Dear Gringo

Capítulo 14 - O Grande Talvez, skates e as strippers do Geymer


Isaac

Pedro não conseguia parar de rir. Tipo, mesmo. Eu, como uma pessoa geralmente desprovida de emoções, ficava bastante incomodado quando o fato de que alguém não conseguia parar de rir atrapalhava o andamento da conversa e, consequentemente, seu fim, já que eu acreditava que conversas (quando têm um dilema específico, em vez de ser apenas conversa fiada) têm o único objetivo de terminar.

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Espera, cara, cê tá dizendo que cê não sabe pegar ônibus, é isso? Então cê quer que eu ajude. Mas não vai me dizer para onde cê está indo.

— Viu só, você é um garoto esperto, sabia que entenderia.

Mano, eu não tô entendendo nada.

Caso você esteja perguntando, Pedro fora o único que atendera o telefone.

Whatever, eu dou um jeito no Google.

Pedro suspirou.

957T10 , cara.

— Isso é uma gíria?

Isso é a resposta para os seus problemas.

— É a linha? Porra, cara, valeu.

Espera, você acabou de dizer “Porra, cara, valeu”?

Parei por um minuto, analisando a frase anterior.

— É por isso que eu preciso pegar esse ônibus. E, hum, Giorno... Sobre você ser o cachorrinho da Soleil...

— Relaxa, cara, sei que você não pensa mesmo isso.

Eu pensava mesmo isso, mas acho que esse é o tipo de coisa que você guarda para si mesmo quando está tentando não perder o seu último amigo.

Desci as escadas de dois em dois degraus; uma hora até tentei pular três, mas tropecei e quase rolei escada abaixo.

— DONA CLÁUDIA, TÔ SAINDO!

— Você não vai precisar mesmo do carro, querido? O Flávio deve chegar daqui a uma hora e meia, mais ou menos, se não ficar preso no trânsito.

— Não, eu, hum... Eu não posso esperar. Tchau!

Corri para fora de casa e andei até o ponto de ônibus, repetindo “975T10” um pouco alto demais, o que eu acho que até me impediu de ser assaltado, porque os caras acharam que eu era esquizofrênico ou sei lá.

Vinte minutos depois, o ônibus chegou. Eu entrei nele, entreguei três reais ao cobrador e tentei me conformar com o cheiro de cecê e com as pessoas feias. Desculpe, eu sei que isso não é educado, mas fingir não deixa as pessoas menos feias e fedidas.

Segurei na barra e fiquei em pé, sacudindo mais do que deveria e me perguntando seriamente se o motorista tinha labirintite.

Até que o saculejo parou, porque o ônibus parou. Isso se dava ao fato de que a avenida parara. Porque essa é a coisa de São Paulo, do nada as avenidas resolvem parar e as pessoas esquecem como se dirige.

Dei um tapa dramático na barra.

I hate this city! I fucking hate this city!

— Puta, mano, esses gringos idiotas vêm pra Copa e acham que podem reclamar de tudo, eu, hein — dois caras discutiam atrás de mim.

Encarei-os.

— Eu entendo o que vocês dizem.

— Bom pra você, parça.

Talvez você não tenha percebido, mas eu entro na defensiva quando ouço palavras que desconheço.

— Você que é... mano.

Não preciso mencionar que eles tiraram sarro de mim a viagem inteira, preciso? Ótimo.

O que importa é que, depois de um longo período de tempo, eu encontrava-me em frente ao Parque Villa Lobos, sem um puto no bolso ou ideia de o que dizer.

Subi por uma rua cujo nome não sabia até chegar à praça que ela uma vez me levara. Continuei pelas casas chiques até a Av. Pio XI, e logo estava na frente da casa dela. Mas eu sabia que aquilo era apenas o começo.

Pulei a cerca lateral e tirei meu tênis, acertando-o na janela dela.

— Peruzzo!

Sem resposta, mas a luz do quarto estava acesa, o que era ainda pior.

Subi no vaso alto de plantas, depois na janela da cozinha, me pendurei numa daquelas decorações toscas de parede e percebi que estava quase chegando à janela dela.

— Peruzzo! Eu vou matar as plantas da sua mãe e não vou me desculpar por isso!

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Eu só esperava que o ego dela falasse mais alto. Por favor, que ela não escolhesse aquele momento para ser uma pessoa calma e controlada.

A janela se abriu.

— Ah, é, porque meu maior problema no momento são plantas, Geymer. Realmente.

