Depois que você partiu

Lembranças que não são minhas.


Eu jogava fogo em todas as direções, então o mauricinho do Bob apareceu. Ele estava bem na minha frente. Eu finalmente iria poder provar que era melhor do que ele, sempre fui.

Joguei uma corrente de fogo na direção dele e ele se protegeu lançando também uma de gelo em minha direção. Os dois jatos se encontraram no meio e ficaram um a empurrar o outro, mas eu fui mais forte e o gelo de Bob derretia com a força do meu fogo, diminuindo cada vez mais, até que o fogo que eu lançava estivesse bem perto dele, quase o queimando.

— Está fraco, Bob. Quer voltar para a escola?

Ele parecia irritado depois da minha provocação, era exatamente o que eu queria. De repente, a pele de Bob começou a tornar-se gelo, e o seu jato voltou a crescer, diminuindo cada vez mais o meu, eu estava confuso e um tanto desesperado, aquilo nunca havia acontecido. O gelo dele fez sumir minha correte de fogo e me derrubou.

— Você nunca devia ter saído da escola – ele vira as costas e sai me deixando no chão.

Não tinha muita noção do que tinha acontecido, mas sabia que nós tínhamos perdido. Quando encontrei Magneto de novo, ele estava sem poderes, tinha sido atingido pela cura.

— E o que nós vamos fazer agora? – Perguntei ao homem de casaco longo marrom e chapéu, que nem de longe lembrava o determinado líder que me chamou para segui-lo.

— Nada. – Ele me respondeu sem me olhar, sua voz um pouco mais grave que o habitual. Como assim, nada? Não podíamos aceitar uma derrota assim

— Mas nós...

— Escute aqui, meu jovem: não existe mais nenhum “nós”. Você não vê? Acabou. Tudo acabou. Todos se foram.

Ele virou as costas para mim e começou a se afastar. Pensei em chama-lo, em contestar, mas ele estava certo: todos se foram. Eu estava sozinho. De novo.

Passei a viver me escondendo pelos becos da cidade. Eu não tinha o que comer e nem dinheiro para comprar. Eu estava de certa maneira marcado por ter participado do grupo do Magneto, até andar por as ruas era difícil. Pensei algumas vezes em voltar para a escola, mas não. Lá não era mais o meu lugar. Ninguém mais confiaria em mim. Eu não tinha nem um lugar para chamar de meu.

Minha cabeça não conseguia se concentrar mais em nada, ela estava por todo lugar, a garota que atravessava paredes havia atravessado as paredes do meu coração e da minha mente e impregnado tudo. Eu estava amando Kitty e isso era terrível. Não podia deixar a Vampira, especialmente agora que ela havia aberto mão de seus poderes para ficar comigo. Não seria justo, não seria certo. Seria uma covardia com ela. Mas também não era covardia estar com ela pensando em outra? Sentir os lábios de outra ao beijá-la?

Ah, que droga, eu estava ficando louco com tudo aquilo. Eu me sentia sufocado pelo o peso de ser a última coisa a qual Vampira podia se agarrar. E aquele beijo... seus lábios encostando nos meus, movendo-se sincronizadamente, aquilo havia me trazido paz, mas logo a lembrança da minha namorada assolou minha mente. Merda, eu não podia fazer aquilo, por mais que o quisesse, eu estava sendo um idiota, um covarde completo, mas quando consegui parar já era tarde demais, eu não poderia dizer que foi apenas um impulso, havia sido intenso de mais.

— Kitty, eu... eu... por favor, me desculpe, eu preciso ficar sozinho, por favor. Eu... eu nem sei o que te dizer.

— Tudo bem, Bobby, eu... eu entendo. Vou te deixar sozinho, me desculpe...

Era claro para nós dois como ambos sentíamos o peso da culpa, principalmente porque queríamos aquilo, porque gostamos, era mais do que apenas uma traição. Mas nenhum de nós queria magoar a Vampira, ela andava muito mal, especialmente depois que soube de todas as perdas que tivemos, nós não tínhamos o direito de tirar dela tudo o que lhe restava para se agarrar, não tínhamos o direito de sermos felizes juntos em cima dos destroços dela. E isso doía...

