Escola de Guardiões - Recrutamento

Capítulo 3 - Equipes


O ginásio da escola estava preparado para a cerimônia de abertura. Uma faixa com os dizeres “Sejam bem-vindos!” foi pendurada em cima do palco improvisado, onde o diretor Franklin tentava ajeitar o data show para que a foto dos professores, projetada no telão, não parecesse um retrato de bonecos sem-cabeças. Ele movimentou o equipamento de um lado ao outro até conseguir encaixar a projeção.

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— Ficou bom, diretor. – Victor Quinn disse ao se aproximar. Ele fazia o estilo quarentão boa-pinta, com calça jeans que estava na moda há algumas décadas, cabelo penteado para trás e um sorriso colgate. – Eu não entendi porque a cerimônia será aqui e não no auditório.

— Eu quero ver essas crianças se movimentando. – Respondeu o diretor, ajeitando a gravata vermelha e dando tapinhas no microfone, para verificar se tudo estava em ordens. – Geralmente dou um prazo de uma semana para as equipes se conhecerem e, só depois, irem para uma missão. Dado os eventos que ocorreram recentemente, não teremos esse tempo.

— Você se refere ao sequestro da mutante Ann?

— Eu deixarei isso por sua conta. - O diretor observou a apresentação no notebook, ficando satisfeito por tudo estar no seu devido lugar.

— Já tivemos alguma novidade?

— Conseguimos achar algo nas câmeras de segurança da cidade. Eu já lhe enviei toda a informação que consegui, o resto você terá que descobrir sozinho.

— Você será orientador de alguma equipe esse ano?

— Sim. Os tempos são difíceis. – Ele sorriu para um grupo de estudantes que adentrou no ginásio. Ao poucos, outros alunos começaram a entrar. – Vá para o seu lugar, nós iniciaremos a cerimônia em instantes.

Victor olhou para o lado e procurou um lugar confortável para sentar. Os professores estavam dispostos nas arquibancadas, sentados e silenciosos. Victor sentou-se ao lado de Hector Moore, o professor que mais parecia um cadáver ambulante. Apesar de ter desejado “bom dia” para o colega, Victor sabia que não teria resposta. Ele procurou entre os estudantes a sua filha, Deborah, que entrou na sala com seu cabelo loiro-dourado, levemente bagunçado. A menina costumava deixar a sua aparência assim, deveria estar na moda.

Os olhares dos alunos varriam o ginásio com curiosidade. Alguns eram novatos e pareciam maravilhados com o espaço, apesar de não ser diferente de um ginásio comum de qualquer escola dos Estados Unidos. O chão era demarcado com faixas brancas, indicando as áreas do basquete, handbol e demais jogos que ocorriam lá. Uma cortina azul foi colocada em cima do palco, apesar de já estar aberta e não parecer ter muita utilidade, a não ser enfeitar ainda mais o espaço. O diretor Franklin sorriu ao ver o ginásio repleto de jovens.

— Bom dia, queridos alunos da Escola de Guardiões! Para quem não sabe, eu sou o diretor Franklin e estou aqui para explicar como funcionará o ano letivo de vocês. Sei que o pessoal do Grêmio Estudantil fez uma ótima cartilha, entregue assim que vocês entraram no instituto, mas algumas dúvidas podem ter persistido. Por isso, eu estou aqui!

Lana lembrou-se da cartilha que recebeu. Ela procurou nos bolsos da calça, entretanto havia esquecido o papel no seu guarda-roupa. Aleka, que estava ao lado dela, puxou uma cartilha do bolso e se aproximou, deixando a colega reler os dados importantes que existiam ali. Oktavia e Alwaid estavam perto das duas. O rapaz continuava com o seu olhar desconfiando, fitando os professores e o diretor Franklin. Ele encarou uma vovozinha que entrou no ginásio com um pacote de Pedigree na mão, sinistramente simpática. Ela sentou-se ao lado de Victor Quinn e cumprimentou o companheiro de trabalho, que fez uma piada sobre a ração para cachorros. Os dois riram baixinho. Oktavia puxou o namorado, tomando a atenção dele, e colocou o braço dele sobre seus ombros. Os dois sorriram.

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— A Escola de Guardiões é um lugar para construir heróis! – O diretor continuou. – Vocês aprenderão com os melhores professores tudo o que precisam saber para combater os seres que tentam invadir a Terra. Eles surgem através de portais extra-dimensionais, que ligam esse mundo a outros mundos. Por isso, vocês serão os guardiões desses portais! Devem ser fortes, ágeis, inteligentes e, acima de tudo, os melhores!