Amém. Pendurei-me na beira da janela, sabendo que ladrão nenhum se daria ao trabalho de assaltar aquela casa, porque holy shit. Puxei-me para cima, batendo com o peito na janela, o que doeu, e por fim caindo muito heroicamente no chão do quarto dela.

Levantei-me, ajeitando os óculos, e a vi parada, de braços cruzados, tão assustadora quanto uma garota de 16 anos pode ficar vestindo um pijama do Bob Esponja.

— Você não acha que eu já tive merda demais no meu dia, Geymer?

— Se ajuda, passei o caminho todo com dois caras tirando sarro de mim no ônibus porque eu não sabia o que parça significava.

Ela esboçou um sorriso.

— É, isso ajuda um pouco. Mas esse não é o ponto. O ponto é que você é um narcisista cuzão.

— É mesmo? Eu sou um narcisista cuzão porque disse que não vou casar com você?

— Não, seu merda. Se você queria só me beijar, tudo bem, eu entendo. Mas só me beijar não inclui as confissões, as divagações, os passeios noturnos, os sequestros, os elogios, os consolos quando eu choro... Só me beijar não te dá o direito de fazer nada disso.

— Eu nunca disse que não me importava com você.

— Por que você está aqui, Isaac?

— Porque eu não quero que as coisas fiquem estranhas. Eu gostava de como a gente estava.

Para minha surpresa, ela me bateu com um travesseiro.

— É, vamos voltar para como a gente estava. Eu sendo a menina estranha e chorona que você salva diariamente com toda a sua sabedoria de primeiro mundo, e a gente pode até se beijar quando você quiser, mas isso não quer dizer que você não vai dar em cima de outras garotas mais fáceis e gostosas, porque — a partir daí ela começou a me dar uma travesseirada por palavra. — você não consegue manter a porra do seu pinto na porra da sua calça, consegue, seu grandessíssimo cuzão?

Allison

Lembra-se de quando eu disse que não conseguia bater com o travesseiro até começar a sair plumas dele? Bem, eu acabara de conseguir. Isaac cuspiu uma delas.

— Peruzzo...

— Olha, eu sei que eu choro muito, e por muitas coisas, como a minha família fodida, e um cara que nunca deu a mínima para mim, e animais usados para o divertimento de adolescentes babacas, mas eu choro mais pela pessoa que eu costumava ser, porque eu não sei como voltar a ser essa pessoa. E o pior é que eu não quero voltar a ser essa pessoa, mas a pessoa que eu sou agora é uma drogada idiota que precisa de um gringo narcisista cuzão para viver. Então, você diz que quer voltar ao que éramos, mas, cacete, como aquilo pode ser suficiente para você?

— Não é o suficiente para mim! — agora ele gritava como se fosse ele dando o sermão. — Você não percebe nada?! Por que acha que eu deixei meus amigos, minha família, meu país, e vim pra cá? Porque não era o suficiente! Então, é, eu não deveria ter te beijado, porque eu não vim para cá para arrumar uma garota. Tudo com o que as pessoas se importam é com quem você dorme, e isso não é o suficiente. Então você começa a achar algo pelo o que morreria, mas a verdade é que você chega a um ponto onde tem que achar algo pelo o qual viver. E eu não achei isso ainda, mas a gente estava limpando a superfície de algo extraordinário, e você sabe disso. Sei que não é o que você quer ouvir, mas estou te pedindo que não desista ainda. Porque eu também preciso de você. Não posso voltar para casa do mesmo jeito que saí. Pronto, lá está a resposta que você queria todo esse tempo.

Recuei, suavizando o tom de voz.

— Isaac...

— Eu não vou mais beijar você, não se preocupe.

— Eu te deixei entrar na minha vida porque achei que você pudesse salvá-la — falei bem rápido para não perder a coragem.

— Eu posso salvar a sua vida — confirmou ele. — Mas temo que não possa salvar a mim mesmo.

— Então... Vamos procurar o Grande Talvez?

— Vamos encontrar o Grande Talvez. Apesar de que, você sabe, é tudo sobre a escalada.

— Não cite Miley Cyrus pra mim.

Arranquei dele o primeiro sorriso desde que chegara.

— Não me tente ou vou começar a cantar. Falando nisso, não acordamos seus pais?

— Mamãe está trabalhando. Papai está “fora”.

Uma pessoa normal teria feito aquela cara triste e tentado me consolar, mas Isaac sabia que eu odiaria tal coisa, então apenas disse:

Shit, eu deveria ter arrombado a sua porta. Muito mais fácil.

— Talvez da próxima vez.

