Depois da Ruína

Sombras Mascaradas


O chacoalhar do trem embalou Alex até que pegasse em um sono leve e conturbado. Deitada no sujo chão do vagão e usando sua única mochila como travesseiro, encolhe seu corpo o máximo que consegue para proteger-se da fria brisa que entra pela janela.

As luzes estavam apagadas, mas a luz da lua entrava por onde pudesse. Tirando o barulho do trem, ouviam-se apenas cochichos quase inaudíveis dos outros passageiros.

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Ivan sente sono, mas não consegue dormir. Em todo o caso, passa um dos braços por cima da irmã, para senti-la por perto caso cedesse ao cansaço. Com a cabeça encostada na parede, olha para fora. Árvores mergulhadas na escuridão dariam calafrios em qualquer um.

Como podia ter entrado em um trem sem saber seu destino? Para onde dariam esses trilhos que os afastavam mais e mais dos entes queridos? Sem ao menos saber o que fariam quando chegassem? E de repente, lembra da resposta estampada no rosto de seus pais. Desespero.

Afasta seus rostos dos pensamentos por um instante, fecha os olhos e tenta adormecer. As preocupações ficariam para o dia seguinte.

X

O trem para bruscamente e os irmãos acordam com um susto. Ao redor deles, o murmuro das outras crianças quebra o silêncio.

Alex imediatamente se levanta e olha para fora. Nada. Não consegue enxergar nada a mais de cinco metros de distância para nenhum dos lados. A não ser pelas sombras que se movem. Silhuetas humanas. A garota dá um salto para trás, assustada.

— O que foi? - Ivan olha para o rosto branco da irmã, e logo em seguida todos estão grudados na janela a procura de algo.

— Eu vi alguém. - Diz, dando mais e mais passos para longe da porta.

Ivan se levanta e faz uma concha com as mãos, apoiando-as no vidro, para olhar para fora.

—Não tem nada aqui, Alex. - Ao ver a expressão no rosto da irmã, sabe que ela não está convencida.

— Eu vi alguém!

As outras crianças começam a olhar para eles.

— Sabe, nossa mente nos prega várias peças quando estamos com medo, ainda mais no escuro. Não acho que...

Um som alto não o deixa terminar. Algo como um rojão cortando o ar. Algo como um tiro.

Todos se abaixam e gritam, automaticamente. Ivan troca olhares com a irmã, agora compartilhando de seu mesmo medo.

Segundos depois, o trem inteiro chacoalha severamente e faz com que os que estão em pé se desequilibrem.

Pânico.

Outro chacoalhar. O vagão parece quase deitar.

Toda a atmosfera mergulha em caos e gritos de desespero.

As portas dos vagões se abrem. O vento gélido entra para lhes dar certeza do que estão pensando - estão todos vulneráveis.

Outro tiro.

Alex começa a chorar e se abaixa, de cócoras, como se isso a protegesse de qualquer coisa. O coração de Ivan palpita. Ele olha ao redor e decide tomar a dianteira da situação.

— Todos para fora! Agora! - Grita.

Ivan puxa a irmã pelo cotovelo. Os dois pulam para fora do vagão e caem na terra. Uma garoa fina e gelada os recebe. Os dois olham rapidamente para todos os lados, a procura de algo para lhes nortear. E encontram.

As silhuetas. Completamente vestidas de preto, se aproximam dos dois e das outras crianças que decidiram segui-los. Com um movimento de mãos, pede que se acalmem, mas Ivan põe-se a frente de Alex. Ao som de gritos, as crianças se dispersam para onde conseguem, e as sombras começam a correr em suas direções.

— Vamos! - Ivan puxa Alex para dentro da floresta escura. Seus olhos se acostumam aos poucos ao breu, mas correm cegamente. Ivan só consegue pensar em como gostaria de ainda poder segurar sua irmã no colo como antigamente e correr com ela para longe. Mas ela não era mais uma criança. Ele a puxa pelo punho o mais rápido que pode, mas tem que acompanhar a velocidade da garota.

Sentem os galhos cortarem seus corpos e tentam desvencilhar-se sem sucesso. Tropeçam, caem e se machucam, mas a adrenalina que estão sentindo não os deixa sentir nada.

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Com uma olhada rápida para trás, Ivan entra em pânico. Estão os seguindo.

X

Alex está perdendo velocidade. Correm há demorados minutos, e ela não consegue respirar.

Nenhum dos dois olhara para trás há algum tempo - não sabiam se ainda estavam sendo perseguidos.

Ao pensar rápido, Ivan mergulha no meio de um arbusto, atrás de uma grande árvore, e puxa a irmã consigo. Estão escondidos. Alex tapa a boca com as duas mãos para poder respirar ofegante sem fazer barulho. É ali que ficariam até o sol nascer.

