Ao acordar novamente, estou sozinha no quarto. Fico preocupada com Kyle. Quero estar perto a todo momento para garantir que minha mãe não irá falar alguma besteira ou o diminuir. Vou para o banheiro para tomar um banho rápido. Temos sorte da casa ter aquecedor em todos os cômodos, assim não é necessário andar coberta de roupas pesadas. Coloco uma calça legging preta, uma blusa de manga cumprida branca feita de malha e meias nos pés. Calço meus chinelos e abro a porta do quarto. Fico em silêncio no corredor para ver se consigo detectar a voz de Kyle. Consigo ouvir Sean dando risada junto de Tilly. Desço as escadas e olho para a sala. Sean e Tilly estão sentados lado a lado, Sean com o braço ao redor dela e Kyle um pouco mais afastado deles, sorrindo também. Ele olha para mim e seu sorriso diminui um pouco. Sinto ele me medindo.
Sean me olha e diz:
–Olha quem finalmente saiu do quarto!
Reviro os olhos mas não deixo de sorrir. Tilly sorri para mim e eu vou até o sofá vermelho. Sento-me ao lado de Kyle que passa o braço ao meu redor. Olho para seu rosto com poucos centímetros de distância dos meus. Seus olhos estão com as pupilas dilatadas e parecem mais escuros devido a pouca iluminação da sala.
–Você já comeu? - pergunto.
–Claro que sim. Acha que íamos matar ele de fome? - Sean entra no assunto.
Olho para o meu irmão e mostro a língua. Tilly bate no braço dele.
–Onde está o pai e a mãe?
Sean olha para Kyle rapidamente e se mexe no sofá antes de falar:
–Eles saíram, logo devem estar de volta.
Não sou idiota, sei que tem algo estranho ai. Olho para Kyle que me dá um sorriso sem mostrar os dentes. Eu não sorrio, olho para o sofá e digo:
–Bom, eu vou ir comer alguma coisa. Tilly, você pode vir comigo?
Sean estreita os olhos mas tira os braços do ombro de sua namorada. Eu e ele trocamos um olhar.
–Já volto. - olho para Kyle.
Me levanto do sofá e ando até a cozinha. Sei que minha mãe fez alguma coisa. Meu pai deve ter saído com ela para brigar em algum outro lugar.
Quando entro na cozinha me espanto ao ver que já se passam do meio dia. Dormi muito mais do que achei que tinha dormido após Kyle chegar. Contorno a mesa e sento-me num lugar onde eu possa olhar para Kyle que está sentado no sofá olhando para a televisão. Ele parece abatido, como se não quisesse demonstrar. Mas eu o conheço.
Tilly entra na cozinha e sorri para mim, senta-se de frente para mim do outro lado da mesa.
–Achei tão bonitinho ele vir para cá.
–Foi meu pai que chamou ele?
–Foi. Depois do almoço Sean foi falar com o seu pai e deu essa ideia.
Pego uma maçã verde na fruteira e levo até a boca dando uma mordida.
–Então, quando você foi falar comigo ontem de noite, você já sabia?
Tilly sorri.
–Sim.
Concordo com a cabeça.
–Tilly, você disse que se eu precisasse de você para conversar, que você estaria disposta, certo?
Ela se arruma na cadeira.
–Sim, claro.
Coloco o cabelo solto atrás da minha orelha.
–O que a minha mãe falou para ele?
Ela arregala seus olhos e então eu tenho certeza de que ela realmente falou com ele.
–Eu não sei. Ela disse que queria falar a sós com ele e o levou lá para fora.
–Que horas foi isso?
–Ah acho que era umas dez horas. Ele já tinha ido te ver e falou que você estava dormindo.
Concordo com a cabeça.
–Tem certeza que você não sabe?
Eu a estava interrogando como um policial e ela parecia bem reprimida, mas, eu tinha que fazer isso.
–Tenho, ela disse que queria conversar sozinha com ele.
–E por que meu pai levou ela para sair?
