Dear Gringo

Capítulo 9 - Melhor sozinha do que...


Allison

Eu estava em pânico. Isaac estava tão calmo que aumentava o meu pânico. Nem parecia que ele estava preso num lugar cheio de cobras em outro país com uma garota que mal conhecia.

— Relaxa — ele murmurou pela vigésima vez, sentando-se perto da entrada. — Vão achar a gente.

— E se não acharem? Daqui a pouco vai ficar tarde e não vai ter mais ônibus.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Bem, caso você não tenha percebido, o portão está fechado. Então, a não ser que você queira pular por cima, não vamos a lugar algum.

— Levanta essa bunda branquela. Vamos achar alguém.

— Quem, Allison? Quem?

— Deve haver um guarda noturno, ou sei lá. Vem, vamos procurar.

Isaac não parecia por muita fé. Foi comigo basicamente para me fazer calar a boca. Corremos até uma rampa perto do museu de História.

— O que tem lá em cima? — ele perguntou.

— Não sei. Vamos descobrir.

Isaac

Allison tratava aquilo como se fosse a maior aventura da vida dela. Provavelmente era. A vida dela me deu vontade de bocejar.

Nenhum dos dois sabia aonde aquela rampa ia dar, mas continuamos seguindo. Até que ouvimos um barulho. Ela parou de andar e eu fiz o mesmo. A respiração dela estava tão fora de ritmo e tão alta que eu podia ouvir.

— Acha que tem alguém ali? — sussurrou.

— Não sei.

— Vão achar que invadimos, não é? E vão ligar para a polícia e tal.

— Não sei.

— Como pode ficar tão calmo?!

Suspirei.

— Qualquer idiota pode encarar uma crise. É a rotina que acaba com você.

— Por isso se mudou para o Brasil?

— Já disse para não me perguntar sobre isso.

Ouvimos o barulho novamente. Pareciam passos, e pareciam cada vez mais próximos. Senti os dedos da mão de Allison se entrelaçando nos meus. A mão dela era pequena, percebi. E macia, apesar de estar suada. Mas tentei não pensar nisso.

Puxei-a comigo, dando a volta e descendo a rampa pelo outro lado. Ali, em pé, ao lado de uma cadeira, havia um homem de uniforme.

— E aí? — ele acenou levemente.

— Você... trabalha aqui? — indaguei, o que foi uma pergunta idiota, considerando o uniforme. — Não vai gritar com a gente nem nada?

— Por que faria isso?

— Olha, moço, perdemos o ônibus da nossa escola e estamos meio que trancados aqui — disse Allison, parecendo estar se esforçando para relaxar.

— Sinto muito.

— Por que não parece surpreso? — ergui uma sobrancelha.

— Bem, achei que algo assim pudesse acontecer. Hoje o Instituto estava fechado para visitas escolares apenas, então não chequei para ver se ainda havia alguém aqui. Vamos, vou abrir o portão para vocês. Mas está tarde, não sei como vão sair daqui.

— Vamos... Hum... Vamos dar um jeito — suspirei, acompanhando o guarda até a entrada do Instituto.

Ele abriu o portão e saímos dali.

Allison

— E agora? — indaguei.

Isaac deu de ombros.

— Sei lá. Tô com fome. Tem um Mc Donald's ali do lado, não é?

— Precisamos guardar dinheiro para um ônibus, ou táxi.

C'mon, só uma batata frita! — ele me arrastou até o Mc Donald's, que ficava logo na saída do Instituto Butantã.

Entramos e paramos na fila. Acabei fazendo o pedido eu mesma, já que Isaac engatara uma conversa com a menina bonita atrás de nós.

— Isaac — chamei.

Ele se virou para mim, não muito satisfeito.

— Sim?

— O dinheiro?

— Ah — ele tirou a carteira de couro marrom do bolso, me entregando dez reais. — Quero o troco.

— Tanto faz — entreguei o dinheiro ao cara do caixa e ele me devolveu uns trocados, que dei a Isaac junto com a batata.

— Aqui.

— Ah, valeu, Peruzzo! Falando nisso, essa aqui é a Natalie — ele apontou para a garota com a qual estava conversando, apesar de pronunciar o nome dela Né-ra-li. — Natalie, Allison.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Enfiei um punhado de batata frita na minha boca.

— Prazer — murmurei.

— Você não tem ninguém para quem ligar? Sabe, para tirar a gente daqui — perguntou Isaac.

— Quem, exatamente? Como você ama ressaltar, eu não tenho amigos — resmunguei.

— Sinto muito — comentou Natalie.

— Digo o mesmo.

— Ei, meus amigos têm um carro, se vocês precisarem de uma carona...

Eu e Isaac nos entreolhamos.

— Claro!

Isaac

— Uma Kombi — Allison repetiu pela vigésima vez enquanto eu a arrastava pelo estacionamento. — Uma Kombi, porra. Isso não é um carro. É uma Kombi.

— Para de reclamar — censurei, enquanto Natalie apresentava os caras que estavam na Kombi branca cheia de falhas na pintura. Não decorei o nome deles, mas, aparentemente, eles tinham uma banda.

