No dia seguinte após o encontro com Hermione, Rony chegou cedo para trabalhar. Deixou o carro a três quadras de distância do estúdio, num estacionamento público, e pegou a bicicleta afixada na traseira do veículo para percorrer o restante do caminho.

Era tão bom pedalar, porque tudo tinha de ser distante demais? Reclamou em pensamento.

Chegando ao estúdio, cumprimentou o pessoal da recepção e foi para o salão. Ninguém estava ali. E não era somente isso, faltavam alguns equipamentos de iluminação. Escutou conversação no andar superior, na área de revelações e armazenamento dos negativos, e subiu as escadas para saber o que todo mundo fazia.

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Oliver, Tamara e Cho retiravam objetos dos arquivos e gavetas e encaixotavam tudo em caixas de papelão.

— Oie... — disse para prestarem atenção nele.

— Rony, chegou no tempo exato! — Oliver exclamou, limpando o suor da testa. Caminhou até ele com uma fita adesiva na mão e depositou em sua mão — Isso é serviço para estagiários. Tamara, vou lá conferir os livros-caixa.

— Ok. Desço logo para te ajudar. — a fotógrafa acenou para seu sócio, que partiu rapidamente dali.

— O que tá havendo aqui? — perguntou o ruivo sem entender nada, ainda segurando a fita.

— Rony, tentei te ligar ontem e não consegui. Desculpe, querido, foi tudo repentino. — justificou-se Tamara despejando uma papelada de contratos velhos dentro da caixa.

— Eu saí e depois o celular descarregou... Nem percebi.

— Ah, tudo bem! Para de se explicar pra mim. — a negra deu de ombros.

— Tava lendo mangá, é? — debochou Cho, guardando cuidadosamente várias lentes objetivas num suporte de plástico apropriado.

— Não... eu... — ele ficou confuso sobre o que responder perto da ex-namorada.

— Pare de deixar o Rony sem fala, garota. — riu Tamara de bom humor.

— Existe alguma possibilidade de alguém me dizer o que está havendo aqui? Cadê os refletores e os protetores lá do salão?

— O caminhão já levou. — Cho respondeu.

— Caminhão? Levou?

Sua chefa parou um pouco com as tarefas e sentou na cadeira que sobrevivia a bagunça do encaixotamento. Tomou algum fôlego e o informou:

— O estúdio foi vendido. Entregamos a chave para o novo proprietário em dois dias. Gás total para deixar tudo limpinho quando depois de amanhã chegar.

— Eu não estou entendendo nada. Porque você iria vender o estúdio?

— Oliver vai desfazer nossa sociedade: proposta de emprego tentadora na América. E quanto a mim... Bem, também vou precisar me ausentar de Londres por tempo indefinido.

— Isso não pode ser verdade. — a cabeça de Rony girou, de repente ele sentiu estar perdendo o chão.

— Porque você tá pálido? — Cho mirou-o, preocupada.

— Tamara! Isso foi porque desmanchamos? E como vai ser para mim... para nós? Eu e Cho?

— Fica calmo, meninão. Eu não dou ponto sem nó, e jamais deixaria meus braços direitos desabrigados na rua da amargura. Encaminhei vocês para um amigão meu que tem um bom estúdio há alguns minutos daqui. O lugar é um pouco modesto, mas o trabalho garantido. O crescimento profissional também para quem estiver interessado.

Rony continuava sem palavras.

— Ei, veja pelo lado bom, fica mais perto da minha casa, Rony. — Cho brincou com ele, que continuava distante — Tudo isso é saudade da Tamara, é? Você tá com a maior cara de enterro, garoto!

— Pode ser que ele esteja fingindo para não te ajudar. — rebateu a fotógrafa bem-humorada. Levantou-se num impulso ágil e ordenou-o ao passar por ele — Vou ajudar Oliver com os acertos da contabilidade, e como você ainda é meu estagiário hoje, que tal ajudar a Cho?

***

Rony nem escutou a mãe saudá-lo quando chegou em casa no fim da tarde. Atordoado, trancou-se no seu quarto e jogou-se na cama. Não conseguia entender a virada súbita nas suas expectativas profissionais para aquele dia que passara.

Porque Tamara quer ir embora? Para onde vai? Porque não me contou antes? Ela está muito triste ou magoada pelo nosso término? Conseguirei dar conta do meu novo emprego? Tanta questões que povoavam a cabeça do rapaz, que não demorou para uma dor de cabeça assombrá-lo. Irritado, frustrado, mas, acima de tudo, inseguro, ele percebeu que não conseguiria dormir se não tivesse suas respostas, reais respostas, da boca de Tamara.

