Desvios

Capítulo 7 - Males Que Vêm Para o Bem


Cascão desligou seu celular depois que saiu da casa de Mônica. Ao aproximar-se do colégio, o frio na barriga parecia corroê-lo por inteiro. O garoto não queria escutar ninguém, não queria dar explicações ou receber olhares de pena, talvez até de dúvida. Ele estava nauseado, só que, se ele matasse aula, apenas pioraria a situação toda.

Ele estava tão transtornado com a situação que havia colocado dois pés de tênis diferentes, um all-star jeans, e o outro sapatênis verde, o qual, aliás, ele nem se lembrava da existência. No entanto, aquilo não trazia ao garoto preocupação alguma. O que o transtornava era a turma.

Ah, por que eram todos tão intrometidos? Cada gracinha que ele teria de ouvir, olhares feios, provavelmente um gelo de Cascuda, um Cebola interrogativo e uma Magá o olhando com pena.

“Magá!”, então ele se deu conta dela. A garota que na noite anterior havia feito muito para animá-lo. Ele ainda estava com o refrão da primeira música que dançaram – e que ele foi muito mal – tudo por causa da morena.

Observando a chegada dos alunos ao colégio, escondido atrás de uma árvore, Cascão decidiu duas coisas. A primeira era que não deixaria ninguém ficar julgando Cascuda, e a segunda é que não deixaria ninguém incriminar Magá, pois a amiga não tinha nada a ver com aquela história, e mesmo assim a turma fazia questão de julgá-la só por ser amiga do rapaz.

Era tão ridícula a situação em que Cascão estava. Se ele ainda tivesse ficado com Magá era uma coisa, só que eles não fizeram nada disso. Apenas tentaram trabalhar juntos para então ficarem menos mal por seus términos.

Cascão esperou escondido atrás da árvore até o sinal bater. Então ele correu para dentro de sua escola, passando pelos corredores ainda repletos de alunos, e virando a direita para chegar até sua sala.

Sua mão encostou a maçaneta. Ele engoliu a seco.

— Espera aí, Cascão – pediu alguém. Cascão soltou a maçaneta como se tivesse levado um tremendo choque. Ao vê-la, Cascão respirou aliviado. Bem, Magá não iria julgá-la, ele supôs.

— Oi, Magá, e a – Antes que pudesse terminar, Magá abraçou o garoto. Aquilo o pegou desprevenido. Ele retribuiu o abraço sem entender muito bem. O abraço de Magá era como um “Tudo vai ficar bem” escrito em letras garrafais. Eles não eram de se abraçar muito, por causa de um antigo ocorrido.

— Por que não me disse nada, Cas? – Ela o soltou para olhá-lo nos olhos. Seu rosto carregava mais tristeza que o dele, apesar de Cascão duvidar que ela fosse capaz de sentir mais do que ele mesmo, já que ele sentia um desespero ao pensar na sua vida sem Cascuda. E quando ela arrumasse outra pessoa? Esta cuidaria de sua única namorada?

— Cascão, eu tô falando com você – Magá o trouxe de volta à realidade. O garoto passou a mão no rosto, sem graça.

— Foi mal, Magá – Ele deixou os ombros caírem. Doía, no entanto, ele não queria ficar se lamentando. Aquele não era ele. Cascão não era uma pessoa que ficava reclamando e chorando pelos cantos. Ele preferia que aquilo fosse só dele. – Eu, eu não sei. Só não queria que vocês se preocupassem.

Magá assentiu a cabeça, parecendo compreender. Afinal, ela fazia o mesmo. Porém, ela ergueu um punho fechado e aproximou-se de Cascão. Por força do hábito, o garoto encolheu, e a garota deu um soquinho de leve no peito dele.

— Seu... seu idiota. – sussurrou ela. – Você não sabe que eu me importo com você? Você acha que eu gostei de saber por uma rede social? Como acha que eu fiquei? Eu te forcei a jogar uma droga de jogo, tudo porque eu sou egoísta e achei que o motivo fosse pequeno o suficiente para eu te ajudar daquela forma. Mas eu estava errada. Por que não me contou? – Ela parou um pouco. Cascão estava assustado. Eram perguntas demais, em um tempo curto. – Achei que você fosse meu amigo.

Cascão olhou preocupado para a porta da sala. Não pareciam ter ouvido, já que Licurgo continuava a falar em alto e bom tom sobre alguma coisa sem nexo. O garoto colocou as mãos nos ombros de Magali.

