Sim.

Sim?

Aquela minúscula palavra serpeava a cabeça de Joana, a deixando nervosa e inquieta. Quando finalmente deitou-se no conforto de sua cama naquela noite, ela se imaginou transferindo um tapa no rosto de Joseph, logo depois que ele a reclamou “fique aqui e me espere”. O que ele estava querendo insinuar? Enquanto fazia a refeição da manhã, Joana fantasiou com a ideia de despejar o que ela pensava do pedido de Joseph, após o seu “não vá embora amanhã”. Ou o que ela gostaria de pensar. Mas quando atravessou a porta da biscoutaria há poucos minutos, seu coração disparou e os pelinhos do seu braço eriçaram. Tudo apenas pela perspectiva de vê-lo novamente. Um quase completo estranho, que a atormentava, irritava e lhe tirava o chão. Que a beijara sem permissão, e ainda sim a deixou desejando mais.

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Sua mente gritava que não confiava nele, no mesmo momento em que seus braços o envolviam mais perto. O motivo da presença de Joseph a perturbava, mas sua boca e seu corpo eram seduzidos por ele, sem hesitar. Era tão confuso que Joana soltou o ar com força, provocando um murmúrio que chamou a atenção dos funcionários que chegavam para fazer a DeCastro funcionar.

Ela lhes ofereceu um sorriso amarelo e um “bom dia” escapou de sua boca, mas sua mente continuava distante quando ela caminhou vagarosamente em direção ao grande balcão de madeira. Joana nem mesmo podia conversar com alguém sobre aquilo. Imagina só, que escândalo! A senhorita Joana, tendo encontros às escondidas. Ou sua reputação estaria arruinada ou acabaria casada com Joseph antes mesmo que pudesse terminar a frase “três biscoitos de trigo”. O pensamento lhe deixava enjoada. Quão condenada ela estava por beijar alguém sem estar casada com ele?

— Bom dia, senhorita Joana!

Uma vozinha infantil interrompeu os pensamentos de Joana. Do outro lado do balcão, uma garota tentava permanecer nas pontas dos pés para chamar a atenção da mulher a sua frente, o vestido rosa esvoaçando e o cachos pulando com a agitação.

— Olá, querida. – Joana ostentou um sorriso enorme, debruçando-se contra o móvel para se aproximar da garotinha.

— Olha, senhorita Joana, o que meu pai me deu para gastar com biscoitos. Quero aquela caixa ali.

Uma moeda solitária ricocheteou contra a madeira enquanto ela apontava energicamente para uma caixa vermelha no alto de uma prateleira. A garota precisaria de no mínimo duas moedas para conseguir uma daquelas.

— Ah, nossa... Uau. – Joana a animou um pouco mais, seu sorriso nunca diminuindo. – É claro, por que não?! Que biscoitos você vai querer para rechear aquela caixa?

Com as mãos pequenas espalmadas no vidro que os exibiam, a garota se concentrou, como se decidir fosse uma tarefa difícil demais. Joana entendia bem.

— O que acha de escolhermos de uma forma diferente?

Olhando para Joana sobre o vidro, um pequeno vinco se formou no rosto pequeno. – Que forma?

— Venha, dê a volta que eu te mostro.

Curiosa e entusiasmada, a garotinha correu até Joana sem titubear.

— Como você se chama? – Joana questionou, agora agachada à altura da garota.

— Ritinha.

Ao ouvir o apelido carinhoso que a haviam dado, Joana sorriu um pouco mais.

— Tudo bem, Princesa Ritinha. – Rita arregalou os olhos com aquilo, mas não a interrompeu. – Você vai fechar os olhos agora e imaginar que está percorrendo um imenso campo.

Quando Rita fez conforme ela disse, Joana alcançou um pequeno biscoito de banana e canela na vitrine, tão bem-humorada com a brincadeira quanto a garota a sua frente.

— O verde aos seus pés é o mais lindo que você já viu, as flores a sua volta são de tantas cores que você se perde ao tentar conta-las. Você está usando um lindo vestido azul como o mar, que flutua com o vento.

— Nunca vi o mar. – Rita cochicha, como se fosse um segredo.

— O que você vê sempre então?

— A terra dos fundos da minha casa.

Joana franziu o cenho diante da resposta inesperada e não conseguiu conter uma risadinha.