Arthur, o jovem bárbaro, fechou o punho e tencionou os músculos dos bíceps. Ele sabia o que as palavras do diretor queriam dizer. O rapaz precisava ser o mais forte de todos para ser capaz de lutar pelo seu povo e sua família. A mãe precisava ser protegida. Desde pequeno, aprendeu a lutar e enfrentar homens bem mais fortes do que ele. Cresceu em uma região de brigas e derramamento de sangue. A Escola de Guardiões era o lugar certo para aprimorar seus talentos. Ele olhou para frente quando um trio muito desajeitado abriu a porta de supetão.

O primeiro era Ryan, que sorriu e acenou para todos como se fosse um grande astro do rock. Como eles chegaram atrasados, a atenção de todos foi parar neles. A entrada poderia ser menos constrangedora se o rapaz não tivesse batido a porta na parede, fazendo um barulho estrondoso. Ali se escondeu atrás de Scott, que suprimia uma raiva latente de estrangular o colega. O diretor Franklin pigarreou e continuou o discurso.

— Bem, aqui vocês serão divididos em equipes de 3 pessoas, o número ideal para serem discretos e, ainda sim, poderosos. Elas foram escolhidas com muita cautela, levando em consideração a habilidade de cada um para o perfeito equilíbrio. Tudo foi pensado para o bem de vocês! Cada equipe terá um professor como orientador, que ficará responsável em explicar a missão e cuidar para que tudo ocorra bem. Vocês poderão tirar suas dúvidas com eles, apesar de eu estar sempre disposto para o diálogo.

Ezmia olhava para os demais colegas com bastante interesse. Ela tentou imaginar quem seria seus parceiros de time e como seria interessante interagir com eles. A primeira pessoa que refletiu foi sobre Kitty, que estava inquieta durante o discurso. A feiticeira revirou os olhos quando viu o rei do rock entrar com tanto glamour. Ela abraçou o seu livro (que não largava para nada) e prestou atenção no discurso. Ezmia passou a procurar outras pessoas. Uma garota, com um ferimento na altura do calcanhar, fitava furiosamente a professora Clementine. Outra parecia brincar com o seu isqueiro e controlar as chamas, apenas com a força do pensamento, o que era incrível. Ezmia, a manipuladora ruiva, parou de divagar quando viu o diretor Franklin passando o slide.

— Colocarei aqui no slide a foto de cada membro da equipe para vocês se organizarem em trios assim que eu anuncia-la. Quero que vocês se conheçam ia primeira missão. Infelizmente, não encontrei as fotos de todos os alunos no meu arquivo, por isso tomei a liberdade de pegar algumas delas nas redes sociais. Espero que não tenham problema com isso. – Alguns adolescentes riram da piada, mas a maioria ficou apreensiva. – Antes, deixem-me falar um pouco da escola.

O diretor se divertiu da situação. Ele conseguia manter o tom manso durante toda a cerimônia, dando um ar de solenidade nas ocasiões especiais. Ele mostrou algumas fotos das salas de aula, laboratórios, pátio e demais espaços da Escola de Guardiões. Ressaltou como tudo ali era organizado e como possuía a melhor infraestrutura para os alunos estudarem e praticarem o combate. Franklin apresentou nos slides a área para duelo de esgrimas, salas de meditação para os curandeiros e demais interessados, pátio para tiro-ao-alvo e outros ambientes não muito convencionais. Fez uma pequena pausa e sorriu para a plateia.

— Estão curiosos para conhecer seus parceiros? Então vamos lá... – O diretor Franklin passou o slide. No telão apareceram três fotos: um cara musculoso tirando uma selfie na academia (meninas suspiram), uma garota oriental cortando malignamente um vestido de Branca de Neve, e uma menina ruiva segurando um pacote de Toddy como se fizesse propaganda da marca. – A primeira equipe é o Grifo Violeta. Ela é composta pelo bárbaro Arthur Bone, que será a força bruta do grupo; pela curandeira Lana Mizuki, a de coração puro, que defenderá os amigos; e pela manipuladora Ezmia Mauntravani. O orientador de vocês serei eu mesmo.

