Enigmas

Capítulo 6 - Novamente


Luca acabou acordando com o sol batendo em seu rosto. Assustado, olhou para o relógio na cabeceira de sua cama: dez horas da manhã. Mais assustado ainda, pensou que uma catástrofe estaria a ponto a acontecer, afinal, não jantara com sua família e já quase era hora do almoço, e não era qualquer almoço.

Catarina havia preparado até o último detalhe para receber os parentes mais próximos de seu genro e os mais próximos dos Hopp par ao almoço, a fim de fazer uma prévia da noite do casamento, que aconteceria algumas semanas depois. Esse nível de sociabilidade era já conhecido por Luca e seus irmãos, afinal a mãe dos Hopp precisava se mostrar política e bem relacionada frente aos outros. Não que isso fosse ruim na concepção de Luca, apenas era um tanto desnecessário.

Voltando de seus pensamentos, Luca prontamente se arrumou, colocando a roupa que sua mãe colocara no armário. Ela alegou por telefone alguns dias antes que não permitiria que Luca se vestisse como bem entendera, porque a última vez que isso acontecera, o garoto tinha cinco anos e Catarina teve que andar pelas ruas com um Batman mirim.

O fato é que, apesar de ter perdido hora, Luca sabia calcular bem o tenho que lhe sobrava. Apenas terminou de colocar os sapatos, sua mãe entrou no quarto, efusiva.

– Ah, já está pronto! Já não bastava não ter jantado conosco como havia prometido, só me faltava ter que dar alguma desculpa pela sua ausência no almoço também.

Luca sorriu. Essa era sua mãe. Ele não comentou nada, apenas levantou-se e saiu corredor afora seguindo sua mãe e parando em frente à de vidro que dava acesso ao quintal, onde uma mesa enorme fora armada e estava preparada para exercer sua função. Todos os irmãos, inclusive Patrícia, a irmã que ia se casar. Luca acenou a todos e parou ao lado deles, começando a contagem regressiva. Exatos cinco minutos depois, a campainha tocou.

Diferente do que havia pensado Luca, quem chegara fora seu pai. Havia muito tempo que eles não se viam, afinal Luca estava trabalhando em outra cidade e seu pai, bastante preocupado com o tribunal e com as ameaças que recebia. Estavam proibidos de conversar sobre trabalho, mas Luca daria um jeito de averiguar como seu pai estaria lidando com a situação.

Com a chegada dos convidados, todos sentaram-se à mesa e fizeram a refeição, mantendo uma conversa leve e animada que, na verdade, entediava Luca. Ele buscou vários momentos em que lembrara a seu pai que precisavam conversar, até que, ao final do almoço, encontrou seu pai sentado na impecável sala de visitas, trocando algumas palavras com o pai do noivo. Luca se aproximou, esperando que o assunto se acabasse.

– Bem, pai, eu preciso conversar com você... – Ele observou que o juiz o olhava com expectativa e atenção. – Como está indo no fórum?

– O de sempre: as pessoas são intimadas, mostram suas defesas, alguém as ataca e eu tenho que julgar se são culpadas ou não. Às vezes um acusado ou outro se irrita, me ameaça, sua mãe entra em crise por isso e eu ando rodeado de armários por todos os lados. – Abriu um sorriso divertido antes de continuar – Nada fora do normal. Sua mãe me disse que você tinha alegado ter muito trabalho por fazer e por isso não quer ficar aqui. Diga-me de que se trata e veremos o que eu faço por você.

Não era à toa que o homem era juiz.

– Um caso bem difícil. O homem me ligou por telefone, dizendo que fora acusado por diversos furtos, dinheiro retirado de várias contas de um banco em Dubai. Ele disse que não teve nada a ver com esse dinheiro roubado e que seu nome fora usado por alguém que queria prejudica-lo. Na verdade, ele me ofereceu uma quantia considerável para ajudá-lo.

– E o que você fez?

– Pedi as cópias de alguns documentos dele e marquei uma reunião para que ele possa me explicar o que está acontecendo com riqueza de detalhes. – Vendo o pai assentir em favor a sua atitude, Luca mudou e assunto. – Mas espere, você disse que tem alguém acusado que está ameaçando você?

– Não é a primeira vez que acontece, Luca. Não é nada grave, não tem porque você se preocupar com isso. O sujeito foi acusado de homicídio doloso por ter assassinado os pais. Provas suficientes foram apresentadas e eu julguei sua culpa. No mesmo dia, ele desapareceu e eu comecei a receber ameaças. Isso durou uma semana, depois disso nunca mais aconteceu.

