E Se...

Bombas


Liesel estava se revirando na cama então, decidiu que iria ao porão ler e quem sabe, escrever mais alguma coisa.

Ela saiu de seu quarto com a sacola de livros e um cobertor, andando de fininho até o porão. Chegando lá arrumou as mantas que Max usava, pegou uma lata de tinta para apoiar o livro, ajeitou o cobertor, mas antes de se acomodar decidiu beber água.

Estava na cozinha olhando para fora por uma frestinha na janela, observando os pontinhos brilhantes no céu negro -lembrando-se de uma conversa que outrora tivera, e que parecia uma vida antes- enquanto bebia água.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

“Max, a noite está negra. As estrelas parecem vaga-lumes pendurados no céu e ele parece ter a textura de veludo”— Pensou sorrindo, permitindo que uma lágrima escapasse.

Toc. Toc.

—Liesel!

Liesel deu um pulo quando ouviu as pedrinhas se chocando contra a vidro e o sussurro.

—Liesel! Sei que está na cozinha. Liesel!

Toc.

Liesel reconheceu a voz de Rudy e pensou em ignorá-lo. Largou o pedaço da cortina e ia saindo.

Toc.

— Esse Saukerl vai acordar papai e mamãe. – murmurou indo á janela de novo.

O que está fazendo aqui?—Perguntou baixo, porém com a voz carregada enquanto abria uma fresta da janela. –Vá dormir!

—Não Liesel. Preciso falar com você.

—Agora você quer falar comigo? –Disse com raiva.

—Quero. Por favor, Liesel. Estou congelando aqui!

Vá pra sua casa que você não congela!

—Por favor. Me deixe entrar!

—Eu? Deixar você entrar aqui, essas horas?

—Liesel... Eu imploro. –Eles travaram uma batalha interna e visual quando seus olhos se encontraram na escuridão.

Liesel percebeu a urgência em seus olhos e suspirou fechando a janela.

Foi em completo silêncio até a porta e conseguiu abri-la um pouco sem barulho.

—Espero que eu não me arrependa Saukerl. –Disse dando sinal para que ele entrasse.

Obrigado Lis. Pode abrir mais a porta?

—Se eu abrir mais vai ranger. E cale a boca se não eles vão acordar.

Ela deu passagem a ele e Rudy entrou sorrateiro.

Depois dizem que Judeus são ratos. Você parece um rato entrando assim...—Resmungou pensando em Max

—O quê?- Rudy questionou falando alto de mais.

—Hum... Hans! Hum... Liesel...não, não Hans...Liesel... Saumensch! –Por um momento eles congelaram pensando que Rosa havia acordado. Não. Ela só estava sonhando. Com Liesel.

—Isso Saumensch, já disse. Hã... aham amo você sim agora silêncio Hansi vai acordar. –Liesel sentiu seu peito inflar com a sensação de ouvir Rosa dizendo que a amava mesmo estando dormindo.

Também te amo mamãe. Amo você e o papai.- Falou dando um beijo na testa de ambos e antes que se mexessem, puxou Rudy pela mão até seu quarto.

—Espere.

Ele a olhou enquanto ela pegava um casaco preto batido e jogou em direção á ele.

—O que é isso?

—Não está com frio? Vista isso.

Ela pegou um lençol e jogou em sua direção também.

—Vamos ao porão.

—Fazer o quê lá?

—Eu estava indo para lá. Vamos, podemos conversar lá.

Eles foram até o porão e sentaram-se nas mantas. Liesel se enrolou em seu cobertor e Rudy no lençol; Ela colocou o lápis em cima do livro e olhou séria para ele.

—Fale logo.

—Liesel... Me desculpe... Eu... Eu achei que você não gostava mesmo de mim e ficaram me enchendo... Tinha um garoto na Juventude Hitlerista que disse umas coisas que eu fiquei perturbado e... Eu pensei no que você tinha dito... E você me deixou bravo... Não deixou que eu terminasse. Eu ia dizer que...

—Que...?

—Eu ia dizer que eu queria saber se você gostava mesmo de mim e que se me amasse eu pediria sua mão para...

Um silvo ecoou pelo ar e logo um BUM! Estrondoso.