X

A luz fraca do dia entrava pelas copas das árvores, e os gritos ao longe não eram mais ouvidos. Os irmãos não trocaram nenhuma palavra ainda.

Ivan, mais velho, toma a decisão.

— Vou ver como está a situação. - Cochicha, abaixado ao lado da irmã.

— Vou com você.

Alex levanta do esconderijo, determinada, mas ele a puxa de volta.

— É claro que não! Você vai ficar aqui. Se tudo estiver limpo, volto para te buscar.

— Está brincando, né?

— Não estou. Fique aqui, em segurança.

E dessa vez, Ivan levanta. Alex tenta puxá-lo de volta, mas não consegue. Queria dizer muito mais sobre como achava arriscado. No fundo, não queria ficar sozinha.

Ivan espia a floresta na direção em que vieram, depois para todos os outros lados. Não vê nada nem ninguém. Não sabia há quanto tempo estava ali, mas a luz do dia o deixara mais confiante. Ele se abaixa e pega um pedaço de tronco para se defender.

Estava há bons metros de distância da irmã quando sua visão periférica o alerta, tarde demais.

X

Alex escuta o irmão gritar, e o baque de algo caindo no chão.

Não pensa duas vezes. Sai de onde estava escondida e corre em direção ao som, pensando se seria estúpido gritar o nome do irmão.

Em questão de segundos, para bruscamente e deixa escapar um grito abafado.

Há pouco mais de quinze metros dela, Ivan está no chão, deitado, com as mãos erguidas em rendição. Uma arma apontada para sua cabeça. Duas figuras mascaradas o cercam. Máscaras de gás compõe o traje verde militar. Os dois armados.

Todos olham para ela, e Ivan tenta se levantar, em pânico, mas é chutado pelo peito de volta para o chão, e imobilizado por um dos mascarados.

O outro deles começa a correr em direção à garota.

— Corra! - o irmão grita, com a voz embargada.

Não foi preciso dizer duas vezes. Tão em pânico que não consegue nem chorar, Alex corre costurando as árvores da floresta como se sua vida dependesse disso. Talvez dependa.

X

Tinha conseguido se esconder em uma gruta, rodeada por vegetações que a camuflavam. Dera sorte.

Ao ver a figura mascarada passar por ela e não encontrá-la, Alex senta no fundo de seu abrigo e começa a chorar baixo. Em questão de poucas horas, sua vida dera a mais brusca reviravolta que poderia imaginar.

O mundo estava acabando. Valeria a pena sobreviver sozinha?

Não queria morrer. Apenas espera o que lhe pareceu ser mais uma hora até que o sol alcançasse o ambiente por completo e saiu andando pela direção que viera. Sem rumo. Não lhe importava mais.

X

Não deixava de sentir medo. Todo o seu corpo tremia, e ela chorava, desistindo.

Andava por tanto tempo que começou a achar que estava indo na direção errada, mesmo que não soubesse ao certo para onde gostaria de ir – para longe daquilo, ou de volta para o trem.

Quando se sente emocionalmente fraca demais para continuar, ajoelha-se no chão, nas raízes da árvore mais próxima, e descabela-se a chorar. O mundo a deixara sozinha.

— Querida? - Uma voz doce chama, mas Alex já está de pé, com uma pedra na mão, seus instintos mandando-a se proteger.

Mas ela não vê perigo. Um rosto amigável sorri e lhe estende uma mão. Uma mulher alta, loira, com algumas rugas no rosto se aproxima dela.

Alex não sabia quem era, mas abaixa a pedra em sua mão. A loira se aproxima dela e a envolve em um abraço. A garota se assusta, mas recomeça a chorar copiosamente, consolada por uma completa estranha que a encontrara no meio da floresta.

— Vou te levar de volta agora, tudo bem?

Alex balança a cabeça e seca as lágrimas, tentando parecer forte, e ambas seguem a caminhar.

A mulher loira a levara de volta para o trem e a ajudara a subir no vagão. Agora estava vazio, com apenas algumas crianças que pareciam tão perdidas quanto ela.

— Vamos retomar viagem logo, tudo bem?

Mais uma vez, ela não responde. Apenas acena com a cabeça.

A mulher vai embora e Alex olha em volta. Conseguira voltar exatamente para o vagão em que estava. Olha para sua mochila, jogada ao lado da de Ivan. Ela treme ao se lembrar do irmão, mas não encontra mais lágrimas para chorar.

A porta logo fecha e encerra a noite conturbada. Estavam seguindo viagem, mais sozinhos do que quando começaram.