Equidistante

Café e o seu efeito colateral


(As batatas fritas)

“Alec, ninguém liga para a sua roupa repetida.” Isabelle Lightwood murmurou, revirando os olhos bem maquiados, enquanto beliscava as batatinhas fritas do prato de seu irmão mais velho.

“Ou para o fato de você não ter dormido por três noites seguidas.” Jace Herondale complementou. “Ah não, pera. Com isso nos importamos, é por isso que estamos aqui.”

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Alec revirou os olhos, uma cópia quase idêntica dos de sua irmã, azuis e precisos, prontos para uma batalha silenciosa a qualquer hora.

“Jace, é por isso que eu não te chamo para almoçar comigo.” Ele falou, tentando ignorar a mão da irmã em seu prato. Ele estava ansioso pelas batatas fritas daquele restaurante desde que seu colega de trabalho tinha as descrito minuciosamente, como crocantes e salgadas na medida certa, com um molho secreto que deixava qualquer outro a desejar.

“Por que eu distraio as garçonetes e elas sempre erram o nosso prato?” Jace perguntou, com uma piscadela.

“Não, porque você não consegue levar nada a sério.” , Isabelle respondeu por Alec, que apenas continuou com a sua expressão de desconforto, encarando as suas preciosas batatas sendo levadas lentamente. Ele tinha avisado a Isabelle, tinha falado para ela pedir a própria porção, mas ela tinha insistido que estava de dieta e que não ia comer nenhuma se quer.

Jace começou a retrucar, mas Alec já estava distante. Não queria falar sobre seu comportamento, ainda mais com Isabelle e Jace. Eles não entenderiam o que estava acontecendo, nem ele mesmo sabia. Cada minuto que passava, mais ele se convencia de que falar para Izzy de suas noites mal dormidas tinha sido um grande erro. Ele sabia exatamente o que ela diria. O convenceria a finalmente usufruir da academia que a empresa oferecia, implicaria que ele não conseguia dormir porque pensava demais e que, se fizesse exercício e estivesse completamente exausto, seria fácil.

E Jace apenas riria da cara dele e diria para ele tomar algum remédio. Talvez falasse para ele arranjar um encontro romântico, mas não antes de fazer alguma piada ingrata sobre como sua insônia estava atrapalhando as noites de jogos da família, nas quais eles eram dupla na mímica.

“Eu acho que é o café.” Alec disse, para ninguém, finalmente puxando o prato de batatas pra si. “É só eu parar de ir naquela padaria todo dia depois de sair do trabalho.”

“Quê?” Isabelle perguntou, finalmente voltando a sua atenção para o outro irmão.

“Ele só está tentando evitar o assunto.” Jace esclareceu. Alec odiava o quanto seu irmão o conhecia, era quase como se eles fossem a mesma pessoa e compartilhavam pensamentos. “Alec, você já sabe o que tem que fazer. Arranja alguém para te cansar, se você me entende.”

“Eu tenho certeza que é o café.” Alec ignorou e acenou chamou o garçom para pedir a conta. Ele queria ir embora o mais rápido possível. Voltar para a empresa, comer o resto das malditas batatas-fritas, terminar o seu turno e ir para casa, onde poderia sentir pena de si mesmo sozinho. Ele viu a troca de olhar de Jace e Isabelle e percebeu que era possível se sentir ainda pior. A última coisa que queria era preocupa-los. Ele estava bem.

Era o café.

(Os sapatos Derby)

“Não posso mudar de turno!” Magnus Bane exclamou, inconformado. “Eu sou a melhor coisa dessa padaria, você não pode simplesmente ignorar isso, as pessoas da manhã só vem aqui para comerem minhas iguarias.”

“Bane, não é decisão minha. Só vem amanha às 15h, fazendo favor?” Henry Pavarell falou, cansado. “E pela última vez, não chame baguetes de iguarias para os clientes.”

Magnus bufou, descontente. Quando iriam aprecia-lo pelo que era? Um cozinheiro? Um artista?

“Calma cara, eu tenho certeza que ainda vai ter gente que vai querer comer baguete de tarde.” Simon Lewis se aproximou, apreensivo pela postura do colega de trabalho.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

“Eu não faço só baguetes, Simon, faço croissants. Bolos, pães franceses, Carolinas, broas, sonhos…”

“Tá bom, entendi, não precisa exagerar, não acho que você realmente realize os sonhos das-”

Mas Magnus já tinha se afastado. Sua paciência com Simon tinha um limite que estava prestes a chegar. Era óbvio que sua insatisfação não era por falta de clientes, mas sim pela falta de seus clientes. Pessoas fieis que iam vê-lo todo dia, que o cumprimentavam e elogiavam sua comida, que falavam dela para os amigos, eventualmente alguém que poderia reconhecer seu talento imensurável e tira-lo dali.

Depois de pegar um café enquanto caminhava para casa, ele digitou com destreza números familiares e demorou alguns segundos para que ouvisse a voz de sua amiga mais próxima:

“É bom isso ser uma emergência.” Catarina Loss avisou. Magnus sabia que ela estava sempre ocupada, era uma enfermeira em um dos hospitais mais populares da cidade. Mas o que eram alguns doentes comparados a desgraça de ter que abandonar o conforto de seu turno e fidelidade de seus clientes, a sua única chance de ter sair dali?

“Minha carreira acabou.” Ele disse, tomando cuidado para não pisar com seus sapatos novos em um das poças da calçada suja de Nova York.

“Você não trabalha numa padaria?” Catarina parecia estar no meio de alguma coisa, a ligação estava cortando e ele conseguia ouvir vozes altas de plano de fundo.

“Um pouco de crédito seria bom? Eu sou um cozinheiro. Um-”

“Artista, claro.” Ela completou. “Olha Magnus, meu estômago sabe o quanto você é bom e aposto que metade de Nova York também. E pelo menos um terço dessas pessoas já te ofereceram um emprego, você que nunca aceitou.”

Magnus virou uma esquina e respirou fundo. Quando ela entenderia?

“Me chame de romântico, mas ninguém ofereceu nada que me encantasse. Ficar na padaria ainda é a melhor porta de entrada para eu abrir o meu próprio negócio e você sabe. Só preciso de um investidor.” Ele sentia que estava repetindo isso há anos, que o desenrolar de seu plano estava se tornando cada vez menos um desenrolar e mais um verdadeiro nó.

“Claro.” Ela só dissera aquilo para ele parar de reclamar, ele sabia. Catarina parecia distante agora, conversando com um paciente. ”Escuta, preciso ir. Mas eu tenho certeza que o quer que tenha acontecido não destruiu a sua carreira. Vamos pedir uma pizza no fim-de-semana, ok?”

Ela desligou bem quando ele tinha chegado na porta de seu loft. Normalmente, tinha uma destreza notável para pegar suas chaves enquanto equilibrava um copo na maçaneta, mas não hoje. Hoje tudo estava dando errado. O copo pareceu virar em câmera lenta só por crueldade do destino. Logo, sua calça de veludo cotelê estava molhada, enquanto ele sentia o calor penetrando na sua pele. Os sapatos não, ele pensou, superando a perda da calça rapidamente ao pensar no quanto tinha gastado no seu Derby de couro.

Magnus respirou fundo, se segurando para não ter um ataque nervoso ao sentir suas meias molhadas. Ia ficar tudo bem. Ele estava bem. Não estava realmente irritado com a mudança de turno.

Foi o café.