Eu estava jogado no chão da minha casa. Um estado um tanto decadente para quem outrora tinha quase conseguido subordinar a humanidade a nós, mutantes. Agora, no meio da madrugada em que eu de novo não conseguia dormir, só restavam as consequências dessas minhas tentativas de alcançar a liberdade para nós, lembranças que me perturbavam toda a noite:

A primeira vez que tentei me vingar do desgraçado que matou minha mãe, foi ali que conheci Charles, ele me salvou de me premeditar e morrer;

O dia em que finalmente consegui executar minha vingança, Charles sentiu a dor, como se a moeda atravessasse a sua cabeça, por causa da ligação telepática;

Uma mulher atirando contra mim, eu desviando as balas, determinado, com a certeza de que estava fazendo o certo, até ouvir um grito de dor e vê-lo desabar no chão e ele, logo depois, me dizendo que não queríamos o mesmo, me obrigando a me separar dele;

Todas as minhas tentativas frustradas de acabar com a raça humana;

Minha mãe, o que diria minha mãe?

Jean matando o professor por minha culpa ele desintegrando-se bem na minha frente, eu perdi meu velho amigo, meu irmão.

A minha luta havia feito eu perder tudo o que tinha eu estava cansado, cansado daquilo tudo, cansado de tantas perdas. Eu tentei nos salvar, mas só fiz os humanos nos odiarem mais, nos retaliarem mais, nos matarem mais. Eu falhei, fiz tudo errado e ele tentou me avisar, mas eu não o ouvi e agora ele estava morto por minha causa.

Eu corri floresta a fora sem rumo, assustado, sem saber bem o porquê. Logo Victor me acompanhou e me derrubou no chão.

— Não tive a intenção, não tive – disse me preparando para me defender de seu eminente ataque.

— Teve sim. – Ele me respondeu, ofegante como eu – Ele mereceu, você fez ele pagar – levou suas mãos aos meus ombros – Somos irmãos, Jime, você agora sabe disso. Os irmãos se protegem – ele me encarava profundamente – Você tem que ser forte agora, forte para nada nos atingir.

— Eu quero ir pra casa – disse assustado.

— Não podemos, temos que ficar juntos, haja o que houver e cuidar de qualquer um que interfira no nosso caminho. Consegue fazer isso, meu irmão? – Balancei a cabeça positivamente, Victor era meu irmão e, diferente da minha mãe, não se importava com o que eu era, ouvimos vozes e vimos ao longe lanternas de pessoas que se aproximavam, tinham vindo nos pegar – Estão vindo, temos que ir agora.

— Tá bom.

Nós corremos, Victor me puxava por o casaco para me apressar

E então imagens passaram a passar por minha mente, interruptas:

Victor e eu lutando em guerras

*

— Meu nome é major William Stryker

*

— O diretor disse que sua sentença foi cumprida às 10h por um pelotão de fuzilamento. Como foi isso?

— Fez cócegas – respondo e o vejo sorrir em reposta.

— Estão cansados de fugir? De negar sua verdadeira natureza?

— Quem se importa? – Victor perguntou

— Eu me importo – o major o respondeu, firme – Me importo porque sei como são especiais, são valiosos. – Ele se abaixou – Escutem: podem ficar presos aqui, como animais, ou podem se unir a mim. Eu estou montando uma equipe com privilégios especiais Victor me olhou – Me digam: o que acham de realmente servirem seu país?

*

— Estou fora.

— Jime, não podemos deixar você ir.

— Eu vou embora. Você vem?

Arranquei as tags do pescoço, as joguei no chão, me virei e parti...

*

Era um dia normal de trabalho, até que senti um cheiro estranho... corri e vi a cabeça decepada de um urso, que deveria antes ser gigante, jogada ao chão e ao fundo o cheiro do... a marca de quatro garras em uma arvore confirmou meus pensamentos. Só uma pessoa poderia fazer aquilo...

— Victor... – gritei e corri, Keyla... eu precisava ter certeza que ela estava bem. Corri desesperadamente, meus pés pareciam pesar muito, cada passo demorava muito mais do que eu queria, uma aflição terrível tomava conta de mim, minha intuição me dizia que algo horrível havia acontecido e uma fina camada de um suor frio cobria meu corpo.

