— Eu não consigo. - eu disse, encarando minhas mãos, após a décima primeira tentativa.

Aurora levantou os olhos do mapa que ela estivera examinando e sua expressão dizia que ela já esperava que eu dissesse isso.

— ora, vamos, não desista ainda – ela disse – você está tão perto de começar a entender!

— como você sabe? - eu repliquei, frustrada. - eu não consigo! Todas as vezes que eu tento, é como se… eu não sei. Talvez eu simplesmente não possa usar magia.

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— Se isso for verdade, então seria um grande desperdício. - Aurora dobrou o mapa, apontando-o na minha direção - Drania, sabe porque existem tão poucos magos?

— Poucos? Só nos últimos dias, eu fui atacada por três.

— sim, é verdade. - a bruxa riu – você está melhorando com as piadas.

— não foi uma piada.

Aurora pareceu achar esse comentário ainda mais engraçado.

— Ok, então, antes de me conhecer, quantos magos você já tinha encontrado?

— dois? - Eu respondi – O Arauto, aparentemente, embora eu não me lembre bem de como isso aconteceu, e Alice.

— Alice… - Aurora sorriu – As sacerdotisas do templo da Ordem não contam, de acordo com as Cartas de Vraal. A Ordem supostamente recebe poder do deus para fazer sua obra.

— Mas você não acredita nisso, certo? - eu relembrei minhas experiências com as “orações” de Alice – quase tudo o que elas fazem parece igual ao que eu já vi você fazer.

— Em sua essência, eu acredito que as sacerdotisas são simplesmente magas de cura. Acho que o resto depende em se você acredita que os deuses são reais ou não. Eu acho que não. Mas estamos desviando do assunto. - ela riu – é tão bom conversar com você, sabia? Você escuta as pessoas. Sempre que u tento debater história, magia ou cultura com Goroth, eu acabo…

— Foco, por favor?

— sendo interrompida, desse jeito. - Aurora espremeu os olhos, numa reação exagerada , sarcasticamente fingindo estar ofendida - você andou aprendendo com ele! Agora quem vai me ouvir por horas explicar as teorias por trás da formação das montanhas na cordilheira de sangue? Sabe, eu estou prestes a descobrir algo grande sobre o desaparecimento dos elfos, e você…

— Por que seria um “grande desperdício” que eu não consiga aprender magia?

— Em teoria, usando a Língua Absoluta, qualquer um pode aprender magia - Aurora desistiu do seu tom “ofendido” – mas na prática, uma em cada cem mil pessoas é capaz. Eu acredito que uma boa parte desse número vem do fato que a maioria nunca chega a tentar, mas mesmo entre os que dedicam suas vidas a aprender, apenas uma pequena parte realmente consegue. O número real deve ser algo entre 1% ou 0,1%.

— E o que isso… - eu repensei – você está concordando comigo, então?

— Não, é claro que não! - ela bateu com o mapa na mesa – parece que você não escuta o que eu digo!

— Bem, ajudaria se você não interrompesse sua explicação com…

— Ok, ok, entendi – A bruxa falou, divertida - realmente, Goroth foi uma má influência para você. Se acostumou demais a receber informações simples e concisas. - ela percebeu que eu fazia cara feia, e sua expressão ficou ainda mais alegre – tá, eu explico. A razão pela qual as pessoas têm tanta dificuldade em aprender magia é uma das habilidades que a magia necessita pra funcionar: controle de energia.

— Você mencionou algo parecido antes – eu lembrei – que essa é uma das habilidades mais difíceis de aprender.

— Sim. Humanos, elfos, orcs, anões, pessoas em geral não são muito acostumadas a perceber e controlar quanta energia flui pelos seus corpos, muito menos as quantidades exatas de energia necessária para realizar uma determinada tarefa. - ela disse – é aí que você tem uma vantagem. Mas essa vantagem parece ter vindo com um problema.

— Qual o problema?

— Eu não sei. - ela respondeu – pelo que você me explicou, sobre como suas habilidades de transmorfa funcionam, e como você vem lidando com sua forma fantasma, você tem uma excelente compreensão, e um enorme controle sobre a energia, num nível quase assustador. Se houvesse um humano com tanta habilidade em uma das academias em Risandal, ele seria o mago mais poderoso do mundo em menos tempo do que a maior parte dos magos aprende sua primeira runa. E mesmo que você role os olhos toda vez que eu lhe dou mais uma runa pra decorar... quais são as três primeiras inscrições na runa que descreve o fogo?

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— O triângulo? - eu respondi de imediato – Combustível, Calor, e oxi... Ar.

— Oxigênio, especificamente – Aurora falou – porque existe ar sem oxigênio, e rochas com um monte.

— Oxigênio. Que seja. Eu só falei ar porque esquecia palavra, mas eu sei que é um elemento, e que água é feita dele e hidro… o que explode.

— E onde a relação entre oxigênio e hidrogênio é explicada na runa que representa a água?

