela cortou para uma foto granulada em que Thalia, Annabeth e Grover do lado de fora do restaurante Colorado estavam falando com Ares.

– Quem é a outra criança nesta foto? – Perguntou Barbara Walters com dramaticidade. – Quem é o homem que está com elas? Thalia Grace é uma delinquente, um terrorista ou uma vítima da lavagem cerebral de uma nova e assustadora seita, que a sequestrou anos atrás? Quando voltarmos, vamos conversar com uma renomada psicóloga infantil. Fique conosco, América.

– Honestamente. – Thalia franziu os lábios numa cara feia. – As hipóteses dessa gente estão cada vez mais ridículas.

– Vamos. – Disse Grover, arrastando as duas para longe antes que Annabeth abrisse um buraco na vitrine da loja de eletrodomésticos com um murro.

Anoiteceu, e personagens de aparência esfomeada começaram a sair para as ruas para representar seus papéis. Não entendam mal Annabeth. Ela é nova-iorquina. Não se assusto facilmente. Mas estar em Los Angeles era bem diferente de estar em Nova York. Onde Annabeth morava tudo parecia perto. Embora fosse uma grande cidade, era possível se chegar a qualquer lugar sem se perder. O padrão das ruas e o metrô faziam sentido. Havia um critério de funcionamento das coisas. Desde que não fosse boba, uma garota podia se sentir seguro lá.

Los Angeles não era assim. Era espalhada, caótica, ficava difícil se locomover. Fazia lembrar Ares. Para Los Angeles, não bastava ser grande; era preciso também provar-se grande sendo barulhenta, estranha e difícil de navegar. Annabeth não sabia como diabos eles iriam encontrar a entrada para o Mundo Inferior até o dia seguinte, o solstício de verão.

Eles passaram por gangues, vagabundos e camelôs, que os olhavam como se tentassem avaliar se atacá-los seria um bom negócio.

Quando passaram apressados pela entrada de um beco, uma voz disse no escuro:

– Ei, você.

Como uma idiota, Annabeth parou. Antes que se desse conta, o trio estava cercado: uma gangue de garotos estava ao redor deles. Seis ao todo – garotos brancos com roupas caras e expressão perversa.

Como os garotos da Academia Yancy; moleques ricos brincando de ser malvados. Por instinto, Annabeth começou a tirar a faca, quando Percy a impediu:

Que diabos você está fazendo, sua estúpida?, bradou ele. Acha que vai simplesmente esfaqueá-los? Isso é bronze celestial, Annabeth. Não tem efeito em mortais.

Então o que devemos fazer?, perguntou Annabeth, vendo o líder da gangue avançando em sua direção com um canivete de mola.

Deixe que Thalia lide com essa situação, disse Percy. Já nos encontramos com gangues antes. Ela sabe lidar com elas.

Annabeth olhou para Thalia tentando enviar sua mensagem pelo olhar, e a outra pareceu entender. Thalia andou para frente batendo as botas com força no chão, e o líder da gangue parou, dizendo:

– E aí, querida? – Ele deu um sorriso que provavelmente era para ser charmoso. – Estão só de passagem ou planejam ficar por aqui? Porque, sabe, esse é o nosso território.

– Ah, não se preocupe, querido. – Thalia deu um sorriso malicioso. – Eu não sonharia em ficar por aqui, ainda mais se a vizinhança prefere agir como cães.

O líder da gangue fez uma careta e deu um passo a frente, quando Thalia estendeu o braço e ergueu o dedo indicador.

– Ah, eu não continuaria se fosse você. – Ela abriu os braços para o céu. – Os deuses nos protegem. Não se aproximem!

O garoto a olhou, incrédulo, antes de rir.

– Deuses? Você é louca, garota. – Ele acenou para os outros meninos se aproximarem.

Thalia sorriu, antes de um raio enorme cair bem na frente dela, fazendo a gangue inteira saltar para trás (um deles até caiu). Thalia riu, e um monte de raios menores começou a cair, errando os gangsteres por centímetros.

