Ele e Eu

Capítulo 17


NAQUELA SEMANA NÃO apareci na segunda sessão. Disse para papai que estava me sentindo mal. Bom, de um jeito ou de outro, não era mentira. Mesmo assim estava me sentindo um pouco culpada por fingir uma doença a papai. Eu nunca tinha feito isso antes. Talvez por isso ele tivesse acreditado tão facilmente. No fim, ele apenas pediu para que eu ficasse deitada e comesse toda a sopa de legumes.

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Comi a sopa e fingi uma tosse.

— Sinto muito pela consulta, papai.

Eu não sabia se voltar ao assunto era a melhor maneira de sustentar a mentira, mas de alguma forma isso ajudava e ao mesmo tempo piorava o sentimento de culpa.

Papai negou com a cabeça.

— A saúde da minha pequena é mais importante. Eu já liguei para o Kakashi e expliquei que você não está bem.

Eu tossi novamente na tentativa de disfarçar o embaraço e o medo de o sr. Hatake ter me desmentido para papai. Por que, de verdade, quais eram as chances dele realmente acreditar que eu estava doente?

— Ele disse que não tinha problema e te desejou melhoras. Disse que você parecia mesmo um pouco pálida da última vez.

Minha boca abriu e fechou, enquanto eu estava momentaneamente desconcertada. Se eu tinha alguma dúvida de que ele poderia ter acreditado, não tinha mais.

— É… eu acho que já estava me sentindo mal desde aquele dia – eu disse, vagamente.

— Você deveria ter me dito – disse papai, cobrindo meus ombros com o cobertor.

Então ele começou um discurso do por que era tão importante cuidar de uma gripe desde o início. Eu fiquei lá fingindo que estava ouvindo, mas na verdade aproveitei o tempo para pensar. Era claro que o sr. Hatake não dissera nada para papai, não fazia o feitio dele. Ele era mais de agir na surdina e depois dar o bote. Como uma cobra.

Quando papai parou de falar e me deixou sozinha, eu fiquei deitada olhando para a lâmpada apagada no teto. Na verdade, foi o que fiquei fazendo por boa parte da tarde até cansar e ir até a janela. Eu tinha que fingir uma doença e isso me deixava sem opções.

Lá embaixo, a rua se movimentava com a saudade que um dos últimos dias de verão permitia. Crianças andavam de bicicleta e senhoras do lar sentavam-se em espreguiçadeiras com óculos de sol e jogavam conversa fora. Era o tipo de cena contemporânea que era replicada numa tela nos dias de hoje, e só o pensamento me fez grunhir. Por que eu não queria pensar em nada disso, nada de telas, pincéis, tintas, nada que sequer me lembrasse de qualquer uma dessas coisas. Eu só queria esquecer, pelo menos por minutos, quem eu era.

Olhando de cima, parecia que a semana tempestuosa tinha válido a pena, o céu estava tão bonito, com nuvens se montando e desmontando em segundos. Hipnotizada com a imagem, me sentei no banco oportuno que se estendia abaixo da janela, escorando-me na parede e acomodando meus pés no outro lado. Eu poderia permamecer ali durante horas, por que foi como consegui o que tanto queria naquele momento: esquecer-me de mim mesma.

As horas se passaram rapidamente. Quando me dei conta o horizonte estava rosa-alaranjado e o sol estava se pondo entre as montanhas verde-azuladas. Uma paisagem de tirar o fôlego, eu tinha que admitir. E estranhamente, foi nesse momento, o da admissão, que eu quase recobrei a consciência e, com ela, todos os meus problemas.

Então tratei de espantar os pensamentos e voltar meu olhar para as colinas sinuosas.

De novo quase não percebi o anoitecer, mas a buzina de um carro vinda lá de baixo, me despertou. Olhei para a rua, apenas por curiosidade e vi o automóvel vermelho familiar. Dessa vez o garoto loiro, que de novo era o motorista, saiu junto com o garoto que nos ajudou com as sacolas de mercado, cujo o nome eu não lembrava. Mas eles não entraram na casa, eles sentaram na escada da varanda e acenderam cigarros.