Arthur engoliu a raiva por sua foto na academia ter sido exposta e encarou Franklin. Ter o diretor como orientador da equipe do bárbaro significava uma chance maior de encontrar a mãe. Arthur sabia que os orientadores criam uma relação mais próxima com a equipe, já que o instinto de sobrevivência estimula isso. Além do mais, agora o bárbaro poderá bater na porta do diretor a hora que quiser e ameaça-lo quantas vezes forem precisas para saber mais sobre a mãe (os orientadores ficam disponíveis 24 horas por dia para suas equipes). Arthur não deixará essa chance passar em branco. Os seus pensamentos foram cortados com o grito de pavor de uma menina.

Lana chorou, berrou, se escabelou por ter que se afastar de Aleka e companhia. Ela tinha formado um laço muito forte com as suas companheiras de quarto e não queria se afastar delas. A oriental puxou a mão de Aleka e começou a se afastar como se dois guardas estivessem carregando-a para o outro lado do ginásio.

— Ela está passando bem? - Alwaid perguntou.

— Isso é só drama. – Aleka avisou rapidamente. – Você vai sobreviver, Lana! Confie no seu coração!

— Não... – Lana enxugou as lágrimas e desistiu de lutar contra os guardas imaginários, andando até onde Arthur estava. Ela olhou uma última vez para trás e fitou suas companheiras dramaticamente, que estavam a 5 passos de distância.

Ezmia não gostou da cena. Ela despediu-se de Kitty, que moveu os lábios numa tentativa de sorriso. A ruiva se conformou, sabendo que aquilo era o máximo que a feiticeira seria capaz de expressar, dado a sua antipatia por natureza. Ezmia caminhou até seus novos amigos, analisando-os bem: Arthur fazia o tipo caladão bombado, capaz de destruir um ônibus se ele achasse necessário; já Lana era o extremo oposto, chorona e necessitada de companhia. De fato, a manipuladora entraria como uma componente-chave para balancear o time: era nem um extremo nem outro. Ela chegou até os dois e eles se cumprimentaram.

— Como diria Milton Nascimento, a hora do encontro é também da despedida. – Franklin tentou fazer a piada, mas ninguém riu. Ele ajeitou a gravata. – Bem, vamos para a segunda equipe. – O slide passou para outras três figuras: uma garota com a franja jogada para a esquerda, olhos escarlates, abraçando um rapaz com metade do corpo retirada da fotografia; um rapaz de cabelos pretos e olhar sério, abraçando a namorada que foi ridiculamente cortada da foto; e uma adolescente muito doida em uma festa. – A segunda equipe é o Dragão Negro, composta pelo casal de mutantes Alwaid Draconis e Oktavia Kadnikov, porque é impossível separar os dois; e pela curandeira Aleka Savalas, que deverá protegê-los e lembrar para não namorarem durante uma batalha. A orientadora de vocês é Clementine White.

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O trio já estava próximo, nem precisaram sair do canto. Aleka sentiu-se mal por Lana não poder ficar com eles, mas não haveria como uma equipe possuir 4 pessoas. Ela olhou para a professora velhinha, que sorriu para o trio como uma vovozinha sinistra, oferecendo ração de cachorro em vez de biscoitinhos gostosos. A curandeira fez uma careta e esperou o restante dos anúncios.

— A próxima equipe é Ryüjin Azul, seja lá que animal isso represente. – No telão apareceu um cara na praia, correndo atrás de uma bola e com um sorriso brincalhão no rosto; uma foto 3x4 de uma garota de cabelos negros e lisos, seríssima; e a imagem de uma ruiva lendo um livro, bastante concentrada. – A equipe é composta pelo guerreiro Ryan, responsável por combater os inimigos na linha de frente; a mutante e feiticeira Kitty Hudson, que usará suas habilidades para manter a segurança do grupo; e pela manipuladora Galina Strosvisck, que deve utilizar sua astúcia para sair das situações mais difíceis. O orientador de vocês é Hector Moore.

Ryan bateu palmas quando viu a sua foto no telão, como por instinto. Entretanto, ninguém mais no salão fez o mesmo e ele também parou de aplaudir, mas por outro motivo. Ele piscou os olhos várias vezes para ter certeza daquilo: Scott e Ali não eram da sua equipe. O garoto sentiu uma sensação estranha atingir o seu estômago. Em seguida, voltou-se para o companheiro de longas de datas e deu um abraço forte em Scott.

— Valeu por tudo, brother. – Ryan sussurrou no seu ouvido.

