Descobrindo a própria luz

Capítulo 13 - A maçã não cai mesmo nada longe da árvore


Tomamos o café da manhã com calma por decisão quase unânime. Muita energia havia sido gasta com o transporte e apesar de não ser indicado para qualquer semideus passar muito tempo parado, é menos indicado ainda andar por aí sem forças para um combate.

— Que nojo! — reclamou Nico ao me ver mergulhando as panquecas em uma quantidade anormal de calda.

— Você precisa provar para entender! — Matt me defendeu, falando de boca cheia e tudo, todo lambuzado.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Encarei o Di Ângelo me divertindo com sua expressão rígida até provar a iguaria pela primeira vez.

— CARALHO, ISSO AQUI É MUITO BOM.

Sorri mais largo, orgulhosa do café simples que eu frequentava desde a infância e que tinha sido o ponto alto de vários momentos legais ao longo do tempo.

— Eu disse! — meu namorado apontou, ainda muito feliz com sua própria calda.

Se dando por vencido, Nico continuou comendo uma gororoba mergulhada na receita secreta, porém um pouco pensativo e silencioso.

— E então, como vocês dois conhecem melhor a cidade, o que vocês sabem sobre as montanhas? — questionou por fim.

Parei um pouco para me limpar, sentindo o ar voltar a pesar com a lembrança do motivo real daquela visita.

— São Francisco é uma cidade com muitas colinas. A maioria dos nossos bairros, na verdade, se localizam inclusive em cima de alguma — comentei. — Mas estou familiarizada com a região que Annabeth descreveu, por ficar bem perto do Monte Davidson, o mais alto da cidade. É um local com grande atividade turística durante todo o ano por conta da vista, das trilhas, etc.

Matt olhou curioso, observando com calma as reações do mais experiente entre nós. Ele também estava tentando aprender, de certa forma, assim como eu. Nico, por sua vez, não parecia particularmente confortável enquanto escolhia as palavras: nem com a atenção que estava recebendo, nem com a posição de liderança que estava aos poucos sendo empurrada para ele.

— Isso é bom e é ruim — admitiu. — É bom que a gente tente passar meio despercebido e que já exista um transporte até lá em cima. Mas...

— Nunca é bom ter mortais por perto de um eventual conflito — Matt completou, fazendo Nico assentir e um frio subir pela minha espinha.

Me senti ingênua por ainda não ter chegado as mesmas conclusões que ambos. De que povavelmente seríamos caçados pelos seguidores de Gaia, por antigos integrantes do exército de Cronos, por monstros no geral e observado pelos deuses durante toda a missão. Talvez estivéssemos sendo vigiados naquele instante.

Olhei para os lados um tanto paranóica e outro tanto desconfiada, com o coração um pouco frenético. Meu namorado agora tinha os olhos azuis bem fincados em mim, do mesmo jeito atento que anteriormente tinha usado para analisar o Nico e que antes eu só via em nossas aulas de matemática.

— Ah não, baby, não se preocupe tanto — disse como se estivesse dentro da minha cabeça, sentindo a ansiedade me preencher. — Me esperem lá fora que eu vou pagar a conta, ok?

Sorri meio lenta, já me levantando ao mesmo tempo que o Di Ângelo para seguir o seu conselho. As palmas das minhas mãos ainda suando.

— Você trouxe dinheiro mortal com você? — Nico perguntou, curioso, quando já estávamos perto da porta e eu entendi. Toda aquela situação era uma emergência, então ele presumiu que pudéssemos estar sem nada.

Observei Matt simplesmente virar para trás e concordar, se voltando em seguida para falar com Dona Mônica, a atendente.

— Não se preocupe, Nico — o puxei pela manga, voltando a sair para o sol fervente da minha cidade natal. — Ele sempre tem dinheiro.

— Mesmo? — questionou quando paramos, as sobrancelhas franzidas. — Ele não parece esse tipo de cara.

— Porque ele não é — defendi.— Algumas pessoas simplesmente nascem ricas e não são babacas.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Eu consegui sentir o comentário maldoso contido do meu lado, apesar do silêncio, mas não havia tempo para aquilo.

Aguardamos Matt por poucos minutos e em seguida nos dirigimos para uma agência de viagens do outro lado da rua na esperança de conseguir uma vaga no próximo ônibus que ia subir até as colinas mais altas da cidade e conseguimos.

Eu e Matt estávamos muito felizes durante todo o tempo e eu sabia que ter tomado café no lugar do nosso primeiro beijo tinha contribuído um pouquinho, além da minha vontade de provar para o Nico que ele estava errado. Andávamos de mãos dadas e se víamos alguma coisa familiar, como um lugar conhecido que nos trazia boas memórias, ou nos lembrávamos de uma brincadeira particular, começávamos a rir como idiotas.

