Divergentes - A Luta

Velhas recordações


4 anos antes…

– Mãe, Beatrice não pára! Ela vai rasgar meu livro!! – Meu irmão choramingava e eu colocava minha língua de fora em desafio.

– Caleb, tenha paciência, ela é só uma criança. Você é o mais velho, tente se compreensivo…

– Mas mãe, eu estou tentando ler meu livro sobre genética, e ela só está atrapalhando! Eu preciso de concentração… - Ele olhou para mim com cara de zangado e eu me encolhi no banco agarrada às minhas pernas. Ele suspirou. E se aproximou, me falando baixinho – Você fica quietinha agora e eu te levo no lago sem a mãe saber.

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Eu o encarei e abri um sorriso. Assenti, me agarrei à minha boneca e fiquei olhando pelo vidro do carro os prédios e edifícios darem lugar a grandes arvores. O ar tinha um cheiro diferente mas eu nunca me cansava desse lugar. Vínhamos para aqui todos os anos desde que nasci, ou seja à doze anos já. Cansada da viagem comecei a ficar um pouco irrequieta e Caleb me emprestou seu Mp3 para me manter ocupada. Meu pai parou o carro em frente a uma clareira onde tinha três cabanas, como de costume. – Meninos, chegámos!

– Papai, dessa vez você vem brincar comigo? – Perguntei inocentemente.

– Eu não posso minha filha. – ele abana a cabeça. – Tenho umas coisas a tratar com Max. Mas você terá Uriah para brincar com você.

– Uriah também veio? – Me empolguei. E só via ele nestas alturas que vínhamos para a campina. – Boa, eu posso ir com ele para o lago?

– Só se sua mãe for com vocês – ele alertou sério. Eu concordei. Entreguei o aparelho a Caleb e corri para fora do carro. Meu pai abriu a bagageira e eu peguei minha mala e a pequena mochila cor-de-rosa. – Consegues levar isso Bea?

– Eu não sou Bea! Sou Beatrice – Resmunguei – E eu consigo levar sim.

– Pai, ela prefere que chame ela Tris – Meu irmão gargalhou mas eu ignorei tentando subir as escadas com a mala. Entrei e fui direta para o quarto que ficava ao fundo do corredor. Eu sempre ficava nesse quarto que tinha uma cama de dossel branco e vista para o lago. Ouvi vozes no quarto ao lado do meu e tentei escutar. Eu sou curiosa mesmo. Saí do quarto sorrateiramente e me aproximei da porta do lado.

– Você acha que está pronto para isso? – Eu tenho certeza que essa voz era do meu pai. – Eu acho que é cedo ainda.

– Não pai! Eu já tenho dezoito anos, tenho -me esforçado para perceber como tudo isso funciona. Eu estou preparado para ajudar suas pesquisas. – Caleb lhe assegurou. Não consegui ouvir mais nada porque ouvi minha mãe aproximar-se. Tentei parecer tranquila como se estivesse saindo do quarto na maior descontração. Ouvi um carro estacionar e não quis saber de nada. Desatei a correr para fora da cabana ouvindo o riso contido da minha mãe.

Vi um menino pouco mais velho que eu sair do carro que acabara de chegar.

– Uriah! Você chegou! – Gritei enquanto corria.

– Tris!! – Ele gritou de volta correndo também. Nos encontramos a meio do caminho e ele me abraçou – Que saudades Tris!

– Também tive saudades – falei, me soltando – Meu pai disse que podemos nadar no lago se minha mãe for junto!

– Jura? Eu quero tanto nadar no lago! Eu trouxe bisnagas de água! Uma para mim e outra para você – ele sorri tímido, ficando ruborizado.

– Vamos! Tenho certeza que ganho a você! – Ele foi buscar as bisnagas em seu carro e começou a correr atrás de mim.

* * *

– Uriah, pára!! – Falei rindo enquanto ele me atirava água no lago. Minha mãe estava na borda olhando por nós. Já se passaram duas semanas que estávamos aqui. Raramente via meu irmão, o pai de Uriah ou meu pai e quando o via estava discutindo com minha mãe. Não sabia do que se tratava. Só percebia minha mãe dizendo que estavam-se arriscando demais e que era perigoso. Um dia eu resolvi procurar meu irmão com Uriah. Acabámos por encontra-lo na terceira cabana, no porão. Ele parecia estar numa espécie de cozinha? Não, não cozinha. Era como um…

– Uau que laboratório maneiro! – Uriah falou maravilhado passando a mão na bancada de inox.

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– Não toquem em nada! – Meu irmão ordenou – O que estão aqui a fazer? Não deviam estar aqui.

– Você trabalha com meu pai? – Uriah ignorou meu irmão. Eu caminhava pelo espaço olhando tudo com olhos de lince. – Meu pai tem um laboratório em casa também mas é mais pequeno. Ele nunca me disse o que fazia.

– Talvez porque não seja assunto para garotinhos. – meu irmão adiantou – Agora saiam antes que eles cheguem.

– Olha! Sumo de morango – O copo com a bebida vermelha captou minha atenção e eu peguei e bebi tudo de uma vez.

– BEATRICE!! O QUE VOCÊ FEZ? – meu irmão gritava.

– É!! Nem deixou um pouco para mim – Uriah cruzou os braços emburrado. Meu irmão remexia uns papéis e uns líquidos com pânico em seu olhar. Nesse momento chegaram os dois homens.