Rudy e Liesel se encararam, assustados. Outros sons arrepiantes foram ouvidos e então poeira e pedaços do teto e parede começaram a cair.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Liesel e Rudy se abraçaram, ambos com completo pavor nos olhos.

—A rua Himmel... Rudy estão bombardeando uma rua que se chama céu. Estão bombardeando nossa casa... Nossos amigos e... Nossa família!

Rudy a olhou, seus olhos se encheram de lágrimas e ele a abraçou mais forte.

—Tudo vai acabar bem – falou com a voz vacilante e um nó na garganta.

—Não Rudy. Não vai. Até porque esse porão não tem profundidade suficiente... –Sussurrou e afundando a cabeça no peito dele chorou.

Pensou em sua mamãe que havia dito que a amava mesmo que estivesse dormindo. Pensou em seu papai querido. Pensou no arcodeão. Pensou em Max. Em Tommy e em todos os outros. Os sons eram terríveis e em determinado ponto não conseguia ouvir mais nada. Tudo parecia abafado, e apenas um silvo distante permanecia, até que os sons cessaram.

—Lis... –Ouviu a voz de Rudy, rouca, chamando seu nome com delicadeza.

—Ãn?

—Liesel... Acabou.

—O quê? Estamos vivos?

—Sim... Acabou. Você dormiu em meio ao choro.

—Dormi?

—Sim. Pelo menos não teve de ouvir tudo...

—Só eu para dormir durante um bombardeio. –Falou rindo um pouco. Um riso triste

—É... –Rudy a acompanhou.

—Bom, como vamos sair daqui?

—Acho que teremos que esperar.

—Esperar?

—Sim. Alguém deve aparecer para fazer a limpeza e talvez nos descubram.

—Como vão descobrir? – Liesel pensou e uma idéia surgiu em sua mente. –Já sei! Vamos fazer barulho.

Liesel e Rudy fizeram barulho. Gritaram, mas não estava funcionando.

Bateram o lápis na lata de tinta por um tempo que pareceu infinito e quando estavam prestes a desistir, ouviram vozes exaltadas e um pedaço da parede foi arrancado.

Olharam-se e sorriram batendo mais na lata.

Risos e estardalhaço pelos homens da LSE. Estavam em êxtase. Sobreviventes.

Quando tiraram Liesel do fundo ela recomeçou a chorar. Ela chorou e gritou. Ela gritava por Hans Hubermann.

Os homens da LSE tentaram segurá-la em seus braços poeirentos, mas a menina que roubava livros conseguiu safar-se.

Ela não sabia por onde estava correndo, pois a rua Himmel já não existia.

Bombardearam uma rua chamada céu.

O homem que a havia resgatado a segurou. Liesel não queria conversa. Liesel queria seus pais. Queria Hans, queria Rosa e queria Max.

Onde estaria Max?

Liesel viu um homem da LSE com o acordeão de papai e disse:

—Aquele é o acordeão do papai- e de novo: -Aquele é o acordeão do papai.

—Não se preocupe, mocinha, você está em segurança. Onde vai? –Falou quando ela correu e pegou o acordeão.

—Esse acordeão é do meu papai. Pode deixá-lo comigo.

Quando ela encontrou os corpos entrou em choro novamente. Ela olhava os corpos. Ela se despedia. Chorava. Lamentava.

Porque nevava e porque aquela neve queimava seus braços?

Porque o céu estava vermelho como sangue?

Onde estava a loja de Frau Diller?

—Aqui ainda é a rua Himmel? –Perguntou confusa para o homem que estava próximo.

—Você está em choque menina. E sim. Aqui era a rua Himmel...- Parecia pesaroso- Foram bombardeados. As sirenes não tiveram tem- Ela interrompeu-o com um soluço e os olhos dele pareciam ter visto muita coisa procuraram consolá-la. –Es tut mir leid, Schatzi. Sinto muito, tesouro.

Rudy estava em estado de choque. Ele permanecia parado. Olhando. Tinha tentado correr até Liesel, mas seus pés não se moviam. A única coisa que pode fazer foi se ajoelhar ao lado dos corpos de sua família e chorar. Ele beijou a face de suas irmãs e até a testa de Kurt. Depois se demorou um pouco mais na de sua mãe.