— Cara, você não vai morrer. – O mutante respondeu, incrédulo. – Nem vai se mudar. A gente vai poder continuar a se ver todos os dias. A não ser, é claro, que vá para uma missão no mundo dos super saiyajins. Aí você terá que me chamar.

— Se eu for para lá, vou aprender a dar um kamehameha mais forte que o seu. – Ryan fez a piada e recebeu uns cascudos na cabeça.

Ele se desvencilhou do companheiro e foi até Ali, que parecia segurar uma vontade enorme de chorar. O próprio guerreiro também tinha esse sentimento, mas lutava no fundo do seu coração para que isso não ocorresse. A curandeira estendeu a mão.

— Vem cá, Ali! – Ele abraçou a garota. – A gente ainda vai treinar muito, viu?

— Com certeza. Agora vai lá e detone!

— Eu vou chutar algumas bundas, pode apostar. – O guerreiro acenou para os colegas e foi na direção de uma feiticeira raivosa.

Kitty fez uma careta quando viu Ryan se aproximando. Ezmia, a única garota com quem ela tinha se dado bem na escola, estava em outro time e agora Kitty teria que aturar aquele garoto amostrado? Ela pensou em puxar a sua varinha e transformar as orelhas dele em orelhas de burro. Melhor, poderia fazer um feitiço para deixá-lo mudo, quem sabe ele não falaria besteira nas próximas duas horas. Estava tão concentrada em imaginar feitiços que poderiam ser lançados contra Ryan que nem reparou em Galina:

— Nós tivemos sorte.

— Por quê? – Kitty realmente queria saber essa resposta.

— Nosso orientador não é a doida das rações. – Galina apontou para a professora Clementine. Depois moveu o dedo até Hector Moore. – Só é um sinistrão de 40 anos.

— Eu preferia a vovozinha. – Kitty respondeu.

— E aí, galerinha do bem? – Ryan se escorou nos ombros das duas. – Prontas para serem salvas pelo guerreiro Ryan?

Kitty puxou a varinha e encarou o rapaz.

— Opa, eu já sei que você é a Hermione do grupo. Nem precisa ficar se exibindo.

— Faça mais uma piada sem-graça e te transformo em porco.

— Oinc, oinc. – Ryan imitou o barulho de um porco e Galina caiu na gargalhada. Kitty se segurou ao máximo para não transformá-lo realmente em um porco, empurrando o braço do garoto de seus ombros. O guerreiro esticou o indicador para o palco. – Olha, o diretor vai apresentar outra equipe!

— Muito bem! – Franklin passou o slide e mostrou outras fotos: um garoto sentado no chão enquanto meditava; uma menina de cabelo cor-de-mel segurando um arco-e-flecha; e uma adolescente muito contente tentando abraçar o pôster em tamanho real de Aang, o avatar. - A próxima equipe é o Lobo Roxo, composta pelo mutante Scott Blake, a curandeira Ali Hastings e a mutante Deborah Quinn. Vocês deverão conciliar suas habilidades para formar uma equipe potente e equilibrada, já que possuem poderes bem peculiares. O orientador de vocês é Victor Quinn.

Ali e Scott bateram as mãos, como se tivessem ganhado uma aposta. Eles viram Deborah se aproximar, com sua calça jeans e camiseta amarela. Ela guardou o isqueiro no bolso e sorriu para eles, parecendo satisfeita com a nova equipe.

— A gente pegou o melhor orientador. – Ela falou, sorrindo.

— O sobrenome dele também é Quinn. – Ali reparou. – Vocês são parentes?

— Ele é meu pai. – Deborah procurou o professor na arquibancada e ele estava em pé, fazendo sinal de legal com as mãos e gritando “Boa sorte, filha”, como se ela estivesse prestes a iniciar uma corrida. A adolescente ficou vermelha. – Er... Algumas vezes ele é exagerado demais.

— Isso deve ser a maior barra, não? – Scott comentou repentinamente. Tanto Deborah quanto Ali olharam para ele. – Ter um pai professor. Ele não exige muito de você?

— Ele nunca falou isso, mas dá para sentir a empolgação dele quando o assunto é a sua filha. Como podem ver, papai não tem vergonha de mostrar o seu entusiasmo em público. Eu tento dizer para mim mesma que esse tipo de pressão não existe, mas ela sempre está lá. Algumas vezes é meio complicado.

Ali segurou na mão da amiga, fazendo a loira encará-la.