— Tudo bem. Um lindo vestido marrom, que brilha com a luz do sol. A medida que você corre, luzes cintilam a sua volta. Nas árvores ao seu redor, pequenos macacos estão saltando, para lá e para cá. Você pode os ver?

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— Sim, sim, sim. – Rita era quem saltava agora, fazendo Joana rir mais uma vez.

— E você está procurando o seu próprio animalzinho. Baltazar. Você já o procurou por todos os lugares.

— Baltazar? Que nome é...– Rita abriu os olhos, confusa.

— Não, não. Feche os olhos, porque agora vem a melhor parte: você finalmente o encontrou. Na maior e mais bonita árvore, Baltazar está pulando de felicidade por vê-la. Então quando você pode abraça-lo bem forte, o que você sente é incrível. Experimente.

Colocando o biscoito na mão pequena, Joana assistiu Rita o leva-lo a uma mordida, um sorriso de contentamento se espalhando em seu rosto antes que ela arregalasse os olhos.

— Acho que amo Baltazar!

— Tenho certeza que sim. – Joana exalou, entre risadas. – Agora sempre que você comer esse biscoito vai lembrar daquele campo, com Baltazar em seus braços.

— Eu os quero!

— Muito bem.

Àquela altura, as duas já estavam sentadas ao chão e Joana mal notava os olhares espantados e curiosos que os funcionários estavam lançando para aquela cena. Até mesmo um cliente estava dividido entre o choque e a risada.

— Agora feche os olhos novamente. – Joana pediu, sendo prontamente atendida por Rita. – Você, Princesa Ritinha, está no centro de um magnífico salão de baile. Espelhos, pinturas, detalhes ofuscantes. Seu vestido é de tirar o fôlego, repleto de brilhos dourados e você é a garota mais linda do mundo.

— Há música no salão?

— Com certeza. Suaves violinos estão tocando e você desliza pelo salão, sendo admirada pela princesa incrível que você é. Uma garota forte, determinada, que não tem medo de ser você mesma. E no fim daquele salão, o seu sonho perfeito está te esperando. Algo que te completa e te faz mais feliz do que você já é, e quando você finalmente o alcança, o encontro é tão doce quanto isto.

Joana leva um biscoito de mel para Rita dar uma mordida, ela mesma se deleitando com a outra metade. Rita está deslumbrada outra vez.

— Como a senhorita faz isso?

— Não sou eu. São eles. – Joana balança a caixa vermelha que a garota escolheu, agora repleta de biscoitos. – Toda vez que você os come, é levada para um lugar fabuloso. Mas esse é o nosso segredo.

Segredo que para Joana era totalmente verdade. O que mais explicaria a sensação, o suspiro satisfeito sempre que ela comia um biscoito daqueles?

— Sim, sim, sim, sim.

Rita está de pé novamente, saltando em seus sapatos e repetindo a palavra que momentos antes estava na mente de Joana. Achando graça da garota, Joana ergue o olhar para levantar-se e se espanta com os dois homens parados diante dela. Joseph e Manoel, que seguiram juntos para a biscoutaria, pararam seu caminho diante daquela cena incomum. Manoel tinha os olhos arregalados e o cenho franzido, como se diante de uma situação abominável. Revirando os olhos como se nem mesmo quisesse entender, ele desapareceu da vista de Joana.

Diferente de Manoel, Joseph continuou onde estava, as mãos escondidas nos bolsos da calça e a expressão impassível que analisava Joana. Então a mulher notou um brilho no olhar de Joseph e viu que ele agora pressionava os lábios, tentando não sorrir.

— Posso ajudar o senhor com alguma coisa? – ela se pronunciou enquanto levantava-se, achando estar no chão muito desvantajoso.

Joseph não disse nada por um momento, parecendo estudar a pergunta dela. A expressão inflexível deu lugar a algo quase cômico.

— Acredito que não. – ele disse, por fim. Então deu uma olhada pelo lugar. – O que a senhorita poderia me dar agora eu tenho certeza que não vamos querer plateia.

Ele não disse, disse? Joana arregalou os olhos, em horror. Rita, que examinava os dois com interesse e de repente percebia algo importante ali, olhou para cima, na direção de Joana.

O que ele quis dizer com isso, senhorita Joana?

Nada, querida. Nada. Este senhor já está de saída.

Mesmo lutando contra, o sorriso de Joseph estava escapando por seus lábios e ele estava tão atraente com o bom-humor mal contido e os cabelos em disfarçada bagunça que o coração de Joana acelerou ainda mais.