– Corram! - Gritou o líder da gangue, e seus comparsas não hesitaram em obedecer.

Annabeth olhou para a gangue correndo, para o chão enegrecido pelos raios, e então para Thalia, que a olhou de volta. Tudo ficou em silêncio, antes de Percy rir:

Cara, disse ele, essa foi muito boa!

Annabeth riu com ele, e então Thalia riu, e Grover também, mais pela loucura do que acabara de acontecer do que por felicidade.

Mas como se costuma dizer, felicidade de pobre dura pouco. Não demorou muito para eles ouvirem as sirenes de polícia rapidamente se aproximando.

– Corram! – Thalia gritou para Annabeth e Grover.

Eles dispararam pela rua, vendo as luzes azuis e vermelhas no chão, sinalizando de que a viatura de polpicia estava logo atrás deles, e correram sem saber aonde estavam indo. Dobraram uma esquina numa curva bem fechada.

– Ali! – Gritou Thalia.

Somente uma loja do quarteirão parecia aberta, as vitrines brilhando em néon. O letreiro acima da porta dizia algo como LACIÁPO ADS MASCA Á’GDUS OS SCRATO.

– Palácio das Camas d'Água do Crosta? – Traduziu Grover.

Não parecia o tipo de lugar onde Annabeth entraria a não ser em uma emergência, mas sem dúvida era essa a situação.

O trio irrompeu pelas portas, correram para trás de uma cama d’água e se abaixaram. Uma fração de segundo depois, a viatura de polícia passou do lado de fora.

– Acho que os despistamos. – Ofegou Grover.

Uma voz atrás deles retumbou:

– Despistaram quem?

Os três pularam. Logo atrás, em pé, estava um cara que parecia um tiranossauro em trajes de passeio. Tinha pelo menos dois metros e tanto de altura, completamente careca. A pele era cinzenta e curtida como couro, olhos de pálpebras grossas e sorriso frio, reptiliano.

Aproximava-se lentamente, mas Annabeth teve a sensação de que poderia se mover depressa se precisasse.

Seu traje parecia saído do Cassino Lótus. Era dos gloriosos anos 70. A camisa era de seda estampada, desabotoada até a metade do peito sem pelos. As lapelas do casaco de veludo eram largas como pistas de pouso. Eram tantas correntes de prata no pescoço que nem Annabeth conseguiu contar.

– Eu sou o Crosta. – Disse com um sorriso amarelo de tanto tártaro.

Thalia abriu a boa, e Annabeth tinha certeza de que ela estava prestes a dizer "Sim, está na cara", mas Annabeth não queria que Thalia simplesmente acabasse com eles de vez:

– Desculpe a invasão. – Falou. – Estamos só, ahn, dando uma olhada.

– Você quer dizer, se escondendo da polícia. – Resmungou ele. – Eles são muito puxa-sacos, não é? Entra uma porção de gente na loja, graças a eles. Digam, querem ver uma cama d'água?

Annabeth já ia dizer "Não, obrigado" quando ele pôs uma pata enorme no ombro dela e a empurrou mais para dentro do salão da loja. Havia todos os tipos de camas d'água que se possa imaginar: diferentes tipos de madeira, lençóis de padronagem variadas; queen-size, king-size, gigantescas.

– Este é meu modelo de maior sucesso. – Crosta passou as mãos orgulhosamente sobre uma cama coberta com cetim preto, com lâmpadas de lava embutidas na cabeceira. O colchão vibrava, e a coisa ficava parecendo gelatina de petróleo.

– Massagem de um milhão mãos. – Disse Crosta. – Vão em frente, experimentem. Tirem uma soneca, mandem ver. Eu não importo. Tem pouco movimento hoje.

– Ahn. – Annabeth falou. – Não acho que...

– Massagem de um milhão de mãos! — Exclamou Grover, e mergulhou na cama. – Ah, gente! Isso é legal.

