Estou deitada no canto da cornucópia como se fizesse parte da parede metálica e fria. Estou tão quieta que só posso escutar minha leve respiração. O amanhecer está se aproximando assim como nossas dádivas mais desejadas.

Imagino como tudo ocorrerá: violentamente. Porém, o que menos quero agora é imaginar todas essas lutas e armas, pois se der algo errado eu terei que enfrentar tudo, e é só pensar na situação, que fico enjoada.

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Mas o embrulho no estômago não é só medo e ansiedade, mas, também, vermes. A água que andei tomando nos últimos dias não estava totalmente limpa e as doenças contidas nelas estão começando a fazer efeito em mim. Eu sabia que isso iria acontecer, mas eu não podia ficar fraca justo naquele momento. A dor que fica em meu estômago é avassalador, mas fecho os punhos e seguro meus gemidos.

A brisa gelada que fica batendo no meu rosto, agora está ficando mais leve e o clima abafado. Lembro-me que ficará extremamente quente, de acordo com as súbitas mudanças climáticas preparadas pelos idealizadores.

Cerro os olhos á fim de enxergar algum pé ou olhos de tributos e localizá-los. Tentativas inúteis, pois a grama está alta demais, e tampa a visão de quem está deitada. Arrisco-me a levantar minha cabeça alguns centímetros, mas novamente não enxergo nada. Como estou muito ansiosa dou-me a impressão que o tempo corre mais devagar e isso me deixa aos nervos. Concentro-me em meus planos e começo a repeti-lo aos sussurros:

‘’ Pego a mochila, saio correndo para o oeste, onde lá haverá um rio, de acordo com que me lembro. Em seguida pego água e vou atrás da minha sobrevivência. Pego a mochila, saio correndo, pego água, vivo. Pego a mochila... ’’

Algo tira minha atenção ao plano. Prendo a respiração e encolho-me contra a parede e olhando de lado para ver se chegaria alguém. Isso foi algo supérfluo, pois nada havia acontecido. Vejo que o barulho foi feito pelas folhas mortas e amarronzadas jogadas no solo. Mas assim que olho á minha frente, eu vejo no chão dois pés no fundo da floresta. Estavam paradinhos e esperando. Eles estavam a quinze metros de distância um do outro. Tento reconhecer algum tributo, mas não seria possível. Simplesmente sei que eles estão lá. Olho a oeste, mas não há ninguém. Até agora posso ir naquele caminho.

Espero olhando para as gramíneas que estou deitada. Coloco o queixo no chão e começo a abrir e fechar a boca. Isso serviu de distração.

TUM.

Um barulho toca no ar. Por um instante penso que é um canhão, mas o barulho não foi muito alto para tal. Mas aí percebo que o solo dentro da cornucópia começa a dar uma leve vibração e a seguir um barulho de máquinas. Fico alerta para qualquer tipo de perigo e já traço uma rota de saída da cornucópia. Mas essa alternativa acaba de ser descartada: O chão a minha frente se abre num pequeno retângulo e dessa forma uma mesa comprida e estreita sai. Nela estão quatro mochilas. 5, 2,12 ,11. Minha mochila é de um tamanho médio.

Mais uma vez a dor de estômago me faz estremecer, mas agora uma ponta de alegria está mesclada. Não podia perder mais tempo. ‘’um, dois, três. ’’

Não estava pensando em mais nada, simplesmente vi a gramínea esverdeada e calma ficar abaixo de mim, o sol se erguer e ofuscar meus olhos. Sinto algo em minha mão. É minha pequena mochila e vejo-me correndo no campo aberto da cornucópia. Olho para o ponto que é uma abertura entre duas árvores, e é lá onde entrarei. Percebo o quanto o caminho é longo e como algum segundo a mais me custará a vida. Ainda que não sinta nenhuma faca ou flecha em minha direção, me preocupa alguém ir para o lado oeste e me encontrar.

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De repente tudo escurece e a clareira enorme da cornucópia vira um pequeno buraco entre duas árvores. Continuo correndo sem parar, viro a esquerda depois a esquerda de novo e começo a desacelerar. Vou olhando onde piso para não fazer barulhos. Olho para todos os lados e agora vou andando cautelosamente. Qualquer barulho chama-me a atenção e começo a respirar forte pela correria e abafar o barulho vai virando algo bem difícil. Sempre que ando não perco a linha mais clara no fundo que é a cornucópia, pois quero ver tudo aquilo.

Subo numa árvore rapidamente e perto suficiente da cornucópia. Quando percebo tudo que houve dou um leve sorriso e olho para a bolsinha, mas a risada eu tranco dentro de minha boca, pois aprendi que rir alto demais me trouxe muitos problemas.