— Não. Acho que vou ficar um pouco mais.

Sr. Fretcher. Estou atendendo uma cliente. – Joana disse entredentes, o fuzilando com o olhar.

O fato de Joana usar o seu sobrenome porque, claramente, não gostava de ser vista usando o primeiro nome dele, só aumentou a graça para Joseph e ele se pegou querendo rir. Uma verdadeira e rara risada estava presa em sua garganta. Ah, aquela mulher...

— Eu percebi. – Joseph cedeu um sorriso para a garota aos pés de Joana. – Tudo bem. Estou indo. Mas antes vou levar um desses comigo.

E então apanhou um biscoito da caixinha de Rita.

— Ei! – as duas protestaram ao mesmo tempo, assistindo Joseph jogar o biscoito dentro da boca e desaparecer no corredor.

— Rum! – Rita resmungou. – Ele é um senhor malvado.

Joana permaneceu alguns segundos encarando a porta por onde Joseph seguira, desejando concordar com Rita, mas falhando miseravelmente. Seu coração palpitava com alguma emoção que ela não conseguia identificar e quase a fez entrar em desespero, pois naquele momento ela só queria uma única coisa: correr por aquele corredor e atirar-se nos braços dele.

Não. Nem pense nisso.

Quando Rita deixou a biscoutaria, com sua caixa embaixo do braço e escoltada por sua mãe, Joana se viu presa atrás do balcão entre um pedido e outro. Longas horas se arrastaram e Joana percebeu que Manoel nem sequer dera pela falta dela pela biscoutaria. Joana estaria feliz fazendo o que fosse ali, mas saber que seu pai não se importava só aumentava sua certeza de que para Manoel tanto fazia se ela iria trabalhar ou sentar e tomar café com suas irmãs. Aquele emprego era apenas para aquietar Joana e lembrar disso azedou o humor dela.

Caminhando até o escritório do pai para enfim buscar o livro de registros da biscoutaria, Joana se perguntou sem pretensão porque Isabel e Matilda ainda não tinham aparecido. Dentro do lugar, Alfredo estava sentado de frente para um concentrado Manoel atrás de sua mesa. Ele olhou para a filha por um breve momento.

— Estamos em reunião, Joana.

— Que bom. Vou ficar.

Joana prontamente sentou na cadeira vazia ao lado de Alfredo, tentando ignora-lo e imaginar que estava apenas Manoel e ela naquele lugar abafado.

— Não. Você com certeza tem outras coisas a fazer.

— Por que não posso ficar? Trabalho aqui também.

— Exatamente. Você é uma funcionária. Está vendo outros funcionários aqui?

Sentindo seu humor piorar ainda mais, Joana soltou um ruído que ficou entre uma risada ou um resmungo.

— Não acredito nisso. – cruzando os braços, ela recostou-se na cadeira. – Se é sobre a biscoutaria, eu gostaria de saber. Além de que, caso um dia o senhor me considere para cuidar desse lugar, acho importante eu estar a par de tudo, não?

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Joana parecia desafia-lo a negar e Manoel percebeu isso sem pensar duas vezes. Ah, ele nunca se acostumava com a filha impossível que tinha. Então o inesperado, tanto para Manoel quanto para Joana, aconteceu. Alfredo também o desafiou.

— Você vai considerar, Manoel?

O homem de cabelos brancos o encarou por um momento, tentado a descobrir do que se tratava aquilo, mas decidindo que não se importava. Com um suspiro resignado, Manoel deixou-se encostar em sua própria cadeira.

— Está bem, Joana. Fique. Estamos discutindo um pedido que recebemos.

— 50 quilos. – Alfredo acrescentou, parecendo satisfeito.

Joana não conteve a expressão de perplexidade.

— O que? De biscoitos?

— Sim, biscoitos. – Manoel abriu um enorme sorriso, imaginando que nada poderia animar mais o seu dia que aquela notícia.

— Quem fez esse pedido?

— Rio de Janeiro. Um fornecedor do Imperador. Já imaginou, D. Pedro II consumindo nossos biscoitos?

Manoel parecia quase sonhador e um vinco continuava permanente entre as sobrancelhas de Joana.

— Não entendo qual a importância disso. Pra mim não tem diferença se quem consome é o Imperador ou nossos clientes fiéis das redondezas.