– Hummm. – Disse Crosta, coçando o seu queixo de couro. – Quase, quase.

– Quase o quê? – Annabeth perguntou.

Ele olhou para Thalia.

– Faça-me um favor e experimente aquela lá, meu bem. Pode servir.

Thalia disse:

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– Mas o que...

Ele lhe deu algumas palmadinhas tranquilizadoras no ombro e a levou para o modelo Safári Deluxe, com leões de teca entalhados na armação e um acolchoado de leopardo.

Como Thalia não quis deitar, Crosta a empurrou.

– Ei! – Protestou ela.

Crosta estalou os dedos.

Ergo!

Cordas pularam das laterais da cama e envolveram Thalia como chicotes, prendendo-a ao colchão.

Grover tentou se levantar, mas cordas pularam também de sua cama de cetim preto, e o prenderam.

– N-não é l-l-legal! – Gritou ele, a voz vibrando com a massagem de um milhão de mãos. – N-n-nada l-l-legal!

O gigante olhou para Thalia, voltou-se para Annabeth e arreganhou um sorriso.

– Quase. Droga.

Annabeth tentou se afastar, mas a mão dele se arremessou e a agarrou pela nuca.

– Opa, garota. Não se preocupe. Vamos achar uma para você em um segundo.

– Solte meus amigos.

– Ah, certamente, eu vou. Mas vou ter de ajustá-los primeiro.

– O que quer dizer?

– Todas as camas têm exatamente um metro e oitenta, sabia? Seus amigos são baixinhos demais. Tenho de ajustá-los para servir nas camas.

Annabeth e Grover continuaram se debatendo.

– Não tolero medidas imperfeitas. – Resmungou Crosta. – Ergo!

Um novo conjunto de cordas pulou dos pés e da cabeceira da cama, enrolando-se nos tornozelos e axilas de Grover e Thalia. As cordas começaram a se esticar, puxando os amigos de Annabeth pelas duas extremidades.

– Não se preocupe. – Disse Crosta para Annabeth. – É um servicinho de estiramento. Talvez uns oito centímetros a mais nas colunas deles. Podem até sobreviver. Agora, por que não achamos uma cama de que você goste, hein?

– Annabeth! – Gritou Grover.

A cabeça de Annabeth estava a mil. Sabia que não conseguiria dominar sozinha aquele gigante vendedor de camas d'água. Ele quebraria seu pescoço antes mesmo que ela pegasse a faca.

Enrole, disse Percy.

O quê?

Enrole ele, enquanto eu penso em alguma coisa, caramba!

– Seu nome de verdade não é Crosta, é? – Annabeth perguntou a primeira coisa que pensou.

– Na certidão é Procrusto.– Admitiu ele.

– O Esticador.

Annabeth lembrou-se da história: o gigante que tentara matar Teseu com excesso de hospitalidade a caminho de Atenas.

– Sim. – Disse o vendedor. – Mas quem é capaz de pronunciar Procrusto? É ruim para os negócios. Agora, "Crosta" qualquer um pode dizer.

– Tem razão. Soa muito bem. – Os olhos dele se iluminaram.

– Acha mesmo?

– Ah, sem dúvida. – Disse Annabeth. – E o acabamento dessas camas? Fabuloso!

Ele abriu um enorme sorriso, mas os dedos não afrouxaram em no pescoço de Annabeth.

– Digo isso aos meus fregueses. Sempre. Ninguém se preocupa em examinar o acabamento. Quantas lâmpadas de lava embutidas você já viu?

– Não muitas.

– Claro!

– Chase! – Gritou Thalia. – O que está fazendo?

– Não ligue para ela. – Disse Annabeth a Procrusto. – Ela é impossível.

O gigante riu.

– Todos os meus fregueses são. Nunca têm um metro e oitenta exato. Muito desatencioso. E depois se queixam do ajuste.