– E por isso você pensa que está tudo bem?

– Se algo fosse ocorrer, por experiência própria, já teria ocorrido.

Luca se lembrou da grande cicatriz que o pai levava nas costas, resultado de um julgamento cujo culpado se sentira injustiçado. Luca era muito pequeno, mas se lembra que por alguns dias, nenhuma das crianças da casa pôde sair de casa nem mesmo para ir à escola, porque o agressor seguia nas ruas e seu pai, no hospital.

As lembranças de Luca foram interrompidas pela voz estridente de Catarina pedindo aos dois que deixassem de falar sobre o trabalho de uma vez por todas nessa data tão especial. Além disso, disse a Luca que ouviu sobre seu cliente e que não queria o advogado envolvido com esse tipo de gente. Já não bastava Luís, seu marido, estar metido em problemas devido ao trabalho.

Luca fitou o pai na esperança de que ele ajudasse Luca. As horas haviam passado e o trabalho continuava pendente, o que fazia necessário o enclausuramento de Luca em algum lugar, fosse no quarto de visitas, fosse num hotel ou numa masmorra, a qual sua mãe própria arranjaria. Luís Hopp pediu a Luca que o deixasse a sós com Catarina e assim fez ele.

Do lado de fora da sala, as únicas palavras que foram escutadas, por toda a vizinhança, diga-se de passagem, foram as de Catarina, dizendo que ‘de maneira alguma ela iria permitir que ele usasse da persuasão da advocacia para fazê-la mudar de opinião’, o que significava que Luca não teria outra alternativa, senão passar esses dias num hotel. Realmente, nãos seria possível trabalhar na casa de sua mãe.

Tendo decidido, Luca encaminhou-se até o quarto, a fim de juntar suas coisas e leva-las até o carro. Seus irmãos mais novos, George e Laura, tentaram convencê-lo de que, se ele fosse sair, Catarina ficaria louca e eles teriam que aguentar, afinal Antonio e Patricia sairiam essa noite com os respectivos namorados. Ele até teve pena dos dois menores mas já estava resolvido a fazer o que tinha que fazer.

Com as malas em mãos, Luca procurou Gus. O senhor estava sentado no jardim, lendo o jornal na sessão de esportes e assustou-se com a presença do advogado. Assim como todos os que tinham falado com Luca, tentou convencê-lo a ficar os dias que lhe restava na cidade, mas Luca foi enfático em dizer que tinha coisas a resolver e não podia perder tempo. Ele chegou a ajoelhar para que Gus aceitasse leva-lo ao hotel e o antigo motorista da família não viu outra alternativa senão ceder.

Os dois entraram no carro e saíram com destino ao Palácio. Esse era o nome do hotel que Luca tinha planejado ficar. Era, na verdade, um estilo de flat, bem simples e prático, perfeito para os propósitos de Luca. Com o carro estacionado em frente ao Palácio, Luca agradeceu a Gus e se despediu, dizendo que logo se veriam novamente.

Um rapaz pouco mais novo que Luca fez questão de levar suas malas até o Hall e aguardou até que Luca tivesse feito o check-in. O carregador de malas foi instruído a levar o novo cliente até o andar correspondente, apresentou as instalações, entregou as chaves e recebeu sua gorjeta, como teria que ser, deixando Luca sozinho.

Finalmente um pouco de paz. Claro que o primeiro que ele fez ao começar a desfazer suas malas foi conectar o carregador do celular, mas com o aparelho desligado. Ele sabia que assim que Gus voltasse à mansão Hopp, Luca seria bombardeado com ligações. Após alguns minutos, ele terminou de colocar-se cômodo, e pensou em olhar seus papéis antes de definitivamente começar a pensar no caso do acusado de furtos. Nesse momento, se deu conta de que sua pasta, onde estavam os papeis, não estava no quarto.

Luca lembrava de ter entrado no hotel com a pasta em mãos, assim que o primeiro lugar que procuraria era no hall de recepção. Desceu pelo elevador, que o levou até o térreo, onde o balcão dos recepcionistas estava. Avistou sua pasta em um canto do balcão e, avidamente, foi em direção a ela, sem notar que alguém também distraído ia em sua direção.

Luca olhou a pessoa caída e não pôde acreditar.