Seu carro estava parado na estrada, as marcas de garras do Victor no capô. Adentrei floresta a dentro e... lá estava ela, deitada no chão, sangue por toda a barriga, uma dor imensa começou a me preencher, não, não, não, não... aquilo não estava acontecendo. Corri até ela, estava sem pulso, seu coração não batia...

*

— Eu não sou como você

*

— Qual o seu plano, capitão? Não pode derrota-lo, Logan. Sabe que não pode.

—Vou encontra-lo e mata-lo.

— Eu posso te dar as ferramentas para matá-lo – virei-me para ele, devagar e ofegante – E podemos salvar os outros.

— Quer dizer se salvar, não é? – Ele sorriu de canto de boca

— Eu prometo as duas coisas. Vai sentir mais dor do que qualquer homem resistiria, mas terá a sua vingança.

— Vou com você. Eu quero vingança. Sem lei nem código de conduta. Me coloque na direção certa e depois saia do caminho.

*

Agulhas entravam na minha pele e a dor era insuportável, sentia algo pastoso se espalhar por meus ossos, era uma dor inimaginável. Eu tentava institivamente me soltar, mas estava preso, meus pensamentos a mil:

A morte do meu pai;

Victor

Keyla... seu rosto lindo, seus olhos que sempre me olhavam com amor, sua mão suave em minha pele me acalmando, “Você não é um animal”

***

Acordei atordoada e alerta, ofegante e logo percebi que estava mais suada do que o normal. Eu os entendia, agora. Conhecia todos os seus motivos, todos os seus sentimentos, todas as suas dores. A mente de cada um deles estava em mim, todas as suas lembranças, tudo o que os fez serem o que eram e fazerem o que fizeram.

Abaixei minha cabeça para olhar minhas mãos, e elas estavam lá de novo: as três garras de ossos saindo de cada uma delas, rasgando o lençol. Olhei ao meu redor e felizmente eu não havia queimado ou congelado nada, mas alguns objetos metálicos estavam espalhados por o quarto, recolhi as garras. Me levantei, abri as cortinas e olhei por a janela de vidro, o dia ainda estava um tanto escuro, olhei a hora: 4:12. Eu não conseguiria voltar a dormir, decidi tomar um banho. Fui ao banheiro e fiz tudo tão devagar quanto possível, eu não tinha vontade se quer de mover, estava mortalizada.

***

Passei a mão para limpar as lagrimas agora já secas. JÁ CHEGA. Era hora de dar um ponto final a isso, eu precisava libertá-lo. Às 6:06 saí do meu quarto. Definitivamente era muito cedo para uma discussão de relacionamento, mas eu não poderia esperar nem mais um minuto, queria me libertar daquilo, de parte daquele peso em minha mente e este me pareceu um jeito de fazer isso.

Andei pelo corredor que me pareceu infindável, ao passar pela porta do quarto que fora de Logan senti um aperto no coração, mas continuei. Encarei por alguns segundos, minutos talvez (perdi totalmente a noção de tempo), a porta do quarto de Bobby, procurando coragem, ou talvez vontade, para bater.

Bati na porta e Bobby logo veio abrir, pude sentir a confusão na mente dele, ele não esperava aquela visita.

— Vampira... Aconteceu alguma coisa? – disse ele me deixando entrar e fechando a porta, eu não era muito de fazer visitas sem motivos ao quarto do meu namorado, especialmente às 6h da manhã.

— Quando ia me contar, ou não ia? – falei de uma maneira tão fraca que deve ter parecido calma, eu sabia que a resposta para aquela pergunta não era exata, mas eu não sabia bem como começar, precisava de algo.

— Não estou entendendo – ele disse, mas eu podia ver a apreensão no rosto dele e senti-la em sua mente, ele sabia, ah, sabia muito bem.

— Pra quê isso tudo, Bobby? Até quando planejava fingir? – Minha voz enfraquecida soava calma, eu sentia a mente de Bobby se agitar dentro de mim, eu já sabia as respostas para o que perguntava, mas queria ouvir da boca dele, queria que ele entendesse o porquê daquilo.

— Fingir o que, Vampira? – Ele tenta ganhar tempo.

— Que ainda me amava, Bobby, que ainda queria ficar comigo. – Digo encarando-o e o vejo empalidecer levemente, mas por dentro, sua mente se agita tanto, que tenho um pouco de dificuldade para me manter em pé – Por que mentiu assim pra mim?