— Desculpa, Magá – sussurrou ele em resposta. – Eu achei que não seria legal fazer com que vocês entrassem na fossa comigo.

Ela balançou a cabeça de um lado para o outro. Aos poucos, o barulho de passos e conversas diminuía. Os dois estavam perdendo aula para falar do término de Cascão. Aquilo não estava nos planos dele.

— Você não acha que eu me importo? – Ela perguntou, incriminando-o.

Ele recuou alguns passos. Seria por isso que ele não falou nada? Não, óbvio que não.

— Desta vez é diferente, Magá. Só eu terminei, achei que não seria bom falar para você, que está feliz com Quim. – Cascão sentia que era mais ridículo a cada segundo que passava. O queixo de Magá caiu.

— Você, eu, o quê? – Ela parecia confusa. Cascão não sabia o que tinha provocado. – O que você disse? Você, você acha que eu só posso ser sua amiga quando eu não estou com Quim? Você está pensando o quê, Cascão?

— Não, Magá – Cascão chegou mais perto. – Não é nada disso. Eu só não queria fazer você se sentir culpada por estar feliz com seu namoro enquanto eu levei um pé na retaguarda.

— Ora, ora, o que temos aqui? Agora, pelo menos, já sei o motivo do término. – falou alguém em tom bem alto atrás de Magali. Ela se virou para procurar a pessoa e Cascão sentiu que estava suando frio.

— Carmem?! – Magali estava claramente surpresa, mas não tanto quanto Cascão. Os dois motivos pelos quais Cascuda pegara em seu pé. Aquilo era uma situação extremamente ruim para o lado do rapaz.

— Ora, quem mais poderia ser? Em carne, osso e bom gosto. – A loira ajeitou um de seus cachos. – Será que vocês podem parar de namorar e deixar eu passar?

— Nós não estamos namorando! Cale a boca – gritou Cascão. Ele estava cheio de ter de se desculpar por algo que nunca tinha acontecido, de ter sempre que dar explicações por algo inexistente, ou aguentar as pessoas forçarem a barra para o lado dele e de Magali.

Ao ver que tinha gritado, Cascão entrou em pânico. Não, ele não era assim de jeito nenhum. E ainda por cima gritar com uma garota? Mesmo que ela fosse a Carmem? Ele não era assim mesmo.

O sangue dele fervia e seu coração batia rápido. Ele queria correr dali, se esconder e nunca mais dar as caras. Será que o término tinha o afetado tanto assim, ou era uma raiva que Cascão insistia em enterrar?

Magali parecia mais chocada do que Carmem.

— Cascão, o que tá aconte – A porta ao lado abriu em um solavanco e Licurgo apareceu, vestindo jaleco branco e segurando um livro em uma língua que Cascão não fazia ideia de qual era.

— Será que os senhores poderiam POR FAVOR FAZER SILÊNCIOOOOOO? – Gritou Licurgo, balançando os braços.

Os três ficaram em silêncio, e esperaram o professor dar a sentença.

— Como castigo, vocês terão de assistir a minha aula sobre Cenouras plantadas na Rússia. – ordenou Licurgo, ajeitando os óculos e entrando na sala.

Carmem empurrou Cascão e seguiu o professor, depois Magali fez o mesmo e por último Cascão. Ele não pôde evitar olhar para Cascuda. Afinal, ela sempre era a primeira pessoa que ele procurava em todo o lugar.

A garota, porém, olhava fixamente para um livro que estava lendo. Cascão então prestou atenção no chão até chegar à última cadeira da primeira fileira. Ele nem percebeu que Cebola estava sentado a uma cadeira de distância, até um bilhete parar na sua mesa. Cascão pensou em não abrir, só que sua curiosidade venceu.

Ele desembrulhou a bolinha de papel e leu: “Que que rolou? Escutei seu berro daqui”. Cascão virou para o lado e viu o amigo, fingindo prestar atenção na aula. O garoto apenas voltou a enrolar o papel e jogou de volta, então virou a cabeça em direção à parede e deitou em sua mesa. Ela era fria, podia acalmá-lo.

Cascão nem percebeu quando seus olhos fecharam. Ele só se deu conta que dormiu a manhã inteira, quando alguém chamou o seu nome várias e várias vezes. Lentamente, ele abriu os olhos e encontrou Magali sentada na carteira onde Cebola estava. O dito cujo estava em pé, e era ele quem chamava Cascão.

— Ôoo, Careca – reclamou Cascão. – Já chega, tá? Eu já acordei.