Seus olhos acizentados brilharam.

— Boa noite, Peruzzo.

— Boa noite, Geymer.

— Então eu, hum, posso sair pela porta?

Eu ri um pouco.

— É, acho que é melhor.

Descemos as escadas e eu abri a porta para ele, que enfiou as mãos nos bolsos do jeans e começou a caminhar pela rua vazia.

Isaac

Todos eles nos observavam, inquietos, e eu sabia que Allison apenas ignoraria, por isso me senti na necessidade de resmungar friamente com a boca meio cheia:

— Que é?

Eles desviaram o olhar, mas Marina não conseguiu ficar de boca fechada, mesmo que estivesse fingindo ver algo muito interessante no próprio pão de queijo:

— Então... Vocês dois se acertaram?

— Por que a pergunta?

— Bem, ela tá aqui — Felipe deu de ombros, apontando para Allison com seu sanduíche.

— Estamos nos juntando pelo bem maior — disse Allison. — Tipo Dumbledore e Grindelwald. E vocês vão ajudar.

— Nós vamos? — Clara ergueu uma sobrancelha.

— Sim, assim que Isaac explicar detalhadamente por que trouxe seu ego monumental para este país.

— Eu odeio você — encarei-a, perplexo.

Ela sorriu, afastando o cabelo do rosto.

— Cala a boca, narcisista cuzão. Todo mundo livre depois da aula? — Eles assentiram e Allison se voltou para mim. — Acha que podemos nos encontrar na praça?

— Não pode ser em outro lugar? Aquela praça é meio, hum, sagrada.

É a nossa praça, eu queria dizer, mas achei que isso fosse contrariar nossas regras pré-estabelecidas.

— Lembra-se de que eu disse que talvez te mostrasse o Cafofo da Allison? — ela murmurou. — Estou considerando a possibilidade.

— God, você quer mesmo que o encontro seja naquela praça, não é?

— Preciso de um sentido novo para ela.

Assenti.

— Na praça, então.

* * *

— Então podemos, tipo, ir três em cada carro — sugeriu Clara.

— Quem vem comigo e com o Fê?

— Eu vou — disse Allison sem hesitar.

Eu ergui uma sobrancelha.

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— Você vai?

— Eu vou.

Allison

Felipe dirigia, Clara estava no banco do passageiro e eu no banco de trás. O carro estava silencioso, exceto por A Horse With No Name tocando baixinho no rádio.

— Isso está meio deprimente — comentou Clara.

— Aposto que a Peruzzo está adorando — Felipe esboçou um sorriso. — Afinal, ela sabia que a gente não encheria o saco dela, diferentemente daqueles curiosos Giorno e Soleil.

— É, bem, eu realmente não quero saber da vida amorosa do Geymer.

— Mas esse não é o ponto — repliquei, sabendo que me arrependeria de ter aberto a boca. — Não é um relacionamento. Estamos em busca de algum tipo de epifania, não somos um casal.

— Eu não acredito em você — Clara sorriu. — Acho que, depois que você beija Isaac Geymer, não consegue falar com ele sem olhar para aqueles lábios e ficar pensando nisso.

— Você acha que sou uma daquelas garotas excluídas que ficam apaixonadas pelo primeiro cara bonito que dá bola para elas e começam a escrever poemas e escrever Sra. Geymer na carteira. Mas eu não sou. Está bem? Eu não sou a vítima indefesa que ele salva — recostei-me no banco. — Não sou.

Pouco tempo depois estávamos na praça. Sentamo-nos na arquibancada ao lado da pequena quadra de futebol e ficamos em silêncio por um momento.

— Declaro aberta a primeira reunião do... Hmmm... — Isaac começou, pensando em um nome.

— The Breakfast Club? — sugeri, e rimos sozinhos, porque ninguém mais entendeu a referência.

— Do Grande Talvez — sugeriu ele, e acatamos. — Nessas reuniões, não vamos fazer coisas idiotas, como conversar sobre quem pegou quem na festa de sexta, ou quem ganhou o Big Brother, ou a nova música de alguma boyband. Quero ideias de verdade.

Ficamos em silêncio por um minuto. Era estranho tentar planejar algo, porque todos os nossos grandes momentos aconteceram quando do nada alguém disse "Ei, vamos fazer tal coisa?". Percebendo isso, Isaac disse:

— Quem quer tomar sorvete?

Todos concordamos e, para minha surpresa, ele começou a andar na direção contrária da sorveteria, e acabamos no Parque Villa Lobos.