– O que você faz quando eles têm mais de um metro e oitenta?

– Ora, isso acontece sempre. É um ajuste simples.

Ele soltou seu pescoço, mas antes que Annabeth pudesse reagir, ele esticou o braço para trás de um balcão próximo e de lá tirou um enorme machado de bronze com lâmina dupla. Ele disse:

– É só centralizar o freguês o melhor possível e aparar o que estiver sobrando nas duas extremidades.

– Ah. – Annabeth falou, engolindo em seco. – Sensato.

– Estou tão satisfeito em cruzar com um freguês inteligente!

Já sei!, exclamou Percy, dando à Annabeth uma dor de cabeça. Faça-o deitar em uma das camas. Quando ele o fizer, diga "Ergo" e o prenda. E então... o machado.

Annabeth entendeu na hora.

Agora as cordas estavam realmente esticando os amigos de Annabeth. Thalia estava ficando pálida. Grover fazia sons gorgolejantes, como um ganso estrangulado.

– Então, Crosta... – Falou Annabeth, tentando manter a voz despreocupada. Olhou de relance para a cama Lua-de-Mel Especial, em forma de coração. – Esta aqui tem mesmo estabilizadores dinâmicos para compensar o movimento ondulatório?

– É claro. Experimente.

– Sim, talvez eu experimente. Mas funcionaria também para um cara grande como você? Sem nenhuma ondulação?

– Garantido.

– Não acredito.

– Pode acreditar.

– Mostre.

Ele sentou com vontade na cama e deu uma palmadinha no colchão.

– Nenhuma ondulação. Viu?

Annabeth estalou os dedos.

Ergo!

As cordas saltaram em volta de Crosta e o achataram no colchão.

– Ei! – Gritou ele.

– Centralizar bem – Annabeth falou, sentindo-se subitamente sanguinária.

As cordas se reajustaram ao comando dela. A cabeça inteira de Crosta ficou para fora da cabeceira. Os pés ficaram para fora na outra ponta.

– Não! – Disse ele. – Espere! Era só uma demonstração.

Annabeth pegou o machado de bronze que caíra no chão.

– Alguns ajustezinhos...

Ela não teve nenhum escrúpulo quanto ao que estava prestes a fazer. Se Crosta não fosse humano, Annabeth, de qualquer jeito, não poderia feri-lo. Se fosse um monstro, merecia ser transformado em pó por algum tempo.

– Você negocia duro. – Disse-lhe ele. – Dou-lhe trinta por cento de desconto nos modelos em exposição!

– Acho que vou começar com a parte de cima. – Annabeth ergueu o machado.

– Sem entrada! Financiamento em seis meses sem juros!

Faça, comandou Percy.

Ela desceu a espada. Crosta parou de fazer ofertas.

Annabeth cortou as cordas nas outras camas. Thalia e Grover puseram-se em pé, gemendo e se encolhendo e xingando muito Annabeth.

– Vocês parecem mais altos. – Disse ela.

– Muito engraçado, Chase. – Disse Thalia. – Da próxima vez seja mais rápida.

Annabeth dirigiu-lhe uma careta.

Não comece com isso, resmungou Percy.

Annabeth olhou para o quadro de avisos atrás do balcão de Crosta. Havia uma propaganda do Serviço de Entregas Hermes e outra do Guia Completo dos Monstros na Área de Los Angeles – "As únicas Páginas Amarelas Monstruosas de que você vai precisar!".

Embaixo daquilo, um panfleto em laranja vivo dos Estúdios de Gravação M.A.C. oferecendo comissões por almas de heróis. "Estamos sempre a procura de novos talentos!" O endereço estava logo abaixo, com um mapa.

– Vamos. – Annabeth disse aos amigos.

– Espere só um minuto. – Queixou-se Grover. – Fomos praticamente esticados até a morte!

– Então estão preparados para o Mundo Inferior – Respondeu Annabeth. – Fica apenas há uma quadra daqui.