– Que gritaria é essa? Caleb porque eles estão aqui? – me pai perguntou´

– PAI!! ELA BEBEU!! ELA BEBEU!! – Ele repetia e eu estava parada, sem reação.

– Beatrice? Ai meu Deus! Eu vou levar ela para o quarto – meu pai me pegou no colo e me tirou dali rapidamente. Quando percebi já estava no quarto. Meu pai me colocou carinhosamente na cama, debaixo das cobertas – Filha, me ouve. Não sai daqui tudo bem? Se sentir alguma coisa, dores, algo esquisito chama tudo bem?

– Tudo bem papai – dou um sorrisinho me enroscando nas cobertas. Ele me deu um beijo na testa e fez menção de sair – Papai?

– Diz filha.

– Aquilo não era suco de morango pois não?

– Não filha, não era. Agora descanse

* * *

Vejo pela janela do meu quarto Uriah a nadar no lago com minha mãe. Nunca conhecera a mãe dele. Acho que seus pais eram divorciados. Eu queria muito juntar-me a eles mas meu pai não me deixou. Disse que eu devia manter –me quietinha no meu quarto o que era uma tarefa difícil para uma criança. Encontrei na estante um livro de capa azul céu com algumas nuvens e a cara de uma rapariga do lado direito. Olhei o título: “ A lua de Joana”. Sem nada para fazer comecei a ler mas logo me arrependi. Não por o livro não ser bom, porque ele era, mesmo para uma garota de doze anos como eu mas logo se via que não era um conto de fadas com final feliz. Muito pelo contrário. A história começa logo com a morte por overdose de drogas da melhor amiga de Joana, a Marta. O livro não era grande pelo que o li em dois dias. Nunca havia gostado de ler mas este livro foi a exceção e me fez perceber o que eu estava perdendo. O livro me mostrou em como as pessoas pensam em como nossa vida parece perfeita quando na verdade estamos a desmoronar por dentro e ninguém percebe até que seja tarde demais. Eu terminei o livro chorando. O pousei ao meu lado e me deixei levar pelo sono.

– Beatrice! Acorda! – Meu irmão sussurrava, mas um sussurrar assustado. Parecia em pânico. Mas eu ignorei. Olhei pela janela. Ainda estava escuro. Resmunguei e deitei a cabeça na almofada novamente.

Caleb praguejou algo nervoso e me arrancou da cama me colocando sob os seus ombros. Ele me mandou ficar quieta e calada. Eu obedeci e no momento que íamos sair do quarto vejo pela janela luzes de um carro. Parecia uma SUV preta mas não podia dizer com certeza. Senti as costas de meu irmão ficarem tensas e ele desatou a correr. Queria perguntar o que se passava mas ele me tinha falado para estar quieta então foi isso que fiz. Ele me levou pelas traseiras onde estava nosso carro e me atirou lá para dentro, entrando ele também em seguida. Reparei em Uriah ao meu lado e minha mãe ni lugar de condutor.

– Mãe! – Gritei quando ouvi sons que distingui serem tiros na frente da casa.

– Shh, amor, vai ficar tudo bem. – Minha mãe olhou para mim e tentou sorrir mas a única coisa que via em seus olhos era dor, angustia que se transformaram em lágrimas. Ela limpou-as rapidamente e virou-se para a frente arrancando o carro – Baixem-se!

Minha mãe gritou quando passamos pela SUV. Tiros ricocheteavam no metal do carro. Idiota como eu sou levantei um pouco a cabeça quando cessaram os tiros. Vi meu pai e pai de meu amigo de joelhos no chão com armas apontadas na sua cabeça. Fechei os olhos com força e ouvi dois tiros. Comecei a soluçar alto desesperada. Uriah tentou não demonstrar a sua dor mas foi impossível. Ele se abraçou a mim como se fossemos o suporte um do outro.

Chegámos a minha casa todos em silêncio e de olhos vermelhos. Uriah ficou connosco também essa noite. Subi as escadas a correr e me meti na cama. Eu me sentia a Joana do livro, em que num momento tudo era perfeito e no outro via tudo virar de cabeça para baixo. Acabei por adormecer. Durante o sono tive uma impressão estranha como uma picada em meu pescoço mas devia ser fruto da minha imaginação mesmo.

No dia seguinte só acordei a meio da tarde. Ao sair do quarto vi meu reflexo no espelho. Eu estava um caco, mas também, quem não estaria? Entrei no banheiro e resolvi tomar um banho de água bem gelada. Se custou? Claro, mas também foi um alívio. Vesti uns calções cor de pele e uma blusa preta. Me deixei ficar descalça mesmo e desci as escadas. Me deparei com Uriah, minha mãe, a mãe de meu amigo e alguns polícias. Desci devagar para não repararem na minha presença mas foi em vão. Todos olharam na minha direção. Uriah se levantou e entrelaçou sua mão na minha me levando para sentar ao lado da minha mãe.

– Filha, s-seu i-irmão desapareceu – Minha mãe soluçou e meu coração apertou. – Você sabe de alguma coisa? Qualquer coisa que possa-nos ajudar a encontra-lo?

Eu neguei e minha mãe me abraçou enquanto Uriah continuava segurando a minha mão. Caleb desapareceu, meu pai morreu… O que faltava mais acontecer?

– Ei, Beatrice não é? – Um policia se aninhou perto de mim – Se lembrar de algo diga para sua mãe nos avisar tudo bem? Eu sou o Eric.