DeBrassio

Capítulo 7 - Agora


Da última vez ele parecia ter um pouco mais de cabelo. Era alto e me dava muito medo. Acho que eu não tinha mais que sete, mas eu senti medo, bastante medo, do cara de sobretudo azul-marinho. Me lembro de sentir o mesmo terror de agora. Mas que ideia foi essa de aceitar entrar em um carro acompanhada de dois homens desconhecidos. Em outros tempos não entraria nem se fosse parentes meus.

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Afinal, que tipo de pessoa me tornei?

“Vou leva-la para casa”, ele disse e eu ri. Como se alguém realmente estivesse esperando por mim.

Eu não esperaria.

Na verdade, eu nem tenho casa.

Eu quero gritar, mas acho que se eu abrir a boca, o resto da dignidade que eu tenho vai embora. Chego mais perto da janela e me encolho. O homem me olha, perguntando silenciosamente o que raios está acontecendo. E me pergunto a mesma coisa. Acho que ainda posso ser um pouquinho de Mary-Kate, não? É horrível. Eu me lembro vagamente de ter sentado de frente para uma parede e ter ensaiado tudo o que deveria ser dito. Tudo o que eu tinha a dizer fugiu, morrendo de medo da morte ao meu lado.

O outro homem, o que dirige, aparenta estar bastante concentrado na estrada. Se ele sorrisse as coisas poderiam ficar mais reluzentes e fáceis. O jogo do silêncio prossegue e algo queima dentro de mim. Dor, fome, angustia. Tudo misturado. Vamos, Erin, respire fundo e seja rápida. Você está trancada em um carro — provavelmente blindado — em movimento, ao lado de alguém que mata pessoas. Me encolho ainda mais e peço a Deus por ajuda. Porque deve haver alguém do outro lado do universo, que deve olhar por mim. E por mais que eu esteja sem saída, tenho que acreditar. Não há mais nada no mundo onde eu possa me agarrar com toda a força que me resta. Sei que não adianta mais ser Mary-Kate. Estou nessa sozinha.

Meu estômago se revira e, daí por diante, não tenho mais controle de nada. Tenho uma vaga imagem de uma poça sobre o assoalho.

— Você é jovem demais para ser uma delas. — com rouquidão, a voz se propaga.

Talvez eu tenha perdido de vez.

...

— Abraham, deixe-a dormir. — Gwen fala, com os lábios sujos de batom marrom. O garotinho me cutuca com o dedo sujo de batom. O cheiro cítrico de tangerina parece me sufocar. Abro a boca para dizer alguma coisa, mas não consigo tomar fôlego.

— Mas Gwen, ela não parece estar dormindo.

— Deixe-a, Aby!

Abraham se afasta e cruza os braços. Tento me levantar para toca-lo, mas meu corpo não responde. Sinto gosto ruim e meu braço direito lateja. Lagrimas me sufocam junto com o que há na minha garganta. O cheiro corrói meu nariz, minha pele. Grito, mas Gwen apenas me olha com desdém. É amargo.

— Gwen, mamãe nos disse que devemos ajudar as pessoas. Não está vendo que ela estar engasgando?

O que há de errado?

O quarto gira e o gomo de tangerina se prende ainda mais, na garganta. Os lábios do menino se contraem e Gwen franze o cenho, negando com a cabeça.

— Não, querido. Ela precisa de ajuda, mas não vamos fazer nada. Deixe-a engasgar com sua língua venenosa.

Por que?

E como se lesse meus pensamentos ela responde:

— Ela é traiçoeira; você não quer ajudar um traidor, quer? Deixe-a morrer.

Sou quase cega pela luz do lustre, pendurado no teto. Esfrego os olhos com as mãos, acordo aliviada por não estar morrendo.

Talvez um pouco desapontada. Não me seria melhor morrer e deixar isso tudo para lá?

Estou deitada em uma cama confortável. Tudo é macio e cheiroso, desde os lençóis até os travesseiros. Tenho um palpite de que até as paredes cor de pêssego, se eu me levantar e puder toca-as, podem ser macias também. É um espanto, já que, eu acho, há quase uma semana eu estava dormindo sob uma caixa velha de papelão.