O sorriso de Manoel desapareceu no mesmo instante ao ouvir aquilo. – Do que você está falando, Joana? É claro que faz diferença. Dá prestígio ao nosso nome. Nossos biscoitos, da cozinha da nossa fábrica para além de Pernambuco.

— Nosso nome está muito bem. – Joana tentou argumentar, mas Manoel apenas ergueu uma mão.

— Não quero discutir com você, Joana.

Joana balançou a cabeça, buscando palavras, mas logo Manoel tomou a palavra novamente.

— Infelizmente, nos deram um prazo muito curto. Uma semana. Preciso apressar o Fretcher com as minhas máquinas.

Agora a apreensão quase comprimia o peito de Joana.

— O senhor vai colocar as máquinas nisso?

— É claro que vou. Vamos ganhar tempo e ainda vou poder redistribuir alguns cozinheiros para outras funções. Inclusive, falarei com o Fretcher agora mesmo.

Batendo sua bengala no chão, Manoel deixou o escritório a portas abertas. O tecido do vestido estava preso entre os dedos que o apertavam com força e Joana permaneceu encarando o nada, tentando colocar os pensamentos em ordem.

— Tudo bem, Joana?

A voz de Alfredo chegou até ela, lhe tirando de seu entorpecimento.

— Sim. – ela sussurrou, já ficando de pé.

Quase já passava da porta, Alfredo estava a chamando de novo. Joana considerou não parar e apenas sair dali, tamanho desconforto que passara a sentir na presença daquele homem. Mas ele a alcançou, utilizando de alguma gentileza para fazê-la parar no corredor. Pela primeira vez em algum tempo, Joana realmente o analisou. Alfredo parecia ainda mais esguio do que ela lembrava, o rosto com sobrancelhas grossas e linhas de expressão marcadas, como se ele passasse tempo demais com o rosto amuado. Havia também poucos e recentes cabelos brancos brotando em suas têmporas e Joana se pegou perguntando-se quando passara a se aborrecer tanto com ele. Quando Alfredo tivera a ideia absurda de se interessar por mim, ela pensou.

— Queria te dar isso.

Ele deslizou um envelope para a mão de Joana, a fazendo temer o que estava escrito ali dentro.

— E queria me desculpar também. Por não ter intervindo ontem, com o Pereira. Não foi certo as coisas que ele te disse e eu sinto muito.

Joana olhou para o envelope envelhecido em sua mão por um momento, antes de decidir que realmente não o queria por perto.

— O senhor não tem que se desculpar por ele. E não preciso que intervenha, eu sei me cuidar. – e estendendo o papel na direção dele, ela continuou. – Leve isto.

Alfredo cerrou os dentes, antes de derramar-se em um sorriso.

— Não. Fique. Quero que você leia, quando estiver sozinha.

E então Alfredo envolveu a mão de Joana, deixando claro onde ele queria que o envelope permanecesse. Ela encarou a mão dos dois, sentindo um mal-estar, para erguer o olhar novamente e encontrar Joseph na entrada da cozinha, os encarando. Manoel estava ao seu lado, tagarelando e absorto, mas Joseph nem mesmo parecia ouvir, os olhos agora cravados nas mãos de Joana e Alfredo unidas.

Com um puxão abrupto, Joana retirou a mão e deixou o corredor, levando o envelope consigo para encerrar o assunto.

Joana inventou todos os tipos de desculpas para continuar na biscoutaria, mesmo quando todos deixavam o local com um “vamos lá, senhorita Joana” ou um “hora de fechar”. Ela permaneceu empoleirada no balcão, fingindo estar ocupada mergulhando a ponta da pena na tinta e rabiscando o verso do envelope que Alfredo a entregou. Quando a última pessoas deixava o lugar, ela prometeu que fecharia tudo em seguida, como sempre. Mas ao invés disso, com o nervosismo e o receio a consumindo por dentro, ela caminhava lentamente em direção a cozinha. Talvez apenas devesse ter deixado o lugar também. Mas ela disse sim. Ela quis dizer sim.

Encontrou Joseph como comumente estava: desgrenhado e com a expressão fechada. Ele organizava meticulosamente suas ferramentas no baú e apenas a olhou por um breve instante. Não precisou de muito para Joana notar que havia alguma tensão ali e ela temeu arrepender-se por ter ficado.

— Está arrependido por ter me pedido pra ficar?

