Entre Estantes

O Empréstimo


Elissa subiu os frágeis e gastos degraus de madeira e adentrou a loja. Ficou paralisada na porta no mesmo instante em que viu o interior. Em completa oposição ao exterior, o lado de dentro aparentava ser recém-construído, o teto era alto, toda a extensão das paredes era tomada por estantes de madeira nobre recheadas em excesso com livros de todas as cores de capa e tamanhos. Muitas escadas de madeira do mesmo material que a estante estavam presas a trilhos e roldanas de ferro no chão e no teto em frente às estantes. Prateleiras mais baixas em relação à das paredes, mas ainda assim tão altas quanto as comuns de um escritório preenchiam o local formando longos corredores que desembocavam em sofás e poltronas de tecido verde e mesas e cadeiras de madeira. Além disso, todo o ambiente era ricamente iluminado.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Parecia que tinha entrado em um sonho, ou pelo visto encontrado uma entrada lateral para a Biblioteca Municipal utilizada por seus funcionários. Mas descartou a segunda hipótese, pois esta dispunha de afrescos pintados ao teto e obras de arte inglesas em seus corredores, já este local era somente livros e estantes, mas não deixava de ser tão encantador quanto devido à magnitude de seu acervo.

Percorreu os corredores observando cada prateleira, deslizando seus dedos enluvados pelas lombadas de cada exemplar. Pegou um livro qualquer e pôs-se a folheá-lo pelo simples prazer de sentir o odor das páginas invadirem suas narinas e a pequena brisa produzida pelo movimento das folhas viradas rapidamente bater em seu rosto. Fechou os olhos sorrindo apreciando este breve momento.

— Posso lhe ajudar em alguma coisa? — Perguntou a figura de um homem que surgiu ao fim do corredor onde se encontrou.

— Creio que sim, este lugar é uma biblioteca?

— Sim e não. Quem não tem dinheiro pode pegar emprestado um livro com o mesmo sistema utilizado em bibliotecas, e quem quiser adquirir o exemplar para si só precisa pagar uma quantia qualquer — disse enquanto caminhava na direção da menina lentamente.

— Mas cada livro tem um preço. Se eu quiser dar muito menos que este vale, irão aceitar? — Indagou confusa, e sua expressão colocou um sorriso no rosto do homem.

— Sim, não visamos o lucro e sim trazer a experiência da leitura para qualquer um que esteja disposto.

— É uma ação nobre. Devem manter este local com doações, suponho — declarou voltando a sua atenção para os livros novamente. O homem concordou um leve aceno de cabeça. — Pois bem, gostaria de saber se possuem algum exemplar do livro de Marco Polo, comecei a lê-lo, mas ainda não tive tempo de termina-lo. As páginas me atraíram com tanto fervor que gostaria de possuir um exemplar.

— Deve ser uma pessoa sortuda, um marinheiro devolveu o exemplar que possuímos ontem à noite. Parece que ficou deslumbrado com a descrição de uma terra exótica e cheia de riquezas, a esta altura já deve ter se lançado ao mar. Siga-me, por favor.

Eles se dirigiram a uma enorme bancada nos fundos do grande salão. O homem revirou a grande pilha de livros espalhados até pegar um com a capa verde.

— Vai pegar emprestado ou irá comprá-lo? — perguntou enquanto retirava uma folha de papel de dentro de uma gaveta da bancada e colocava-se a escrever as informações sobre o exemplar na mesma.

Abriu a boca para responder que levaria o livro pagando uma generosa quantia como doação, mas pensou melhor e então disse:

— Levarei emprestado, por favor.

— Aqui está — Ele lhe entregou o exemplar e guardou a folha onde escrevera dentro de outra gaveta. — O tempo máximo de permanência com o exemplar está escrito na folha de rosto.

— Obrigada — agradeceu com um sincero sorriso no rosto.

— Ah, que má educação a minha! Chamo-me Daniel, Daniel Baves.

— Elissa Wot... — parou no meio da frase. Assim que disse seu sobrenome ficaria claro quem era e de onde veio, queria continuar nas sombras, no anonimato pelo menos até o fim do dia. — Me chamo Elissa Woolridge, prazer em conhecê-lo.

— Igualmente. — Daniel sorriu em resposta.

— Bem, preciso me retirar. Até breve, Sr. Baves. — então, com um leve aceno de cabeça, Elissa virou-se e caminhou pelo longo corredor ladeado por estantes em direção à porta de saída.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Ao encontrar-se novamente no exterior da pequena e decrépita loja, Ela tornou a passar cuidadosamente o olhar sobre as pessoas do beco. Ao constatar que estava livre da sombra de qualquer possível conhecido, desceu os velhos degraus e tornou a seguir o seu caminho original, porém ao invés de dirigir-se à biblioteca como o inicialmente planejado, ela virou uma quadra antes e na direção oposta e rumou para o parque.

Caminhou lentamente, seguindo a trilha de pedras acinzentadas que serpenteava por toda a extensão e, por todas as direções do local. Na primavera, gostava de observar os jardins que eram cultivados ali, os arbustos eram milimetricamente cortados para que estes tomassem formas variadas: de cone, afuniladas, redondas e até mesmo espiraladas. O gramado era de um verde intenso cuidadosamente aparado, sem contar com as diversas flores que provocavam sensações prazerosas com a explosão de variadas cores vivas e a mistura intrincada dos seus aromas. Porém agora o lugar não passava de grama amarelada e galhos secos e retorcidos que ostentavam uma ou outra folha marrom que com a mínima brisa parecia que seria jogada para longe.

Um ponto colorido chamou a atenção de seu olhar. Ela andou até um canteiro que ficava à sua esquerda e abaixou-se para se aproximar da fonte daquela cor. Era uma pequena flor de cor de pêssego. Sorriu ao admirá-la. Por um momento sentiu-se como a planta: a diferente em meio a um mar de mesmices.

“Tenho que ser como você: forte em meio a um ambiente difícil.” Pensou enquanto arrancava a pequena flor e a colocava entre as páginas amareladas, usando-a como um marcador e como lembrete de como deveria agir.

Sentou-se em um banco de madeira de frente para um pequeno lago. Abriu o livro em uma página pouco depois da metade, onde havia parado de ler, em outro exemplar. Mal conseguiu ler uma página por completo, quando seus pensamentos desviaram-se da fantástica e exótica Ásia e navegaram por águas conhecidas, porém temerosas.

Pensou no jantar daquela noite, onde o pedido de noivado seria feito oficialmente em frente aos amigos e família. E depois dali a duas semanas, onde no baile, seria anunciado para toda a realeza, membros da corte e, consequentemente, para toda a cidade. Sentia-se com uma corda no pescoço, e a cada segundo era como se ela a sufocasse cada vez mais. Só desejava poder tomar suas próprias decisões, viver sob suas próprias regras. Queria ir para onde bem entendesse, viver suas aventuras e no fim de sua vida, colocá-las em palavras, onde gerações futuras poderiam espelhar-se em seu exemplo e libertarem se de suas próprias amarras.

Perdida em pensamentos, mal percebeu quando o sino da igreja tocou três badaladas, anunciando as cinco horas da tarde. Despertou de seu torpor e colou-se a caminhar apressadamente em direção à confeitaria onde havia combinado de encontrar-se com sua mãe e sua tia.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.