No ônibus turístico, que imitava um dos bondinhos clássicos da cidade, sentei na janela e meu namorado se sentou ao meu lado, o que deixava Nico bem em nossa frente.

Depois de alguns minutos rodando, abandonei a formalidade. Coloquei os pés em cima do banco, virei de lado em direção a janela e Matt me acompanhou, então encostei a cabeça em seu peito.

O silêncio era extremamente aconchegante. O sol entrava pela janela do ônibus enquanto seguíamos todo o passeio turístico pela cidade que eu já conhecia e aos poucos tinha aprendido a amar.

— Pessoal, eu estou tão feliz quanto vocês por termos sobrevividos e aquela lanchonete é mesmo bem legal, mas tem como alguém me dizer o que está acontecendo? Ou pelo menos pararem com toda essa demonstração de afeto?

Demos risada e prometemos a Nico que ele não ficaria de vela, o que pareceu deixá-lo mais relaxado.

Daí em diante, começamos a conversar. Contei sobre a cidade, a escola, minha família e meus amigos. Contei algumas coisas constrangedoras sobre Matt e ele contou algumas coisas constrangedoras sobre mim. Nico também falou. Falou de quando foi encontrado por Percy, Thalia, Annabeth e Grover (história que eu já conhecia) e uma ou outra coisa sobre o tempo em que esteve sozinho.

O sol já estava bem alto quando nos aproximamos da montanha. Deixamos o ônibus como os outros turistas, mas esperamos uma distração geral (o que não demorou muito, pois eles estavam ocupados demais gravando stories para suas redes sociais) e escapamos da trilha.

A segunda colina mais alta aparecia em evidência no horizonte, como uma bússola natural indicando o caminho que devíamos percorrer em meio às árvores.

— Eles não vão sentir nossa falta? — perguntou Matt.

Imediatamente me lembrei que já havia feito aquele passeio antes com minhas amigas, e que provavelmente não notariam nossa ausência.

— Eles só fazem a contagem quando todos voltam para o ônibus, a trilha que eles estão dura cerca de duas, três horas. Vamos precisar de menos que isso, se tudo correr bem.

Acontece que nada nunca corre bem.

Na medida em que nos aproximamos da antiga forja, a conversa vai diminuindo porque estamos ofegantes e vou ficando com mais calor. Tínhamos um pouco de água, infelizmente quente, que repartimos entre nós três quando paramos por um instante. A subida um tanto íngreme queimando minha panturrilha.

— Estou quase bebendo o néctar — reclamei da temperatura, tentando me livrar dos fios de cabelo em meu rosto.

— Estamos perto? — Matt perguntou, as bochechas pegando fogo.

— Você acha que eu sei? — devolvi, brincando, mas sendo sincera.

— Acho que cerca de mais uns vinte e cinco minutos de caminhada pessoal — avisou Nico, depois de examinar o solo e o terreno por um tempo.

Será que um dia eu vou ser capaz de saber esse tipo de coisa?

Distraída com esse pensamento, retirei a blusa do acampamento, que já estava pingando de suor, ficando apenas com uma regata branca que eu estava usando por baixo, além de refazer mais uma vez o meu rabo de cavalo.

De certa forma, Nico estava certo a respeito dos minutos de caminhada. O que ele não mencionou é que gastaríamos mais outro tanto, escalando em busca da pequena gruta mencionada por minha irmã.

— Vamos gastar fácil uns 50 minutos ao todo — resmungou Matt.

— O que significa que teremos cerca de vinte minutos pra procurar... Procurar o que afinal?

Não consegui evitar e olhei para Nico, em busca de respostas que eu sentia que ele tinha.

—Annabeth suspeita que é um vidro com lágrimas de uma dracaena.

Eu dei uma pequena risadinha e Matt me acompanhou. Quando notei o olhar intrigado de nosso companheiro, entretanto, percebk que ele estava falando sério.

— Isso existe mesmo? — questionei. — Poções com unha de sei lá o que, pêlo de dragão, sangue de virgem? E como vocês sabem dessas coisas?

Ele acabou dando risada, apesar da tentativa de se manter sério.

— Sua irmã buscou a respeito no acampamento com os filhos de Hécate e nos pergaminhos da biblioteca — explicou, corando um pouco em seguida. — E no geral essas coisas são verdade sim, tirando essa última parte.

— Ainda bem, né — brincou meu namorado. — Imagina achar sangue de virgem na Califórnia.

— Matt! — repreendi, achando um pouco de graça.

— Isso não foi uma crítica! — e deu risada, fazendo com que eu me rendesse.

Paramos em frente ao monte de pedregulhos mais próximo que parecia o último a ser escalado, para o ponto mais alto de Santa Helena. Mas, obviamente, era uma parede bem íngreme e com o aspecto mais instável que todas as anteriores.

— O que vocês dois estão esperan... — confesso que engasguei um pouquinho quando olhei para trás.