—Mamãe... –Ele sussurrou e depois de passar as mãos por seu cabelo também lhe beijou a face.

Se eu não tivesse ido atrás de Liesel... Se ela não tivesse ido ao porão...

Por quê?

Onde está a justiça?

Onde está a liberdade?

Onde está a superioridade de nossa raça agora, Führer?

Rudy pensava com raiva.

—Onde está Führer? Onde? Eu te odeio Führer. Odeio. –Sibilou com ódio nas veias.

Liesel não correu, não andou nem se mexeu. Seus olhos haviam esquadrinhado os humanos e parado, confusamente, ao notar o homem alto e a mulher baixa, em formato de guarda-roupa. Aquela é mamãe. Aquele é o papai. As palavras foram grampeadas nela.

—Eles não estão se mexendo. –disse baixinho- Não estão se mexendo.

Talvez, se ela ficasse imóvel por tempo suficiente,eles é que se mexessem,só que eles permaneceram imóveis pelo mesmo tempo que Liesel. Avançou um passo e não sentiu vontade de dar nenhum outro,mas deu. Lentamente, andou até a mãe e o pai e se sentou entre eles. Segurou a mão da mãe e começou a falar com ela.

—Lembra-se de quando eu vim pra cá,mamãe? Agarrei-me ao portão e chorei. Você se lembra do que disse a todo mundo que passava na rua, naquele dia? –E sua voz vacilou. –Você disse: “O que é que estão olhando, seus babacas?”

Pegou a mão da mãe e a tocou no pulso.

—Mamãe,eu sei que você... Gostei de quando você foi à escola e me contou que o Max tinha acordado. Sabe que eu vi você com o acordeão do papai?- e apertou mais forte a mão da mãe que endurecia. - Eu cheguei e fiquei olhando, e você estava linda. Puxa vida, você estava tão linda, mamãe!

As lagrimas rolaram silenciosamente por seu rosto e um soluço escapou de seus lábios.

—Eu vi mamãe...Eu ouvi me dizer que me amava... Eu também tem amo. Fiquei muito feliz quando me presenteou... Você e seu grande coração... Oh mamãe...

Não queria olhar para o corpo ao lado. Largou a mão de Rosa, mas não queria olhar.

Papai era um homem de olhos de prata e não mortos.

Ela não queria. Não podia olhar para ele.

Papai era um acordeão!

Mas todos os seus foles estavam vazios.

As notas nunca mais soariam...

Nada entrava ou saía.

Era um acordeão quebrado...

Um acordeão...

Não. Não podia pensar…

Mas… Era.

Era um acordeão… Morto.

—Adeus papai. Você me salvou. Me ensinou a ler. A enrolar cigarros no chão frio do banheiro. Me disse para continuar lendo no abrigo. Talvez... Se não fosse por isso...

A menina que roubava livros chorou...Chorou até ser gentilmente rodeada por braços claros e o cabelo de limão roçar-lhe a testa.

Choraram. Choraram juntos até serem levados dali.

Não existia mais Rua Himmel.

Não existia mais Hans.

Não existia mais Acordeão.

Eram todos um só e não existiam mais.

Só existia... Rudy.

Abraçou-o mais apertado.

Talvez fosse só um sonho e ele evaporasse como se nunca tivesse existido...ou... Como se não estivesse com ela no porão.

Horas depois estava na delegacia ainda abraçada a Rudy e as lágrimas pareciam ter secado na sua pele empoeirada, seus dedos vermelhos, ainda tinham sangue. Alguns pontos de sua pele ainda tinham as leves queimaduras causadas por aquela neve. Aquela neve ruim. Seus olhos pareciam vidrados e o acordeão ao lado parecia espiá-la pelo buraco na caixa. Rudy passava as mãos por seu cabelo sujo e vez ou outra suspirava ou soluçava.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Tinha de ser forte.

Por Liesel.

E então houve uma movimentação. Alguém chegara a delegacia.

—Houve sobreviventes na rua Himmel? –Era a voz de Ilsa.