Domino Effect — Interativa

02; O país destroçado e suas discórdias


I'll be good, I'll be good
For all of the light that I've shout out
For all of the innocent things that I've doubt
For all of the bruises that I've caused in the tears
For all of the things that I've done all these years

— I'll be good, Jaymes Young

O PAÍS DESTROÇADO E SUAS DISCÓRDIAS

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"Alguns fantasmas existem para te impedir de cometer o mesmo erro duas vezes"

O dia erguia-se glorioso sobre o pequeno país de Illéa do Sul, que logo em breve, voltaria apenas a ser “Illéa”. E justamente por esse motivo todo o reino estava em completo alvoroço. Fazia poucas semanas desde que os três governantes haviam proclamado a união dos sub-reinos, mas desde então tudo parecia mais agitado no país. Tudo mesmo. Pela primeira vez em décadas todo o povo parecia estar totalmente ligado nas notícias, fossem elas pelo jornal, pela televisão ou pela internet. Era um prato cheio para qualquer jornalista e eles por sua vez pareciam cada vez mais fora de controle. Tentavam conseguir informações de todas as formas possíveis e imagináveis. Invadiam o castelo, perseguiam a realeza e certa vez até tentaram entrar junto do carro que trazia os alimentos. Valia de tudo pata conseguir uma reportagem inédita. Era uma total confusão.

O castelo também não parecia um ambiente muito organizado. Empregados e conselheiros correndo de um lado para o outro com papéis, roupas e alguns arranjos. Era uma corrida contra o tempo para que tudo estivesse pronto o mais rápido possível para a seleção, anunciada há alguns dias. E não era diferente para a realeza, que além de ter de lidar com a seleção, a união e os repórteres, tinham de lidar com algo muito pior; uns com os outros. Briga atrás de briga, grito atrás de grito e lembranças que já deveriam ter sido enterradas sendo levadas à tona novamente. Todo o país estava o mais completo e verdadeiro caos.

Os rebeldes por sua vez ainda não haviam se manifestado, como se esperassem o momento perfeito para aparecer. A família real também não tocara nesse assunto com ninguém além de seus conselheiros mais íntimos e alguns detetives a fim de que descobrissem algo. Porém o esforço foi inútil, não tinham nenhuma pista de quem eram os "verdadeiros salvadores".

Na sala do trono, onde se resolviam todos os assuntos importantes da realeza, estavam Phillip, David e Myrna, olhando cada uma das fichas de inscrição das selecionadas e selecionando-as entre “prováveis”, as que teriam alguma chance de serem selecionas e “descartáveis”, as que não teriam nenhuma chance.

— Sabem de algo que é bem mais importante do que ler as fichas dessas jovens? — David falou retirando os óculos de leitura do rosto e colocando a ficha que estava lendo junto com as outras, mas para a sua fúria, nem Myrna nem Phillip sequer levantaram os olhos para lhe escutar. Revirou os olhos e decidiu falar mesmo assim — Quem vai governar o país depois dele unificado? Eu, particularmente, acho que sou a escolha mais óbvia.

Com aquelas palavras, seus irmãos decidiram deixar o ofício de lado e finalmente tocaram no tão evitado assunto; quem governaria. Myrna deu uma risada fraca com aquele comentário do irmão e Phillip sacudiu a cabeça em negação. Os dois se entreolharam e pela primeira vez em semanas sabiam que estavam concordando em algo; David era um grande de um hipócrita.

— Faça-me um favor, você não cresce nunca? — Phillip indagou ao irmão que permanecia com um sorriso irônico no rosto — Se acha que eu vou voltar a batalhar pela coroa com vocês dois como um garotinho que não quer perder o jogo está muito engando. Não tenho mais vinte e um anos e definitivamente, já cansei de guerras. Dessa vez não, vamos achar uma maneira justa de decidir isso.

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— Além disso, nossos filhos vão reinar, não nós — Myrna falou voltando a olhar as fichas das selecionas — Então vamos sair sem nada de qualquer forma. Se eu fosse você começaria a escolher direito a futura mulher do seu filho ou especular todas essas ameaças dos rebeldes em vez de se preocupar com um trono que nem é seu.

Sem se dar por vencido, David já iria começar a expor novamente o seu ponto de vista, quando leves batidas na grande porta de madeira mogno os impediram de continuar e acabar em uma possível discussão. Detrás dela surgiu uma pequena figura de cabelos loiro mel e um sorriso tímido estampado em seus lábios finos. As bochechas de Rosemary estavam coradas e alguns fios de cabelo grudavam a testa, aparentando que correra para chegar até a sala.

Phillip bufou e foi até a porta, agarrando o braço da filha e arrastando-a sem nenhum cuidado para o corredor. Ela tentava falar algo, mas era difícil com o pai puxando-a para fora da sala. Reclamava que estava machucando-a, mas também era inútil. Quando finalmente soltou o braço da garota no corredor ele olhou-a com um ar de desinteresse e sem esperar sua fala, já começou com a chuva de reclamações.