Aparentemente eu não era a única incomodada com o suor em minhas roupas.

— Você se importa? — meu namorado questionou, as sombrancelhas arqueadas e aquele olhar penetrante. Seu corpo brilhando um pouco com a camada fina de suor, os músculos se destacando na pele dourada não mais coberta com tecido algum.

Nosso companheiro de missão só me encarou com um sorriso de especulação a respeito da minha reação, sem dizer nada, dando um jeito de afastar os fios cumpridos do rosto com a camiseta que também havia retirado formando uma espécie de faixa.

— Não — me obriguei a dizer como se não fosse nada, quando na verdade tinha sido bastante coisa.

Eu confesso, tudo bem? Algumas pessoas simplesmente são quentes.

Quando Nico jogou na nossa cara que não tínhamos treinamento algum, isso obviamente significou que ele tinha treinado. E muito. Seu abdômen, seus braços, tudo era bem definido e cheio de cicatrizes, de um jeito que me deixou um pouco tonta.

Mas o problema maior para mim foi meu namorado. Matthew sempre jogou futebol e praticou outras dezenas de esportes que tinha vontade e eu sempre pensei que era isso que corroborava para seu corpo bonito, que junto com seu rosto e personalidade atraía dezenas de pessoas. Ele era o garoto da escola que não era tão popular, mas que todas as garotas que o conheciam mais cedo ou mais tarde acabavam tendo uma queda por ele, porque simplesmente não havia como. E eu era uma dessas garotas, no final das contas. Eu sempre me senti tão atraída por ele, como se ele fosse realmente o sol do meu sistema solar e eu não pudesse desviar o olhar, sair de perto do seu centro de gravidade.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

As costas largas, as covinhas na base da coluna, o peitoral definido demais para alguém da nossa idade. Eu me lembro de como era assistir ele jogando vôlei com os amigos dele e sentir que ia morrer, os cabelos loiros reluzindo junto com seu sorriso e seus olhos azuis concentrados. Eu me lembro de pensar que era impossível alguém ter aquele corpo aos dezesseis anos, tão na medida certa, mesmo com todo o esporte do mundo.

E naquele momento, pela primeira vez eu entendia completamente. Entendia porque ele sempre foi um mini deus grego pra mim: ele literalmente era filho de um ideal milenar de beleza que ninguém humano conseguia alcançar. E a maçã definitivamente não tinha caído longe da árvore.

Tudo isso passou em um milésimo de segundo pela minha cabeça, de modo que eu mantive a compostura, depois de tantos anos de prática em fingir que não era tão afetada por sua presença.

Nico se aproveitou do meu titubear e foi o primeiro a subir nas pedras, deixando eu e Matt momentaneamente para trás.

— Se eu cair e bater a cabeça nas pedras quero que saiba que a culpa é sua — é tudo que eu consegui dizer, sentindo meu coração acelerado e as minhas bochechas ficarem vermelhas por algo além do calor.

Ele riu gostoso com a observação, terminando de me derreter todinha.

Fiz menção de seguir Nico, a tentativa de permanecer focada, mas foi a vez dele próprio confessar:

— Se EU cair, a culpa é sua. Gostosa. — foi o que ele disse, antes de me deixar sozinha com meus pensamentos, gritando algo por cima do ombro que pareceu abafado, quilômetros de distância. — Tenta pisar nos lugares que já pisamos e vimos que está seguro, ok baby?

Olhei para baixo e me permiti tentar me enxergar como ele me enxergava, o que era difícil, porque eu não tinha a melhor das autoestimas. Minha regata não chegava nem ao meu umbigo e estava extremamente colada no meu corpo pelo suor. O decote era meio fundo e meu short tinha no máximo dois palmos e meio de cumprimento.

Dei de ombros, meio corada e os segui com bastante dificuldade até o topo, porque não estava nada perto do meu ápice de preparação física.

Quando chegamos no pico, estávamos ccontentes pela conquista, mas exaustos para bater muito papo. A recuperação aconteceu por alguns minutos de respirações ofegantes.

Por fim, avistamos a entrada da forja que tinha sido bem descrita por Annabeth e nos aproximamos com certa cautela, tentando nos manter camuflados pelas rochas e vegetação.

— E então — Nico começou, retomando um diálogo. — Qual é a parada com a lanchonete? Para termos ido para lá e tudo.

— Foi ali que a Isabelle viu que não podia viver longe dos meus lábios — meu namorado brincou, fazendo a gente dar risada.

— Eu estava era com fome — retruquei, para encher um pouquinho o saco.

Mas se você leu um pouquinho sobre o Percy você sabe, não é?

Que é nesses momentos em que abaixamos a guarda que as coisas acontecem.

Antes que eu ppudesse me decidir sobre dar mais detalhes da minha relação com Matt para o Nico ou não, paramos. Os gritos dos pássaros gigantes e carnívoros nos congelam no lugar.