Joseph dispôs o último alicate no baú, o fechando com cuidado antes de voltar a atenção para Joana. Ela parecia ainda mais bonita agora, de frente para ele, ansiando por descobrir qualquer promessa oculta que Joseph parecia ter feito. Era quase como se ele houvesse esquecido algo dela, um traço qualquer, e agora notasse o quanto ela era verdadeiramente linda. O que ele julgou impossível de esquecer, já que lutava fortemente para tirar Joana da cabeça, trabalho que o perturbava demais.

— Não. – ele disse apenas.

Joana assentiu e caminhou sem pressa até ele, parecendo despreocupada. Seu olhar parou nos artifícios de ferro, notando que agora existiam bases para duas máquinas ali. Ela rapidamente mudou de visão.

— Você não parecia tão mal-humorado quando chegou pela manhã.

Joseph bufou, desejando poder finalmente sentar depois de um longo dia em pé, mas incapaz de parar de olhar para aquela mulher. Antes mesmo que ele pensasse no que dizer, o que estava entalado em sua garganta fora colocado para fora.

— Como vai seu romance com Alfredo?

Achando a pergunta absurda, Joana quase começou a rir.

— O que? Do que você está falando?

Com um movimento de desdém nos ombros, Joseph estava claramente chateado com alguma coisa. Então quando ele ameaçou sentar-se, Joana ligou os pontos, quase perdendo o fôlego.

— Você está com ciúmes?

Joseph parou no percurso, incomodado. – É claro que não. Tenho pena do coitado que tiver que aturar seu gênio. Só posso desejar boa sorte para Alfredo.

Aquilo era muito engraçado, Joana pensou, mordendo o lábio para não começar a sorrir. Joseph estava inquieto com Alfredo e aquilo a surpreendia.

— Eu que tenho pena da coitada que tiver que aturar esse seu humor.

Ele ergueu uma sobrancelha para ela, sentindo-se desafiado e se aproximando um pouco mais.

— Tenho pena do coitado que vai passar o resto dos dias ao seu lado, aguentando sua teimosia e cabeça-dura.

— E eu tenho pena da coitada que... Que...

— Que o que?

Joseph diminuiu ainda mais a distância, para passar o braço pela cintura de Joana e a puxa-la de encontro ao seu corpo. Ele a manteve ali, a boca pairando sobre a dela.

— Que tenha que ficar tão perto de mim assim? Que tenha que me beijar assim?

Ela estava pronta para devolver aquilo quando Joseph a impediu, unindo os lábios dos dois com tanta avidez que Joana agarrou-se a ele, achando que tombariam ali mesmo. Ela prendeu os dedos nos fios macios do cabelo dele, os puxou quando Joseph se atreveu a lhe morder o lábio e o compeliu a continuar a beijando quando atrevidamente línguas deslizaram e ofegos podiam ser ouvidos. Joseph a impulsionou contra uma mesa, fazendo Joana colidir e lançar panelas para o chão. Nem mesmo o barulho foi capaz de separa-los, completamente alheios a qualquer coisa que não envolvesse mãos, bocas e beijos lascivos. Ele agarrou os tecidos do vestido, contrariado com a quantidade de pano que ela precisava vestir. Ele a queria, tão desesperadamente que sua mente parecia apenas um borrão perdido entre registar o gosto e o cheiro dela, esquecendo-se que estavam em uma cozinha e que podiam ser pegos a qualquer momento.

Joana estava extasiada. Nunca na vida sentira algo assim e parecia loucura. Mesmo que Joseph a investigasse, a consumisse e instigasse, não parecia suficiente. Ele a deixava ofegante, surpresa com as próprias vontades e assustada com a intensidade daquilo que queimava em seu peito e aquecia o corpo inteiro.

Quando notou que suas mãos guiaram-se para o casaco de Joseph, intenção clara de tira-lo, Joana ficou apavorada e lentamente começou a se afastar. Tentando recuperar o fôlego, apenas encaram-se e Joseph lhe ofereceu um pequeno sorriso, que ela prontamente devolveu antes de ficar séria novamente.

— Não tenho um romance com Alfredo.

Apesar do semblante taciturno que assumira, Joseph começara a afastar os fios soltos dos cabelos de Joana que atingiam o pescoço, correndo os dedos na pele exposta.

— Já vi vocês dois mais de uma vez, furtivamente pelos corredores. Ele claramente está interessado em você.