Um tubo de soro, conectado ao meu pulso esquerdo, machuca um pouco. Sinto fome, e há um copo em cima do criado mudo, ao lado da cama, contendo um liquido laranja. Sei que não deveria beber — porque pode até ser veneno — mas me sinto fraca, e o que mais importa? Então, uso o que sobrou de força, para tentar alcançar o copo. Sinto a agulha puxar sob a pele, a ignoro e estendo os dedos até o copo de vidro. Quando estou quase envolvendo o copo, o puxão aumenta. Sem querer deixo o copo cair. Volto à posição inicial, disposta a fingir que nada aconteceu.

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O motorista surge na porta. Ele é careca e forte. Tem músculos de quem realmente precisa usa-los. Sua expressão se mantem alerta, obviamente por causa do barulho do copo, se espatifando no chão. Sinto um calafrio nas pernas. Ele não parece amigável. Aliás, ninguém que carrega uma arma a tiracolo, pode ser considerado amigável. Não me atrevo a levantar. Vai que ele, com toda essa cara de mau, decida que sou um alvo fácil? Dou um sorriso sem dentes antes de fechar os olhos, e tentar pegar no sono outra vez.

E então, Reddington entra. De início não abro os olhos, porém, fica difícil fingir. Ele para um pouco perto do primeiro cara, e diz algo em seu ouvido, o que o faz nos deixar à sós. Isso não é um bom sinal.

— Achamos a sua mãe — diz ele, abrindo uma das cortinas — até o fim da noite você deverá vê-la.

Fecho os olhos por causa da claridade. Há um sentimento dentro de mim que não sei descrever. Ainda sinto medo, é claro. Entretanto, eu acho que poderia pular sem parar, nessa cama tão confortável. Reddington sorri, um tanto impaciente. Suas sobrancelhas estão franzidas, e os lábios comprimidos em uma linha perturbadora. O que não aparenta ser um bom sinal.

...

Dembe — descobri seu nome ao ouvir Reddington o chamar — acelera e mantém, mais uma vez, os olhos fixos na estrada.

Sento-me abraçada aos joelhos, e me encolho ao máximo que dá para fazer presa ao cinto. Reddington me deixou levar o cobertor. No começo, me senti um pouco receosa ao deixar a mansão, mas logo tal sentimento fora substituído pela euforia. Sim, estou de barriga cheia e, depois de quase dois meses eu vou encontrar minha mãe. Claro que ainda sinto raiva. Mas acho que depois de gritar e deixar escorrer todo o ressentimento, vou querer abraça-la. Ela me abandonou sozinha, mas ainda é a minha mãe.

Depois de cochilar o caminho quase todo, vi a hora em que estacionamos em frente a uma casa bastante iluminada. Não demoro para me desenroscar do cobertor junto do cinto de segurança. É sim, aqui, mamãe estava esse tempo todo escondida em uma casa vitoriana.

Não posso me conter e me impedir de saltitar pelo cascalho. Sinto que se Gwen não me odiasse e estivesse aqui, poderíamos dançar juntas.

Dembe abre a porta sem qualquer cerimônia. Acompanho Reddington, com uma certa timidez. Mas me frustro com o que vejo. Dezenas de mulheres, espalhadas pelo enorme salão. Todas ocupadas com alguma coisa. Enquanto algumas conversavam, fazendo tricô, outras, as mais jovens servem chá.

— Bem-vinda de volta ao lar. — Ele murmura com desdém.

Ah, droga!

Não posso me impedir de chorar. Tinha que ser mentira. Claro, estava fácil demais. Parabéns, Erin! Minha raiva é imensa, sinto vontade de chutar qualquer coisa. Quem mandou confiar em um criminoso?

— Porque você me enganou... — chorando, tento perguntar, mas sou interrompida por uma voz bastante familiar.

— Raymond Reddington! — pude vê-la no topo da escada — Não imaginava que você seria baixo o bastante para sequestrar a minha neta. Já passou do seu limite.