— O que te faz pensar que eu não quero mais ficar com você, o que está acontecendo?

— Você ama a Kitty – Respondi de maneira quase casual – E, por favor, Bobby, não venha me dizer que não, está bem? Eu vi, vi você a beijando.

— O quê?

Os olhos de Bobby se arregalaram um pouco, por essa ele não esperava.

— Eu... eu não estava conseguindo dormir uma noite dessas, então resolvi vir ao seu quarto – cara, eu realmente odiava mentir e não era exatamente boa nisso – Abri apenas uma fresta da porta, porque achei que você podia estar dormindo e não queria acordá-lo, então eu vi você beijando ela...

O homem de gelo me olhava, eu podia sentir a pena que ele sentia em seu olhar e sua mente, juntamente com a culpa.

— Vampira, eu... eu sei que isso não justifica nada, mas... foi a única vez, eu juro. Até pedi desculpas a Kitty, eu... eu me deixei levar... eu fui um completo idiota – ele abaixou os olhos, envergonhado – Me... me desculpe.

— Não, Bobby! Não foi bem a única vez... quando algo assim acontece entre duas pessoas, é por que já aconteceu várias vezes em suas mentes... você e a Kitty já se queriam, já queriam aquele beijo, já pensaram nele várias e várias vezes – desviei o olhar do dele – Vocês só executaram algo que já haviam planejado dentro de si.

— Vampira... – sei que ele só falou isso por que achou que precisava falar algo, mas ele não queria me impedir de colocar um ponto final naquilo, era o que ele queria, na verdade, ele precisava que fosse eu a tomar aquela decisão, era covardia, ele não queria ser o responsável por me destruir, ele não queria ser aquele que abandona o barco me deixando sozinha para afundar, não. Eu iria abandonar o barco que já estava furado, destroçado e iria chegar a segurança da praia ou me afogar tentando.

— Bobby... a verdade é que não dá mais e você sabe disso... nosso relacionamento já não é o mesmo desde... – penso em falar da aproximação dele com a Kitty, mas desisto, assim, eu estaria colocando a culpa do nosso fim somente nele, mas eu também queria aquilo, eu também não sentia mais o mesmo eu também precisava cair fora de um barco que obviamente estava afundando – Desde muito tempo. Eu... eu só estou cansada disso, Bobby, estou cansada dessa farsa, de fingir que está tudo bem, mesmo sabendo que isso está fazendo mal a nós dois, isso está nos destruindo. Não vou dizer que é tudo culpa da sua traição, eu até poderia perdoar seu deslize se... se sentisse que você ainda me ama e se eu ainda te amasse, mas nem uma das duas situações é real no momento, você e eu não sentimos mais um pelo outro o que sentíamos antes e sabemos bem disso. Nós vivemos grandes coisas e eu sou grata por tudo isso, mas chega de fingir que está tudo bem, Bobby, chega! Eu não aguento mais. Nós dois sabemos que o melhor para nós é acabarmos com isso. Aqui e agora.

Terminei o que tinha para dizer firme, como eu esperava. Agora esperava ele falar, mas ele ficou calado, depois abriu a boca, mas nada saiu, fechou e abriu de novo.

— Vampira, eu... – quando finalmente falou eu pude sentir o alivio nas palavras dele, estava livre, finalmente – Eu realmente espero que você encontre alguém que te mereça e te ame...

— Poupe-me do discursinho pós fim pacifico de namoro, Bobby. Eu vou ser feliz, está bem? Vou me recuperar. E não se sinta culpado, você só está querendo ser feliz.

Pus a mão no ombro dele como sinal de que estava tudo bem e saí do quarto, as lágrimas quase caíram dos meus olhos assim que fechei a porta atrás de mim, eu estava destruída. Então andei o mais rápido possível para meu quarto para poder chorar em paz. Eu podia não amar mais Bobby, mas ele era realmente tudo o que me restou desde que tudo aconteceu, ele era como o único pilar que sobrara em pé e que ainda impedia uma estrutura gigante de peso monumental cair em cima da minha cabeça, e agora ele também desabara, eu o derrubei e tudo caia com violência em cima de mim, eu estava sendo soterrada.