— Por Deus Rosemary, quantas vezes eu vou ter de repetir que não é para você me interromper enquanto eu estiver ocupado? — Rose encolheu os ombros e suspirou, ouvindo o mesmo discurso de sempre vindo do pai. Ele sempre a tratava daquela forma, com desdém. Sabia que ele não fazia de propósito, mas sim numa forma de outo-defesa, tentando esconder a dor do falecimento de sua mãe no parto. — Agora fala logo o que você quer, eu estou com muita pressa!

— É que... — Pensou em várias formas de falar aquilo sem parecer idiota ou bobo, mas por fim desistiu e simplesmente soltou a notícia — O Theodore caiu do cavalo, parece que ele quebrou o braço.

Na enfermaria, os gemidos de dor de Theodore só não eram maiores que as risadas de Lukas e Noah. Eles não riam do fato dele ter quebrado o braço em si, mas de ser tão cabeça-dura ao ponto de só ouvir a si mesmo e acabar naquele estado. Desde a tempestade da semana passada, quando ele saíra sem nenhum cuidado debaixo da chuva, havia ficado resfriado. Há uma semana ele devia ter ficado de cama e não saído por aí como se nada estivesse acontecendo, naquele dia especificamente acordara ardendo em febre. Lukas e Noah estavam treinando hipismo e ele decidiu fazer o mesmo, os dois até tentaram avisar “você está doente”, “melhor não fazer isso”, mas ele só ouvia a si mesmo e deu no que deu. Rosemary, que lia um livro debaixo de um salgueiro perto do pátio, fora a única que tivera a iniciativa de chamar alguém, já que seu irmão e seu primo preferiram rir de Theo por ser tão teimoso.

O resto da família real acabara de chegar à enfermaria onde Noah e Lukas tentavam a todo custo cessar seus risos. Elizabeth e David nem esperaram que ninguém os permitisse, num instinto paternal e em meio a seus poderes de governantes, simplesmente entraram na ala onde o filho estava, sem se importar se atrapalhavam ou não o tratamento médico. Charlotte por sua vez, que estava lá pelo simples fato de ter sido arrastada pela mãe, folheava alguma revista de moda com um ar entediado e um ar levemente vitorioso por ver o irmão quebrar a cara (ou o braço) ao menos uma vez em meio a todas suas imprudências.

— Afinal, o que foi que aconteceu? — Myrna sentou-se na cadeira ao lado de Lukas, aparentando uma face preocupada, mesmo que lá no fundo estivesse um pouco aliviada daquilo tê-la impedido de brigar com seus irmãos pela quarta vez naquela semana.

— É simples: o Theodore estava em cima de um cavalo enquanto deveria estar na cama por causa da febre, deu no que deu — Lukas virou-se para a mãe e sorriu.

Myrna riu junto ao filho. Fazia certo tempo que eles não conversavam sozinhos. Também, há apenas um mês atrás eram apenas ela, ele e alguns empregados. Agora estavam em meio ao castelo atordoado de confusões e laços desfeitos com mais sete pessoas que deveriam conviver pacificamente. Ela sentia falta de conversar com o filho.

— Francamente, quem quer fazer alguma atividade quando pode passar o dia descansando? — Rosemary cochichou para Noah.

— Essa é fácil; Theodore — Ele sorriu para a irmã. Enquanto a princesa esticava o braço para pegar uma das revistas da sala de espera, Noah avistou uma vermelhidão estranha em seu braço direito de pele alva e franziu o cenho — Rose, o que foi isso?

— Isso? Não foi nada — Sorriu timidamente, cobrindo a vermelhidão com a outra mão. Ela sabia que não podia falar que aquilo era culpa de seu pai arrastando-a até o corredor. Se o falasse provocaria uma briga estupenda entre Noah e Phillip, já que seu irmão sempre discutia com o pai por causa de seu desdenho com ela. Rose não queria mais uma briga, não agora.

De dentro da enfermeira, saía um Theodore de cara emburrada e um braço enfaixado. Aquela altura não sabia o que doía mais; o braço ou seu próprio orgulho. Odiava estar errado quase tanto quanto odiava perder. Agora sim seria obrigado a ficar deitado naquela maldita cama apenas encarando o teto. E ainda teria de aguentar Charlotte e suas piadas chatas. Soltou um palavrão quase incompreensível e sentou-se na cadeira mais afastada de todos, tentando evitar todos que o olhavam como se fosse louco.

Charlie sorriu consigo mesma e levantou-se de sua cadeira, indo exatamente na direção do irmão. Sentou ao lado dele na cadeira de quatro lugares azul e sorriu encarando a cara emburrada de Theodore. Puxou a mesma revista de moda e voltou a lê-la enquanto o irmão encarava-a com uma sobrancelha levantada.

— Você não vai falar nada? Isso me surpreende.

— Acha mesmo que perderia a chance de falar algo de você e dessa sua cabeça de ostra? — O príncipe suspirou, estava bom demais para ser verdade. Charlie gargalhou alto e jogou a revista de moda em qualquer canto da enfermeira. — Sério mesmo Theo? Quebrar o braço andando de cavalo? Para alguém que já ganhou o prêmio de hipismo, você deve estar bem enferrujado mesmo. Nem sei porquê tentam te convencer a não fazer besteira, é tão cabeça dura que nem se o seu eu do futuro aparecesse na sua frente te falando para não fazer isso você ouviria. É patético, sabia?