— Joseph, estou me encontrando com você, dessa vez por vontade própria, às escondidas aqui na biscoutaria. E estamos fazendo muito mais do que apenas falar. Tenho um romance com você?

Joana começara a se irritar. Insinuar que Alfredo e ela possuíam um romance a irritava. Percebendo isso, Joseph lhe encarou nos olhos, o polegar deslizando carinhosamente pelo rosto dela. Ele decidiu não responder àquilo. Não agora.

— Sei que não tenho direito de te questionar isso, mas é só que... – e se deteve, achando que era melhor para os dois que ele não tentasse dar nome ao que estava sentindo.

— Só o que?

— Nada.

Joseph se afastou para abaixar-se até o chão, sentando com as costas apoiadas contra a parede. Ele suspirou, aliviado de finalmente poder sentar e esticar as pernas daquela forma. Joana o olhava confusa.

— O que está fazendo?

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— Estou cansado e preciso sentar um pouco, mas não nessas cadeiras. – e estendeu uma mão para ela, esperando. – Venha.

Joana moveu-se até ele, lhe segurando a mão como apoio para sentar ao lado de Joseph. Ela esticou as pernas e notou com um sorriso que seus pés mal ficavam alinhados com os dele.

— Estamos sendo sinceros um com o outro? – Joseph arriscou depois de alguns momentos em um silêncio confortável. Sua mão havia buscada a dela, onde ele permaneceu preguiçosamente brincando com os dedos de Joana.

Ela apenas concordou com a cabeça, agora incapaz de desviar o olhar do homem ao seu lado, mesmo que o dele estivesse perdido em algum ponto na cozinha. Joana analisou o perfil bonito de Joseph, resistindo a vontade de percorrer a ponta dos dedos pela barba dele.

— Então posso fazer uma pergunta sincera?

Joana sorriu desconfiada e Joseph finalmente a olhou, levando os dedos dela até seus lábios, onde deixou um demorado beijo. O sorriso dela desapareceu.

— Por que você ainda não está casada?

Por que ele estava perguntando aquilo? Joana revirou os olhos.

— Por favor, não me diga que você é mais um que acha um absurdo uma mulher de mais de 20 anos ainda não estar casada.

Joseph fez uma careta, como se nem mesmo fosse engraçado considerar aquilo.

— Não, é claro que não. Não sou um desses homens que passam o tempo se preocupando com o que uma mulher faz da vida. Não tenho tempo para prestar a atenção na vida de ninguém.

Ela não disse nada e ainda o olhava intrigada. Joseph sustentou o olhar dela, desviando em um momento de fraqueza na direção da boca de Joana, que ele considerou beijar novamente. Então se deteve, porque ele queria muito saber. Queria saber a versão dela do que se passava naquela cabeça dura e extremamente bonita.

— Minha irmã mal completou 22 e já está casada, e eu não fiquei muito feliz com isso, então...

O rosto de Joana se iluminou.

— Você tem uma irmã? – ela perguntou, interessada demais. Ela não deveria ficar tão animada por descobrir mais um pedacinho de Joseph, que ainda era um mistério para ela.

— Você não respondeu a minha pergunta.

— Ela está em Londres? Como ela é?

Joseph acabou sorrindo com a teimosia. – Responda a minha primeiro e responderei as suas.

Soltando o ar em desistência, Joana voltou a olhar para frente enquanto pensava no que responder.

— Eu não sei como responder à isso. Não sei se estaria sendo sincera ao dizer que estava esperando alguém por quem eu realmente sentisse algo, porque na verdade nunca me preocupei com isso. Não passei meus dias considerando o casamento ou quando devia fazê-lo. Só estava... vivendo. Me ocupando, preocupando-me com a biscoutaria...

Quando Joana o olhou, o sorriso de Joseph estava ainda maior. Então ela esperou que ele dissesse algo, mas tudo que Joseph fez fora inclinar-se na direção dela, deixando os lábios dos dois encontrarem-se demoradamente.

— Me responda agora.

— Sim, tenho uma irmã. Olivia. – ele revelou, depois de uma longa inspiração.

— Ela está em Londres?

— Não em Londres, mas ainda na Inglaterra. Ela se mudou para Hampshire quando casou com Attilburgh.

— Attilburgh? – Joana testou o nome, sem conseguir parar de sorrir. – O que ele é? Um conde?

— Um marquês.