— O que tá pegando? Você tá estranho desde ontem. Qual foi? O chute que não se vê é o mais mortífero? – brincou Cebola.

— Af, vai chupar prego. – Cascão voltou a virar a cabeça para a parede.

— Ih, que foi, Cascão? Eu estava zoando, pô. – Cebola balançou as costas de Cascão. – Vai parar com essa emice quando? A Cascuda já terminou com você um zilhão de vezes e vocês acabam voltando!

— Viu como a nossa história parece com a de um certo alguém? – perguntou Cascão, frustrado.

— N-não é bem assim – continuou Cebola. – Eu tive o maior trabalho de fazer com que a Denise não tirasse uma foto sua babando na carteira, e é assim que você me retribui? É claro que a Mônica ajudou também, mas enfim.

Cascão suspirou. Ele não estava nem aí se Denise tinha uma foto sua zoada. No entanto, virou a cabeça de volta para olhar os dois amigos.

— Eu não vou voltar com ela, Careca. Não dessa vez. Ela já deixou bem claro – resmungou Cascão.

Magali apenas observava a situação, sem que sua expressão séria se desfizesse. Cebola parou um pouco para pensar.

— Tem razão. Achei que mesmo tendo terminado com você, ela ia gritar porque você tava de papo com a Carmem e a Magali. – concluiu Cebola. – Por falar nisso, deu o maior bafafá já que você até gritou com a Carmem.

Cascão se sentiu extremamente mal. Não devia ter gritado com a garota.

— Eu não devia ter feito isso. – murmurou.

— Relaxa, cara – Cebola deu tapinhas de leve em Cascão. – Ah, a Mônica tinha que fazer um trabalho com a Carmem, então não pôde ficar aqui. Mas ela quer saber como você está.

Cascão revirou os olhos. Não havia pergunta mais idiota.

— Como será que eu estou? Se bem que eu me preocupo mais com como a Cascuda está. – respondeu ele, pensativo. Ela devia ter ficado muito mal com todo aquele fiasco no começo da aula.

— Ela não está bem, e também não está tão mal como você – A voz de Magali deixou ambos os garotos surpresos. – Ela me disse que está fazendo o possível para não ficar mal, quando as meninas sugeriram fazer planos para distraí-la, e ela também disse que não vai ser fácil para nenhum de vocês, mas vão conseguir com o passar do tempo.

A resposta foi como um soco no estômago do Cascão.

— Ela brigou com você? – perguntou ele.

— Não – respondeu Magali. – Ela só me olhou feio. Ah, Cebola, você pode me fazer um favor? O Cascão pode almoçar na sua casa e ir embora com você? – Ela pediu em seu jeito meigo de pedir as coisas.

— Eu já ia fazer isso mesmo. – retrucou Cebola. Magali continuou olhando para o garoto até que ele entendesse a deixa. – Vou te esperar lá fora, Sujinho.

Cascão viu Cebola sair da sala e fechar a porta. Assim que seu amigo o fez, Magali puxou a cadeira mais para perto de Cascão.

— Cas, seja sincero – Ela pediu. – Vocês terminarem não tem a ver comigo, não é? – Ela parecia realmente aflita. – A Cascuda sempre pareceu ficar brava com você por minha culpa, se eu não fosse tão egoísta a ponto de querer continuar sendo sua amiga, talvez as coisas não terminassem assim.

Cascão segurou a mão de Magali e sentou-se ereto na cadeira. Ele entendeu. Ela estava preocupada que além de tudo tivesse o prejudicado. E Cascão não ter contado que havia terminado apenas aumentou o problema.

— Magá, eu tô sendo sincero. Não é por sua causa, não. Desculpe não ter falado, tá? Um dia eu te conto o porquê, só não consigo dizer agora. – Magali então sorriu, um pouco triste.

— Tudo bem. Promessa é dívida e eu vou cobrar. – Ela tirou a mão de Cascão da sua e se levantou. – Só quero que me prometa que vai me contar sempre que aparecer um problema.

— Eu vou, Magá – prometeu ele, porque sentiu que cumpriria a promessa.

Ela sorriu e bagunçou os cabelos dele.

— Eu tenho que me encontrar com o Quim. Vai à minha casa no sábado para fazermos logo o trabalho e te animar. – Ela não esperou uma resposta. Correu e abriu a porta, desaparecendo.

Cascão juntou a sua mochila e pensou que talvez houvessem males que viessem para o bem.