— Olha, nós somos uma equipe agora. A partir de hoje pegue toda a pressão e divida por três, porque o sucesso ou o fracasso não dependerá só de você, mas sim de todos nós. Nada de carregar peso demais nas costas, okay? – Ali olhou de relance para Ryan, como se certificando que ele também estava bem, e viu uma morena batendo na cabeça do guerreiro com uma varinha mágica. Ali segurou o riso e encarou seus dois companheiros de equipe. – Equipe Lobo Roxo, hein?

— Eu odiei o nome. – Scott admitiu. – Mas vamos nessa!

Os três se abraçaram e sorriram. Deborah sentiu um alívio ao escutar as palavras de Ali e, por um momento, se esqueceu que o pai estava na arquibancada observando-a com tanta expectativa. Se ela estivesse olhando para Victor, o veria enxugando as lágrimas de emoção.

O diretor Franklin continuou com a cerimônia. Ele mostrou outras fotos constrangedoras dos alunos e, ao fim de meia-hora, todas as equipes já estavam formadas no pátio, agora dividido em vários grupos de três pessoas. Os jovens conversavam e compartilhavam experiência, dificultando a palestra do ilustre diretor. Ele precisou chamar atenção três vezes para falar sobre o sistema de avaliação da escola. Mas foi nesse momento que as coisas começaram a sair do eixo.

Um chiado agudo atingiu os tímpanos de todas as pessoas no ginásio. Os alunos colocaram as mãos nos ouvidos, tentando abafar o barulho. A imagem do telão começou a falhar, como se alguém estivesse mexendo na antena de uma televisão e tentasse sintonizar a um novo canal. A tela se transformou em um borrão de riscos preto e branco. O diretor mexeu várias vezes no cabo do notebook, mas nada mudou. Ele olhou rapidamente para Victor Quinn, suplicando ajuda, quando a projeção ganhou foco novamente. Dessa vez, entretanto, não era a apresentação de Franklin que estava na tela.

Um homem de rosto quadrado, cicatrizes e barba rala encarou a multidão. Ele parecia confuso, tentando encontrar o foco da câmera para se orientar melhor. Alwaid apertou a mão de Oktavia, o coração pulsando como uma batedeira de máxima potência. O homem no telão finalmente conseguiu focar a imagem. Ele tinha o cabelo branco, raspado como um general, e uma coroa na cabeça. Era o rei Mael.

— Isso está funcionando mesmo? – O homem perguntou para alguém que estava ao seu lado. Houve um sussurro antes do rei fazer seu pronunciamento. – Ótimo. Você está aí, Alwaid? Eu aposto que sim. Pois eu consigo sentir as suas pernas tremendo e a respiração fraca como uma galinha pronta para o abate. Eu já sei onde você está se escondendo, não tem mais como ficar correndo de mim. Eu fiz novos amiguinhos, sabia? E você não tem ninguém a não ser esses idiotas da Escola de Guardiões. Que nome ridículo. Você é o quê? Uma criança? Eu achava que você seria mais esperto e se esconderia em um quartel general, ou numa fortaleza... Mas se esconder em uma escola? Saiba que em breve eu irei destruir esse lugar e tudo o que estiver dentro dele. Sei que as coisas no mundo terráqueo ficarão um pouco bagunçadas, mas e daí? É isso que a minha aliada quer. Ela terá esse mundo para governar depois. Não é mesmo, querida? – Um sussurro feminino confirma. – Eu não me importo com isso, só quero mesmo você. E Acrux, o meu melhor guerreiro, está a um passo de te pegar. Você e a sua namoradinha, aquela bruxinha ridícula e chorona. Eu deveria apostar para saber quem é mais inútil: você ou a covarde que abandonou os pais para a morte...

Nesse momento Alwaid perdeu o controle de si. Ninguém podia mexer com a sua amada, principalmente ameaça-la de uma forma tão covarde. O mutante sentiu o sangue ferver nas suas veias, os olhos fixaram em uma pessoa: Franklin. A primeira coisa que Alwaid escutou ao chegar na escola era que ele estava protegido. Foi o próprio Franklin que assegurou o conforto dos dois ali. O diretor havia mentido!

O corpo de Alwaid começou a se transformar. Um chifre curvo surgiu de sua testa, os cabelos cresceram e se arrepiaram, a pele ficou totalmente branca. Ele encarou o palestrante com ódio e rancor. Oktavia estava ao seu lado, tentou acalmar o seu namorado, que agora não era mais atendido pelo nome de Alwaid, mas sim Rastaban.