Foi difícil não ficar espantada. Não por que eu estava vendo garotos da mesma idade que eu fumando (embora isso também tenha me espantado), mas por que eu não esperava algo assim do menino que morava na casa verde-limão. Ele não parecia o tipo que fumava; quero dizer, ele pareceu amistoso e educado ao ajudar papai. Não parecia fazer o estilo bad boy, por que de acordo com todos os filmes de bad boys que tinha assistido, eles não costumavam ser legais. E eles usavam jaquetas de couro.

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Oficialmente, era o último dia de verão. Ou seja, oficialmente era o último dia de diversão de verdade.

Quando pensava-se em ensino em casa, normalmente acreditava-se que era mais fácil do que a escola. Mas apesar de quase não ter ido a escola durante toda a minha vida (exceto os dois primeiros anos do jardim de infância, que se tornara um desastre), eu não tinha tanta certeza. Meus professores costumavam mandar-me ler tantos livros por semana que as vezes me faltava tempo ainda que eu passasse as 24 horas do meu dia com eles à mão. Papai costumava contratar os Amigáveis Embora Rígidos e eu não tinha dúvida nenhuma que seria igual dessa vez.

Para falar a verdade, eu ainda não tinha certeza do porquê estudava tanto. Eu nem sabia se queria fazer uma faculdade. Por que o quão mais fácil a vida universitária poderia ser da vida escolar? Eu não tinha muita esperança.

Mas papai dizia que eu deveria ter pelo menos opções e que ser burra nem de longe era uma delas. Acho que ele estava esperando o milagre de me ver fazer algo como uma pessoa especial do tipo normal, embora ele deixasse claro que ninguém precisava ser igual a todo mundo ou fazer algo igual a todo mundo. Ele dizia que eu poderia viajar, fazer EAD, cursar uma faculdade comunitária, ele não se importaria, desde que eu estivesse fazendo algo com a minha vida.

Eu ainda tinha algum tempo para pensar. Ou para conseguir um milagre.

Como de costume, papai e eu fazemos uma maratona de filmes no último dia de férias. Esse ano escolhemos Harry Potter, por que nós amamos. De verdade. Dentre os dois, posso dizer que eu era a maior fã. Eu tinha até uma coleção de uma das réplicas da edição limitada das Relíquias da Morte, a Capa da Invisibilidade, a Varinha das Varinhas e a Pedra da Ressurreição. Eu gostava tanto da série que Harry Potter e o Cálice de Fogo era o meu livro preferido depois de O Mágico de Oz.

Estávamos deitados no chão da sala, em meio a cobertores e travesseiros com uma tigela enorme de pipoca doce e chocolates e balas e refrigerante. Papai estava deitado do meu lado, e estamos tão concentrados na morte de Dumbledore que mal nos mexemos. Já assistimos esse filme umas cem vezes e essa cena, umas mil, mas sempre nos emocionamos. Papai só parou de chorar depois da trigésima vez, mas ainda consigo ver seus olhos marejando quando ver o mágico mais poderoso de Hogwarts cair.

E foi exatamente nesse momento, a cena em que nenhum de nós queria perder sequer um segundo, que a campainha tocou.

— Argh! – eu disse. — Logo agora!

Papai pausou o filme.

— Eu sei. Vou ver quem é e já volto – disse, se levantando aos tropeços.

Eu cruzei os braços.

Quem deveria ser? A gente praticamente não conhecia ninguém na cidade. Mas era aí onde estava: praticamente.

A campainha tocou mais uma vez antes de papai abrir a porta. Papai disse que já estava indo e então estancou quando viu quem era. Houve uma conversa que eu não consegui ouvir e depois de um momento, ele deu passagem para as duas pessoas entrarem.

Era Mikoto e o garoto daquela noite, Itachi.