— É a quinta marca da segunda camada, contando de fora para dentro.

— vê? - Aurora falou, entusiasmada – até a maneira como você lembra das coisas, colocando-as em contexto, ao invés de simplesmente decorar. A maioria das pessoas tem problemas com isso, mas para você, é natural.

— Decorar não te ajuda a sobreviver – eu comentei – duas brigas nunca vão ser iguais, então não adianta decorar a briga inteira. Você só precisa lembrar das partes importantes.

— Princípios, que colocados em contextos diferentes, funcionam de formas diferentes. - ela concordou - você aprendeu a voar aplicando princípios que usava de forma diferente quando era viva.

— Algo assim.

— Sinceramente, eu não sei o que está te segurando. Eu nunca encontrei alguém que tem sucesso com todos os princípios, mas ainda assim não consegue completar um feitiço. - ela sorriu – mas talvez eu esteja apenas esquecendo de alguma coisa.

Talvez, seja como a Ordem diz, eu pensei. Talvez a magia venha dos deuses. E talvez ela não funcione para os imundos. Mas então como O culto de Kraaz consegue usar magia? A magia deles vinha do Caos? Aurora sempre havia dado a entender que a magia era uma força neutra, uma ferramenta que todos os lados podem usar, e tudo o que eu tinha visto até então parecia concordar com ela.

A magia que Alice usava era a mesma que O Arauto usava, e a mesma que eu não conseguia fazer funcionar. Os princípios eram os mesmos. Saber que O Arauto era um fantasma, ou foi um fantasma em algum ponto, parecia provar sem sombra de dúvida que o fato de eu não poder interagir com o mundo físico não deveria me impedir de usar magia. Então o que estava impedindo?

Talvez eu não tenha confiança o suficiente. Vontade absoluta, Aurora havia dito. Mas mesmo ela parecia ter dúvidas, e certamente ela não tinha certeza absoluta de que seus feitiços iriam funcionar, teria? Ela não sabia, não entendia, e não acreditava em um monte de coisas. Coisas que deveriam influenciar sua magia de alguma forma.

— Aurora, se você não acredita nos deuses, porquê está procurando os tais livros da profecia?

— Que tipo de pergunta é essa? É óbvio que eu quero lê-los, boba. - ela disse - E desde quando “a história do mundo, do começo ao fim” tem a ver com os deuses?

— Ué, os deuses criaram o mundo, e os deuses vão destruí-lo. - eu falei – Astaroth morreu e seu corpo se tornou a terra, e Vraal…

— Não comece. - Aurora falou – até hoje, eu nunca encontrei nenhuma evidência de que nenhum dos deuses exista. Já os livros, eles podem existir, sem influência alguma dos deuses.

— Como?

— Ora, achei que você, de todas as pessoas, entenderia. - ela sacudiu a cabeça – de alguma forma, magia pode controlar o tempo.

— Está me dizendo que alguém saiu por aí escrevendo a história do mundo todo? mas…

Ela.

— Porque, exatamente, aquela garota apareceu? - Aurora disse – e mencionou uma profecia, também. Tudo encaixa. Quanto mais penso sobre isso, mais sentido isso faz.

Eu sou sua amiga. Ou serei. Algo assim. Era o que ela tinha dito. Eu vim por causa do fim do mundo.

— Espere aí, tem uma coisa que não encaixa - eu falei - ela disse que haviam deuses.

— Ela disse “eu acho que são”. - Aurora discordou - Além disso, qualquer um que estivesse no poder de um ou mais desses livros, podia muito bem ser confundido com um deus. Pelo menos é o que acho.

— Por Vraal, eu sou muito idiota. - eu falei, quando percebi. - O livro.

— Perdão?

— O livro que O Arauto tinha com ele. - eu mal podia acreditar – de alguma forma, o livro contava o futuro.

— Ele contava o futuro? Como você…

— Ele estava lendo, quando atacou! - eu disse — foi assim que ele nos encontrou tão rápido!

— O mapa seria suficiente para explicar isso, Drania. Ele não precisava saber o futuro para nos encontrar tão rápido quanto encontrou.

— Ele sabia o que ia acontecer! Quando você nos mandou correr, ele já sabia que você tinha um plano. E quando olhei para o livro, era como se ele estivesse se escrevendo sozinho, contando o que estava acontecendo.

— Mas mesmo assim, ele não sabia tudo sobre meu plano – Aurora contrapôs – e se ele sabia o futuro, como nós conseguimos surpreendê-lo?

— Não sei, mas são muitas coincidências para ignorar.

— Tem razão.

Eu vim por causa do fim do mundo.

Se aquele fosse um dos livros da profecia, então…

— Drania! - Goroth entrou correndo no quarto. - Você tem que se esconder.

— O que foi? - A bruxa levantou em um salto – O que aconteceu?

— Ele está aqui. - Goroth não precisava explicar mais nada.

O Arauto estava na cidade. Ele tinha nos encontrado novamente.