— Querido, tente manter a calma. Ele ainda não está aqui, certo? – A voz da mutante falhou. Até ela estava apavorada. As outras pessoas começaram a se afastar do casal, já que um par de asas de morcego surgia das costas de Alwaid. – O rei Mael está no outro mundo. O que você vai fazer? Hein, Rastaban? Traga Alwaid de volta agora mesmo.

- Eu vou fazer o que é certo. – Alwaid encarou a amada. Os olhos dele estavam totalmente negros. – Se uma pessoa mente, ela deve ser punida.

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A tensão surgiu entre os alunos. O rei Mael continuava a fazer ameaças, dizendo o quanto poderia tortura-los e que tinha ótimos amigos para invadir a escola. Cada palavra do rei passava pelo ouvido de Alwaid e saia pelo outro lado. Ele afastou Oktavia, porque o próximo movimento seria violento. O mutante colocou os pés no chão e focou no diretor Franklin. Um pingo de suor desceu da testa do diretor, que percebeu a ameaça. Ele engoliu em seco, afrouxando a gravata.

— Ele nos prometeu proteção. – Sussurrou Alwaid/Rabastan para si mesmo. – E não cumpriu a promessa.

As mãos do garoto foram para o chão e ele disparou na direção do palco. Os alunos corriam de um lado ao outro, tentando não ser atacado pelo monstro que agora avançava no ginásio. Ali apontou uma flecha para o caso de precisar se defender, mas o mutante corria rápido demais e não estava indo em sua direção. Alwaid movia-se como um lobo enfurecido, cego de qualquer pensamento amistoso. Ele saltou em direção ao palco, mas uma mão puxou o calcanhar do mutante, arremessando-o de volta ao piso.

Alwaid, na forma de Rabastan, rolou no chão. Ele girou o corpo em seguida, ficando de pé, e encarou aquele que ousou impedir o seu movimento. Era um bárbaro, de cicatrizes no corpo. Arthur esmurrou o próprio punho e estralou o pescoço. Aquilo tinha sido só o aquecimento. Sabia muito bem as intenções do mutante e ninguém podia ameaçar o diretor a não ser o próprio Arthur.

— O que você tem na cabeça? – O bárbaro perguntou, indignado. – Vai chorar assim só por que um idiota ameaçou a sua namorada? Está na hora de crescer!

O mutante não respondeu nada. Voou na direção do bárbaro e enterrou os pés no peito do rapaz. Ele cambaleou para trás, defendendo o próximo golpe de Alwaid: um soco na direção da face. A sucessão de golpes foi rápida, vários murros que Arthur defendia com velocidade. Ele tentou contra-atacar, mas o mutante se esquivou e acertou o ombro do bárbaro; Alwaid deu uma volta completa e atingiu a sua cauda negra nas dobras do joelho de Arthur. O garoto caiu no chão, surpreso. Ele não se lembrava de ter visto uma cauda no menino-demônio. Alwaid saltou em cima de Arthur e imobilizou o rapaz, parando um murro a centímetros do rosto dele.

— O que é? Vai bater em todo mundo agora? – Arthur falou irônico. – Eu já enfrentei oponentes bem piores que você.

— E daí? Eu tenho nojo desse lugar e de todos daqui! O diretor me trouxe direto para uma armadilha! Isso nunca tinha acontecido antes. Eu sempre estive um passo a frente do rei Mael, até confiar naquele canalha! – Alwaid berrou.

— E você acha que matar o diretor vai servir de alguma coisa? Olha aqui, eu também não sou fã daquele cara e por mim eu mesmo o quebraria todo. Mas temos que pensar um pouco. Se esse tal rei do mal sabe onde você está, por que não veio até aqui? Pode não parecer, mas aqui nós somos seguros. Você precisa aprender a como conseguir as coisas.

— Você não sabe de nada.

— Então acabe com o diretor e deixe a sua namoradinha morrer.

Os olhos negros de Alwaid ficaram ainda mais intensos. Ele preparou o soco e, de repente, uma barreira mágica surgiu entre ele e o bárbaro. Arthur foi empurrado para fora do círculo de luz azulada, criado por Aleka. Alwaid se levantou do chão, reparando que estava dentro de uma espécie de barreira circular, de três metros de altura. Oktavia estava ao lado dele, assim como Aleka, que parecia insegura em permitir um mutante de asas de morcego e um chifre só (que mau gosto!) ficar dentro de sua barreira de proteção. Ele poderia partir a garota ao meio em dois segundos.