Pedro acabou seu sorvete primeiro e ficou andando por ali com seu skate, que era seu meio de transporte para o colégio às vezes. Isaac murmurou:

— Isso parece fácil.

Marina riu.

— Ei, Giorno! Empresta o skate um minuto?

Pedro deu o skate a ela, que deu a Isaac, que o colocou no chão no meio da pista e colocou o primeiro pé... muito na frente, de modo que o skate deu uma cambalhota e caiu para frente. Depois pois o pé muito para trás e o skate bateu nele. Quando finalmente conseguiu subir, desequilibrou no primeiro impulso e o skate foi embora.

Eu estava quase chorando de tanto rir.

— Por que a gente não deixa a Peruzzo tentar, então? — ele ergueu uma sobrancelha, irritado.

Isaac

Allison deu de ombros, com seu sorriso travesso no rosto. Ah, não. Não era possível que...

Ela subiu no skate e saiu andando. Não sabia fazer nenhuma manobra legal, mas passou pelos cones com facilidade e depois sorriu, satisfeita.

— Velho, ela é muito mais maneira que você — disse Pedro. — Por que a gente ainda sai contigo?

— Por que você...? — encarei Allison, sem saber direito que pergunta fazer.

— Meus primos. Era isso ou jogar videogame de luta, e eu sou do tipo que aperta todos os botões esperando por um super combo ou, hm, um milagre.

— Deveríamos jogar vôlei — sugeriu Marina.

— Com a sua cabeça, só se for — Clara retorquiu.

— As meninas sentadas ali têm uma bola, e não estão usando — Allison sugeriu, apontando para duas meninas sentadas numa mesinha.

— Ok, podemos ir lá pedir e...

— O Geymer deveria pedir — disse Allison.

— Por que ele? — Pedro ergueu uma sobrancelha.

Clara e Marina ergueram uma sobrancelha.

— É sério que você está perguntando isso?

Eles me olharam por um minuto como se me analisassem.

— É, eu acho que a camisa "Eu peguei a garota do Jessie" não vai ajudar muito — comentou Felipe.

— Eu não acho que elas vão entender a camisa — Allison lembrou.

— Eu não entendi a camisa — Pedro admitiu.

— Sabe, aquele rock clássico do Springfield, You know I wish I that had Jessie's girl... — Marina cantarolou, e Pedro fez que não com a cabeça. — Enfim, tire a camisa.

— Eu não sou um fucking stripper! — protestei, irritado. — Eu vou lá e vou pedir gentilmente. Como qualquer um de vocês faria.

Decepcionados, eles me observaram ir até a mesa das meninas, que me viram a metros de distância.

— Oi! — sorri, olhando um pouco para cada uma. — Será que vocês podem emprestar essa bola para a gente? Sabe, se não estiverem usando... Eu e meus amigos estávamos querendo jogar vôlei.

— Você tem um sotaque engraçado — uma delas comentou, sorrindo, e a outra lhe deu uma cotovelada. — Que é, Jéssica?

— Intercâmbio, Estados Unidos — falei, sem muitos detalhes. — Então... Posso usar a bola?

— Podemos jogar com vocês? — a outra menina, Jéssica, pediu.

— Érrr... Claro — sorri mais. — Vamos lá, eu apresento vocês.

— E... Você é gringo mesmo? — a primeira disse, desconfiada. — Não está, tipo, fingindo que nem todo mundo por causa da Copa?

Balancei a cabeça e tirei minha carteira de motorista do bolso.

—... Isso é tão legal!

— É... — aproximamo-nos do resto do grupo. — Então, elas vão jogar com a gente. Jéssica e...?

— Fernanda.

— Fernanda. Jéssica e Fernanda vão jogar com a gente.

A recepção foi positiva, exceto por Allison, que não estava muito no clima. Quando eles começaram a se dirigir à quadra de vôlei, ela resmungou:

— Ótimo, você trouxe suas próprias strippers para jogar — ela revirou os olhos, se referindo aos shorts curtos que as meninas usavam.

Coloquei um braço ao redor dela por costume, mas depois tirei.

— Era o único jeito de elas jogarem, não vou quebrar nosso acordo.

— Qual? O de não dar em cima de outras garotas perto de mim? Pode dar — ela apertou o passo. — Eu não ligo.

— É, estou vendo que não.

Ela bufou, mas não retrucou, pois havíamos chegado na quadra.

— Tá, então fica o Geymer para um lado e a Peruzzo para o outro e os times continuam certos — Marina decidiu. — Beleza?

— Ok — dei de ombros e fui para o meu lado da quadra.