Joseph parecia descontente com o fato do marido de sua irmã ser da nobreza – ou com o simples fato da irmã estar casada – e Joana achou aquilo ainda mais divertido. Ela desejou conhecer Olivia, mesmo que através das palavras de Joseph.

— Como ela é?

Ela esperou pacientemente enquanto Joseph parecia perdido em pensamentos ou lembranças, antes de finalmente falar.

— Ela é... incrível. Sempre fomos muito próximos, mesmo que nos últimos anos eu não consiga ficar muito tempo por perto. As circunstâncias nos obrigaram a ser próximos. Ela é cheia de vida, gentil demais até, está sempre com um sorriso no rosto.

— Fico feliz que o mau humor não seja herança de família.

Joseph soltou uma risada sem humor, tentando esconder que estava incomodado. Mas Joana notou.

— De que circunstâncias você estava falando?

Sentindo seus nervos começaram a alterar-se ainda mais, Joseph encarou os olhos escuros dela, impelido a encerrar o assunto, mas lutando para não fazê-lo, por ela.

— Há muito tempo, Olivia é minha única família. Fui a única família para ela também.

Aquilo partiu o coração de Joana, mesmo que ela, por algum motivo, não estivesse nem um pouco surpresa.

— E os seus pais? Eles estão...? Você sabe.

Depois do que pareceu uma eternidade, Joseph se moveu, para desviar o olhar do dela. A expressão dele se tornou tão obscura que Joana já abrira a boca, pronta para dizer que podiam deixar aquilo para lá.

— Minha mãe, sim.

— E o seu pai? Você não parece gostar muito dele.

— Essa é uma forma de colocar isso em palavras.

Joseph parecia tentar fazer graça da situação, mas não havia nem um traço de ânimo em seu rosto. Reclinando-se até ele, Joana deixou um beijo em seu ombro, onde em seguida deixou que sua cabeça deitasse. Uma pequena marca de nascença no pescoço de Joseph apontava em sua direção e ela não conseguia parar de olhar.

— Ele está muito bem em Londres, fingindo que eu não existo. Mas ele também não existe para mim, então estamos no mesmo pé.

Antes que Joana soubesse o que exatamente deveria dizer diante daquilo, Joseph continuou a falar e ela percebeu que ele estava ficando ofegante e alterado, como se não pudesse conter que as palavras saíssem e elas o atropelassem.

— Eu o detesto. Tanto que não sei como expressar isso. Meu mau humor é herança de família sim. Tudo de ruim que existiu na minha família é herança da pessoa que ele era. Que ele é. Eu tentei muito me conciliar com ele, mas desisti quando nem tinha 16 anos ainda. As vezes não consigo acreditar que meu pai é o meu maior inimigo. Até nos negócios.

— Ele é o motivo pelo qual você nunca volta pra casa?

Joseph não disse nada, mas não precisou. Joana sabia bem a resposta e estava com a garganta pinicando com as lágrimas que tentava segurar.

— Eu estarei aqui, quando você quiser falar. Porque Joseph, de verdade? Acho que você nunca falou sobre isso com alguém.

Ele sorriu um pouco com aquilo e quando Joana o envolveu com os braços, em um abraço apertado, a cabeça repousando sobre o peito dele. Que loucura! Ela estava consolando Joseph, o homem que ela jurou não confiar, até mesmo detestar.

— O que é loucura?

Sem interromper os vagarosos beijos que deixava nos cabelos de Joana, inalando o cheiro do sabonete dela, Joseph começou a lhe acariciar as costas. Joana estava com os olhos arregalados ao perceber que falara em voz alta, e seu pavor aumentou ainda mais quando ela sentiu Joseph desfazer o último nó das amarras de seu vestido, a livrando um pouco do aperto e permitindo que mais ar entrasse em seus pulmões. Ela quase soltara um suspiro de alívio.

Isso. — e com a mão fez menção aos dois. – Eu nem mesmo gosto de você.

Joana podia sentir o sorriso dele contra os seus cabelos e não se deteve, decidindo dizer de uma vez o que estava começando a incomoda-la.

— Onde isso nos coloca?

Um barulho pode ser percebido dali e Joana se empertigou. O temperamento de Joseph mudara consideravelmente, um sorriso até dançando em seus lábios enquanto ele olhava Joana ficar atenta por um momento.

— Isso nos coloca em uma posição em que estamos aproveitando a companhia um do outro. Ou tentando.