— Está tudo bem. – Oktavia sussurrou para a colega. O círculo não tinha mais de dois metros de raio, não precisavam falar alto para se comunicarem. – Obrigada, Aleka.

— Não é por nada não, mas está tudo mundo olhando para gente. – A curandeira comentou, reparando que alguns alunos apontavam armas para o trio de encrenqueiros. O clima estava tenso no ginásio. – Acho que nós seremos expulsos.

— Alwaid, meu amor, me escute. Você não precisa mais se revoltar, a projeção do rei Mael já nem está ali. Agora volte a ser como era antes, não quero conversar com Rabastan.

O mutante encarou a amada. Ele sentiu o toque da garota em seu rosto. Uma careta de raiva e mágoa se formou, enquanto ele encarava as pessoas assustadas ao redor. Alwaid viu Arthur parado diante do círculo de proteção, pronto para dar mais um soco se fosse necessário.

Aos poucos, a pele de Alwaid voltou ao seu tom normal. O chifre se encolheu até entrar totalmente em sua testa. As asas de morcego se contorceram e alojaram-se dentro de sua coluna vertebral, deixando apenas um rasgão na blusa vermelha. A cauda não fazia mais parte seu corpo, ele estava de volta, com os olhos vermelhos.

— Não vamos ficar aqui, Oktavia. – O mutante disse. – Não é mais seguro.

— Eu sei... – A garota sorriu e abraçou o namorado. – Agora você precisa se acalmar. Se o rei Mael sabe onde estamos, é questão de tempo até ele aparecer aqui.

Franklin bateu algumas vezes no microfone, o que fez com que todos parassem de prestar atenção do trio dentro da barreira mágica e voltassem a encarar o palco. O homem de paletó enxugou o suor da testa e sorriu, como se tudo estivesse na mais completa ordem.

— Muito bem, pessoal! Acho que por hoje nós encerramos por aqui. O restante das informações sobre o ano letivo vocês poderão obter no site do instituto. Quero que cada um volte para seus quartos e vistam suas melhores roupas, pois deverão visitar os orientadores imediatamente para conhecerem vossas missões! – Os alunos pareceram atordoados, sem saber se já tinha terminado ou não a cerimônia. – O que estão esperando? Vão logo! Antes das 11 horas quero todo mundo trabalhando para salvar o planeta. Agora, vão!

As pessoas começaram a se dispersar do ginásio. Muitos comentavam a cena que tinha acabado de ocorrer, apontando sem menor timidez para Alwaid e companhia. Os professores desceram da arquibancada e se dirigiram aos seus aposentos. O diretor Franklin caminhou até o trio, que ainda estava dentro da barreira criada por Aleka.

— Eu deveria conversar com vocês pessoalmente depois do que fizeram, na minha sala, mas tenho certeza que a professora Clementine fará melhor do que isso. – O direto sorriu do outro lado da barreira. – Agora se apressem! Vocês também terão uma missão para cumprir ainda hoje. Ah, e claro, seguida de uma punição. – Ele deu meia-volta para sair do ginásio, mas parou quando se lembrou de algo. – E devo avisar que é muito feio falar com o diretor atrás de uma barreira mágica. Entenderam?

Aleka engoliu em seco. Ela não sabia se deveria desfazer ou não o seu encantamento, mas achou melhor só desfazê-lo quando o ginásio estivesse vazio. O diretor Franklin foi o último sair do recinto, deixando a equipe só. Aleka se concentrou e a barreira desapareceu.

— Bom... – A garota começou a mexer no cabelo. – Nos vemos daqui a pouco?

Alwaid e Oktavia se entreolharam, silenciosos.

— Aleka, muito obrigada por nós ajudar. – A mutante de cabelos brancos parecia mais pálida do que o normal. – Nós... Nos vemos por aí.

Eles saíram de mãos dadas, deixando Aleka para trás. A curandeira bateu o pé no ginásio, nitidamente ofendida.

— Aí eu vou ser expulsa por causa deles e a única coisa que recebo é “muito obrigada” e “nos vemos por aí”?! – Ela falou sozinha. – Ei, me esperem, vocês não podem me ignorar!

Ela saiu correndo atrás dos dois, pressentindo que a vida nunca mais seria a mesma dali em diante.