Sentei-me num banco da Kombi, e Allison sentou-se o mais isoladamente que conseguiu num canto, observando a baderna como se estivesse assistindo a um trabalho de parto.

J.J — ou talvez fosse J.K, ou J.C, ou Roger, eu não tinha certeza (mas achei J.J mais legal) — acelerou o veículo numa velocidade impossível para uma Kombi cheia de instrumentos musicais. Peguei o violão ao meu lado e coloquei os dedos numa posição estrategicamente aleatória, passando o dedão da outra mão pelas cordas.

— Você toca? — indagou Natalie, entretida.

— Eu costumava ser muito bom, mas depois que meu violão foi roubado nunca mais foi a mesma coisa — menti. Nunca havia tentado tocar um violão na vida.

— Isso que você está fazendo sequer é um acorde — Allison resmungou.

Encarei-a, erguendo uma sobrancelha.

Você toca?

— Não.

— Então cale a boca.

O resto da van pulava nos bancos enquanto cantava Hey Brother (tudo errado, vale ressaltar).

— Pode deixar a gente aqui — falei quando vi o Parque Villa Lobos.

— Tem certeza? — indagou Natalie. Assenti. — J.J., encosta!

Allison me fitou por um minuto, parecendo tentar decidir se diria alguma coisa ou não. A Kombi parou.

— Vamos, Peruzzo — chamei, e descemos do veículo.

Atravessamos a rua e começamos a caminhar pela calçada.

— Sua casa é subindo essa rua aqui, certo? — fitei-a à procura de confirmação.

Ela assentiu.

— Onde você mora, Isaac?

— Tennessee.

— Sabe o que quis dizer.

— Hummm... Lapa.

— Isso é um pouco longe.

— Não tem problema, Allison — apressei o passo.

Ela começou a correr para me acompanhar.

— Claro que tem!

— Vou deixar você em casa, está bem? E então me viro.

— Está louco?!

Ela parou de andar. Suspirei e encarei-a. Ela cruzou os braços, impassível.

— Acho que tenho uns trocados para um táxi...

— Sei onde podemos achar um ponto de táxi.

— Onde?

— Não vou dizer. Me siga.

Escondi um sorriso enquanto praticamente escalávamos aquela subida terrível.

Allison

Depois de uma discussão de "Nem fodendo que eu vou largar você aqui no escuro", acabamos os dois no mesmo táxi.

— É aquela ali — apontei para a minha casa.

O motorista assentiu e parou.

— Dez pratas.

Entreguei o dinheiro. Fitei Isaac.

— Então... Te vejo amanhã?

Ele deu de ombros, assentindo.

See ya.

— Até.

* * *

Depois de quarenta minutos na sala da diretora por causa do incidente do dia anterior, eu não estava no melhor dos humores. Como se não bastasse, Bianca e Will correram até mim.

— Nós precisamos falar com você.

O uso do plural doeu um pouco. Ou talvez mais do que um pouco.

— Me esqueçam.

Will me puxou pela mão.

— Peruzzo, eu só...

Encarei-o.

— Você o quê?! Hein? Todo esse tempo, e você sabia. Sempre soube. E não simplesmente ignorou, mas fez piada disso. Os dois ficaram rindo da minha cara. O que poderia compensar isso? — mordi o lábio. — Você sabia, Will. Você sempre soube e, mesmo assim, nunca me desencorajou. Continuou me dando esperanças com as gentilezas, os sorrisos, os elogios, as frases de duplo sentido... Você foi o primeiro a quebrar meu coração, Will. Em minha vida toda, sempre vai ser o que me machucou mais. Não se esqueça disso.

Will apertou os lábios, com sua cara de anjo completamente perplexa.

— Eu... Eu sinto muito, Allison. De verdade. Me desculpe.

— Por que acha que eu não contei? — Bianca me encarou, erguendo uma sobrancelha. — Você nunca me deu espaço. Eu nunca me senti segura, pois sabia que você jamais entenderia. Jamais me deixaria explicar, assim como não está deixando agora. Eu sou sua melhor amiga, Allison. Sua única amiga. O que pretende fazer sem mim?

Aquela foi a gota d'água.

— Quer saber? — eu sorri, aproximando-me. — Foda-se você, Franco. É, você pode ser mais bonita do que eu. Pode ter mais amigos do que eu. E você pode conseguir mais caras do que eu, pode ter mais dinheiro e roupas do que eu, e pode não estar nem aí para a escola, ao contrário de mim. Pode não se importar com nada, mas um dia você vai desejar ter se importado. Vai desejar ter se mantido verdadeira a quem você é, como eu. Porque você não vai ter nada, exceto memórias velhas dos seus amigos babacas falsos com quem você nem fala mais. Então não fale merda do meu estilo de vida, porque, um dia, você vai desejar que fosse o seu.

Olhei em volta, e percebi que todos no corredor haviam parado para escutar. O silêncio era completamente fúnebre. Sem dizer mais nada, saí andando.