Joana bufou, insatisfeita com a resposta. Estava sentada agora, o espartilho a mantendo ereta. Olhou para o lado, examinando as longas pernas de Joseph cobertas pelas calças pretas.

— Não sei se consigo fazer isso. – ela confidenciou, o olhando em seguida por medo de que não tivesse escutado.

Mas Joseph estava muito atento a qualquer movimento dela, compenetrado em como ela lhe tirava o fôlego assim, o olhando sobre o ombro.

— Algumas pessoas se envolvem apenas pelo contato físico.

— Eu sei disso, Joseph. Só não sei se eu sou uma dessas pessoas.

Joana estava tentando parecer segura enquanto colocava suas inseguranças para fora, temendo que Joseph percebesse sua voz quase falhando. O que mais ela poderia fazer? Nunca estivera em uma situação dessas, nem imaginara que estaria. Permaneceu em silêncio por algum tempo, percebendo que a parte de si que estava insegura era a mesma que o queria por perto. Que acreditava que algo ganhava vida dentro de si mesma toda vez que ele a tocava.

Atrás dela, Joseph também refletia. Ele nunca seria capaz de pedir a Joana que fosse amante dele. Por algum motivo, parecia errado. Como se ao pedir isso ele retirasse dela algo que deveria ser entregue para alguém que Joana quisesse dar, sem sacrifícios. Não que ele acreditasse na hipótese de Joana aceitar tal coisa contra a própria vontade, mas ainda assim... Então quando ela o rejeitasse, ele teria que deixa-la partir.

Joana quebrou o silêncio.

— Meu pai falou com você?

— Sim. Estarei aqui às 4 da manhã para trabalhar.

A voz dele era cansada e Joana ficou de pé, contrariada. Joseph assistiu enquanto ela começava a caminhar lentamente pela cozinha. Respirou fundo. Talvez fosse a hora de encerrar a noite, antes que acabassem discutindo mais uma vez.

— É o meu trabalho, Joana.

— Não gosto disso. – sussurrou, assim que notou Joseph já perto dela.

— Se você der uma chance...

— Não.

Joseph a encarou duramente, mas Joana devolveu com a mesma intensidade. Então ele decidiu terminar aquele assunto.

— Você não tem como saber se vai dar errado, mas eu não quero discutir com você.

— É a segunda vez que me dizem isso hoje.

Ela estava sorrindo, mas Joseph podia ver a tristeza nos olhos dela e não gostava daquilo. Queria ver animação naquele olhar, atrevimento, curiosidade. Queria que ela até o provocasse, se aquilo fosse deixa-la feliz.

— O que tem no andar de cima?

Joana franziu o cenho, seguindo o olhar dele até o teto.

— É só o depósito das mercadorias.

— É mesmo? Fiquei me perguntando como chegava lá. Talvez você queira me mostrar.

Parecendo ainda mais confusa e desconfiada, Joana não notou que Joseph estava tentando distrai-la.

— Tudo bem.

Joana alcançou uma vela e começou a conduzi-lo de volta ao corredor, onde uma porta escondia a escada que levava para o andar superior e pouco visitado da biscoutaria. Mas antes mesmo que chegassem, Joseph a envolveu pela cintura, colocando Joana contra uma parede e soprando a vela em seguida, mergulhando os dois em completa escuridão.

— O que...

Ela nem mesmo conseguiu terminar a frase, a boca de Joseph já impetuosa contra a sua. Impossibilitada de enxergar o que Joseph estava prestes a fazer ou o brilho indecente nos olhos dele, Joana se rendeu a única coisa que podia fazer: sentir. E arfar, desejar, enlouquecer. Ela o explorou com as mãos, ele renunciou os lábios dela para si. Pressionou-a contra a parede, lhe mordeu o pescoço. Sons escaparam dos lábios de Joana, mas ela não estava se importando mais. Aquele era mais que um beijo de despedida. Era uma promessa silenciosa e deliciosa, de que seja lá o que estiver acontecendo entre os dois, um estava tão entregue quanto o outro.

Naquela madrugada, o sol acanhado ainda sem ameaçar surgir, sapatos deixaram passos lentos para trás e rangidos pela madeira. Deixaram perguntas não respondidas, olhares atordoados e dezenas de sacos de farinha revirados e corrompidos, esperando para serem descobertos e causarem estardalhaço.