Olho em direção à cornucópia e vejo como estou perto, fico mais cautelosa para não me perceberem, mas o tumulto que está lá ninguém perderia tempo olhando-me: Katniss acabara de pegar sua bolsa que é consideravelmente pequena, quando uma faca atinge em sua testa. Faço uma careta imaginando a dor. Ela cai no chão e bem na hora que vai levantar, Clove, a garota carreirista, está em cima dela. Vejo que elas respiram forte e Katniss faz o máximo para se soltar. Elas brigam um pouco, mas a tributo do 2 mobiliza-a no chão colocando os joelhos sobre suas mãos e todo seu peso sobre seu corpo. Ela pega a faca e começa a contornar os lábios de Katniss. Não sei o que a carreirista está fazendo, mas uma aflição me atinge e penso na morte de Katniss. Isso me deixa um pouco desconfortável, apesar dela ser um inimigo forte.

Vejo no outro lado o garoto do distrito 11. Ele sai correndo e pega sua mochila que é a maior de todas e antes de ir embora se vira e vê Clove ameaçando a garota do 12. Não entendi exatamente o que ele ia fazer. Ele ia matar as duas? Ou ia se sacrificar? Mas minhas perguntas foram respondidas quando ele pega Clove pelas costas, gira ela no ar e a arremessa no chão. Agora vi o quanto a garota carreirista era pequena e delicada ao lado do tributo do 11.

Ela está com os olhos esbugalhados e tentando se levantar de alguma maneira, o que me lembrou duma tartaruga tentando se levantar quando está caída de costas para baixo. O tributo do 11 pega Clove novamente e a coloca contra a parede, começa a chegar bem perto dela com um sentimento mórbido, e incrivelmente conseguiu botar medo de verdade nela:

- Cato! Cato! Por favor! Cato! Cato! – Ela gritava como se fosse uma pequena garotinha. A voz dela era fina demais, continha medo e falta de esperança, desespero e choro.

Mais uma vez Clove cai no chão e com uma pedra relativamente grande, o tributo do distrito 11 esmaga a cabeça da carreirista e a silencia no mesmo instante, como se fosse um pequeno inseto indefeso. A cena foi tão apavorante que me fez fechar os olhos e tentar esquecer a face de Clove totalmente esmagada com sangue espalhado por todo canto e o nariz, olhos e boca em lugares que jamais pertenceriam a um humano normal. Isso me faz lembrar o pequeno pássaro que matei com uma pedra. Meu estômago da uma revirada de novo.

Agora ele vira-se para Katniss, hesito por um momento fechando meus olhos e pensando numa outra morte terrível, porém ele não faz nada. Provavelmente está falando algo. Depois volta a mesa e pega a mochila com o número 2. Dou um leve sorriso sabendo que ele roubou a dádiva preciosa do tributo carreirista (que felizmente agora é só um). Isso me deixa mais confiante e com a certeza da fraqueza do carreirista. Katniss também sai correndo de um jeito estrambelhado e só resta o corpo desfigurado e imóvel de Clove.

Tudo acontece tão rápido que ainda estou processando tudo. Antes de pensar em pegar os objetos de Clove vejo Cato atravessando o campo da cornucópia em direção a sua parceira. Ele para em frente a ela sem acreditar no que acontecera. Ele não só se ajoelha, mas quase cai quase em cima dela. Pega suas mãos e as coloca contra seu peito e apoia sua cabeça na barriga ensanguentada de Clove e ele começa a gritar:

- Não! Não! Não! – Um tom melancólico atingiu todo o campo – por favor, Clove! Fique comigo! Não se vá! Clove, me escuta! Fique comigo! Clove! – Ele ia gritar de novo, mas ele caiu de novo contra a barriga ensanguentada e começou a chorar. O canhão ainda não havia soado então ela continuava viva. Ele gritava, chorava e fazia aquela cena algo quase impossível de se ver. Ele começara a alisar seus cabelos e voltava ao seu escândalo.

BUM. O canhão de Clove, a carreirista, tocara. O choro erradicou na mesma hora. Ele apertou firmes as mãos de Clove, deu um beijo em sua testa e depois em algum lugar que deveria estar seus lábios. Pegou a mochila de Clove e respirou fundo. Sua expressão foi de tristeza para algo pior ainda: algo doentio, raivoso, com sede de sangue por meio da vingança. Ele começou a chorar e fazer um escândalo novamente enquanto chutava e dava socos no ar. E em seguida começou a gritar:

- Eu vou acabar com sua raça, Thresh! Eu vou te matar! Te matar! – E continuou a dar socos e chutes enquanto andava em direção à floresta. Então o nome do tributo do 11 é Thresh. Agora ele é principal da lista de tributos violentos que devo me preocupar.

O último grito do tributo do 2 cessa e a floresta fica silenciosa. Agora sim. Agora sim o verdadeiro monstro que possuía o tributo do 2 está acordado. E ele está pronto para matar qualquer um.