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Passou pela mãe outra vez, distraído demais para ouvi-la perguntar se ele gostaria de jantar, e pegou sua bike na garagem. Escolheu pedalar, mesmo que o caminho fosse exaustivo, para o apartamento da ex-namorada.

Chegou no prédio com as pernas moídas e subiu direto para o apartamento dela, batendo na porta afoitamente.

— JÁ VAI! — ela respondeu de algum cômodo de dentro e surgiu segundos depois, segurando uma taça de vinho na mão. Parecia “alta” e alegre.

— Ron, o que você tá fazendo aqui?

— Quero a verdade. — ele pediu, cheio de coragem — Porque vendeu o estúdio? Mesmo com Oliver fora você tem condições de tocar o negócio, ainda mais com a minha ajuda e a de Cho!

Uma sombra surgiu atrás dela, vindo da sala, e espiou para fora. Rony assustou-se ao ver que era um homem. Um homem loiro, de olhos azuis brilhantes, e uma idade semelhante à de Tamara.

— É a pizza? — ele perguntou.

Tamara pareceu nervosa com a interação visual entre eles.

— Não. — interpelou — Nathan, este é meu funcionário. Tenho alguns assuntos do trabalho para acertar com ele e já volto.

Rony revidou o cumprimento de cabeça que o homem lhe fez, enquanto Tamara se exprimia para o corredor e fechava a porta num estrondo.

— Suas perguntas estão respondidas? — disse levemente irritada quando ficaram a sós do lado de fora.

— Quem é ele? — o jovem estava atônito — Ele parece comigo um pouco.

— Parece nada! — ela exclamou como se aquilo fosse um absurdo.

— Eu não ligo se você está com ele. É o que? Seu namorado novo? Eu posso viver com isso e o trabalho, se é esse o motivo...

A mulher agarrou-o e disse:

— Nathan se chama “eu querendo reparar escolhas erradas do passado”; ele se chama “eu querendo viver outras aventuras que não sejam profissionais”. Por favor, não se intrometa.

Magoado pela rispidez dela, Rony soltou-se e recuou defensivamente:

— Tá legal. Só estava me importando, preocupado...

— Desculpe. — ela desfez-se da austeridade e suspirou — E aí? Gostou do Mike? — se referia ao novo chefe dele, que conhecera naquela tarde — Ele vai dar uma posição boa para você e Cho dentro do estúdio. É gente boa, de verdade.

— Sim... quer dizer, sei lá. — resmungou, perdido.

A negra fez seu lindo sorriso para ele e pegou-o gentilmente pelos ombros:

— Meu querido, Olhos Azuis, deixa essa insegurança de lado. Ela só atrapalha, não presta pra nada. Não tenha medo do desconhecido, só curiosidade, só vontade de empenhar-se ao máximo para esse “novo” momento.

— É o seu conselho?

— É o meu desejo. — disse-lhe transpirando sinceridade.

— E se eu fizer algo errado? Pode existir a possibilidade de eu ser uma porcaria com a câmera e você só ter me empregado porque me achava irresistível.

Ela gargalhou:

— Assim você subestima meu profissionalismo, Rony! Você vai brilhar, eu já tô prevendo, e não demorará muito, porém, se permitir, posso te dar um conselho?

— Sempre.

— Se expanda mais! Tome o máximo de conhecimento possível sobre aquilo que te interessa e sua ascensão chegará mais rápido.

— Acho que tô entendendo. Vou seguir seu conselho. — o ruivo concordou.

— Agora me dá um abraço. Pode ser que não nos vejamos nem tão cedo, pelo menos pessoalmente.

— Como assim?

— Viajarei com Nathan amanhã à noite, assim que entregar o estúdio para o comprador.

— Quem é ele afinal?

— Nunca precisamos do histórico de vida um do outro para nos gostarmos e nos darmos bem, e não é agora que precisaremos, né?

Rony considerou e respeitou o desejo de discrição de Tamara. Ela, que tanto o ajudara em sua árdua jornada ao longo daqueles meses. Já com saudades, abriu os braços e abraçou-a apertado. Muito apertado. Sua chefa sumiria no mundo em breve e certamente ele nunca mais veria aquele espírito livre novamente.