Theo revirou os olhos e optou por simplesmente ignorar a irmã. Estavam esperando apenas David e Elizabeth receberem o resultado final para que pudessem ir embora. No fim das contas, ninguém sabia ao certo o porquê de todos estarem reunidos, sendo que só Theodore era o ferido daquela história. Talvez fosse mesmo verdade que as pessoas só se reúnem de verdade nos piores momentos, mesmo que por algo como aquilo. Nenhum deles parecia ao menos disposto a se levantar e ir embora. Ficaram ali desde o começo, permaneceriam até o final. Talvez, com um pouco de tempo e muita paciência, aquela família destroçada pelo poder pudesse se unir e algum dia se tornar o que já fora, uma família unida de verdade.

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Enquanto Charlie não parava de falar feito louca, Lukas já havia desistido de ler a revista com as risadas altas da garota. Por fim, decidiu apenas se virar para o lado e assistir aquela briga, se é que podia chamá-la assim, pois só Charlotte parecia falar. Noah e Rosemary faziam a mesma coisa com um encostado no ombro do outro.

— Nessas horas eu agradeço por não ter nenhum irmão — Lukas riu e olhou para os outros herdeiros que também sorriram.

— Em minha defesa eu só implico com a Rose quando ela me irrita — Noah apontou para a irmã.

— Então eu sempre te irrito? Por que a única coisa que você faz é implicar comigo — Rosemary empurrou o dedo do irmão e sorriu, na realidade eles quase nunca brigavam, mas viviam rindo da cara um do outro. Sem dúvida alguma eles sempre foram o melhor amigo um do outro, mesmo ela sendo alguns anos mais nova.

Até que era verdade o que Lukas falara, nunca sentiu tanta falta de um irmão, isso não o perturbava tanto. O que realmente o deixava para baixo era a falta do pai. Não que seus tios fossem as melhores pessoas do mundo, mas no fundo, de um jeito estranho e rigoroso, eles amavam os filhos. A prova estava bem ali; David gritando com todos os funcionários para que lhe falassem logo como fora a fratura do filho. Lukas sentia falta daquilo, não que sua mãe não lhe desse amor, ás vezes o fazia de tal forma que se tornava sufocante, mas mesmo ela sendo mãe e pai ao mesmo tempo, ele sentia falta. Sentia falta de nunca ter conversado de homem para homem ou ao menos jogado alguma partida de tênis com o pai, Myrna sempre o dissera que aquele era o esporte favorito de Austin. A mãe nunca o contara como o pai morrera, falava pouco dele e quando falava nunca tocava no assunto de sua morte. Gostaria de saber um pouco mais sobre ele, principalmente como morreu, mas não pertubaria Myrna tocando naquela ferida dolorosa.

Quando os resultados finalmente saíram, descobriram que fora uma torção bem leve, mas Theodore precisaria ficar de repouso por alguns dias, para sua irritação. Todos saíam da enfermaria e iam direto para suas respectivas tarefas, quando Elizabeth segurou o braço de Charlotte em um dos corredores. A garota não entendia o que a mãe desejava, porém apenas seguiu-a até o seu quarto. Desde que se mudaram para o castelo sulista, Charlie não tivera a oportunidade de entrar no quarto da mãe. Era bem parecido com o que tinha em sua antiga casa, a mesma penteadeira rosa, a mesma grandiosa cama de dossel e as mesmas paredes brancas recheadas de detalhes dourados. A princesa sentou-se na cadeira junto a penteadeira que costumava invadir para roubar as maquiagens da mãe. Elizabeth, por sua vez, preferiu ficar em pé.

— Charlotte, querida, acho que temos um problema. Você e Theodore nunca tiveram um bom relacionamento, mas agora que está cada vez mais perto da coroação dele parece que tudo piorou...

— Ah, mãe! É tão injusto aquele idiota despreocupado poder governar todo o reino quando eu deveria ser a rainha, eu nasci primeiro, não ele! Não é justo! — Charlie tratou-se de falar na frente da mãe, lamentando-se, ela sabia que poderia ser uma boa rainha, melhor que o irmão até. Elizabeth respirou fundo e levantou a filha da cadeira, olhando-a no fundo de seus olhos azuis enquanto segurava seus dois ombros.

— A vida não é justa Charlie. Você acha mesmo que chegaria onde cheguei apenas me lamentando? Eu tive de lutar. Minha querida, você não pode simplesmente atacar seu irmão como uma adolescente mimada e esperar que tudo se resolva. Você é uma mulher forte, inteligente e independente. Se o mundo não te der oportunidade, crie-as.

Dizendo isso a rainha se retirou de seus aposentos e deixou a filha sentada na mesma cadeira. Charlotte sabia que ela tinha razão. Mesmo se o pai não a quisesse governando, ela daria algum jeito de fazê-lo. Sua tia Myrna foi capaz, por que ela não seria? A partir daquele instante, criaria sua própria oportunidade.