Ela fica em silêncio e eu balanço a cabeça.
–Já entendi. Obrigada Tilly.
Ela força um sorriso e se levanta me deixando na cozinha. Sinto minha cabeça latejar. Encaro a fruteira farta de maçãs verdes, bananas e outras frutas. Ouço passos se aproximando da cozinha. Sei que é ele.
–Você está bem?
Olho para ele enquanto ele se senta no lugar onde Tilly estava.
–Você está bem? - faço a mesma pergunta.
Ele concorda com a cabeça.
–Estou sim, boneca.
–O que ela falou pra você? - estreito os olhos. - Não tenta mentir pra mim porque eu te conheço bastante. Sua cara está péssima. O que ela falou pra você? Ela te humilhou, ela...
–Não. - ele diz e se mexe na cadeira. - Não falou nada demais. Estou bem, eu só estou cansado.
–Kyle.
–O quê? - ele dá de ombros. - Olha, ela não disse nada do que não seja verdade. Ela é sua mãe, ela sabe mais do que eu.
Levanto-me da cadeira bruscamente e Kyle franze o cenho. - Quero falar com você lá em cima.
Saio da cozinha deixando Kyle sozinho e passo cono um furacão pela sala. Ouço Sean me chamar, mas subo os degraus da escada como um furacão.
Já posso sentir todo o meu corpo dolorido pelo estresse emocional que vou sentir. Abro a porta do meu quarto e me sento na beirada da cama. Deixo a porta aberta para que Kyle feche quando entrar. Ele não demora muito a aparecer e fecha a porta atrás dele enquanto nos encaramos seriamente.
Cruzo os braços.
–Você não vai me contar o que ela falou?
Ele respira fundo e dá de ombros.
–Ela tem razão em tudo o que ela disse.
– O que ela disse?
–Que eu não sou bom para você; que você merece alguém com os mesmos objetivos e condições; alguém que acrescente algo em sua vida e não te arraste para um caminho ruim.
Ele para de falar quando vê que estou a ponto de ter um ataque de raiva. Fecho meus olhos e levo as mãos trêmulas até meu rosto, cobrindo-o.
–Meu Deus. - sussurro. - Meu Deus, eu odeio ela.
–Alice, ela tem razão.
–Não tem! - eu grito e olho para ele. - Você está louco? Ela fez uma lavagem cerebral em você?
Kyle suspira e fica me olhando enquanto as lágrimas furiosas saem dos meus olhos.
–Alice, por favor, calma.
–Não me manda ficar calma, Kyle. Qual vai ser o próximo passo? Você terminar comigo?
–É o que eu deveria fazer. Mas sou muito egoísta para isso.
Levanto-me e avanço nele batendo em seu braço. Ele segura meus pulsos e diz:
–Alice, Alice para! PARA.
–Não se atreva a fazer isso comigo. - eu grito. - Não de atreva, Kyle. Você não pode me deixar e nem termimar comigo. Como pode dizer que não é bom para mim?
Me desvencilho de suas mãos apertando meus pulsos e vou até a cama. Estou chorando descontroladamente.
–Acha que eu ligo para dinheiro? Por que acha que nunca mencionei o fato de sempre ter morado numa casa numa colina em Los Angeles? Para não fazer você se sentir mal? Não, mas sim porque eu pouco me importo com o dinheiro deles. Eu não sou rica, eu não tenho dinheiro. Eles têm. Eu trabalho como garçonete de segunda a sábado Kyle. Acha que me importo com dinheiro?
Paro de falar e engulo em seco. Ele está me olhando com as mãos nos bolsos da calça jeans.
–Como pode falar que não é bom para mim? Por acaso é você que enfiava as cervejas na minha boca? Você me estuprou por acaso ou fui eu que quis me entregar a você? Como pode dizer isso? Ela é uma louca sem coração.
Ele permanece em silêncio enquanto deveria me abraçar e dizer que eu estava certa e me ajudar a recuperar os pedaços do meu coração. Eu estava devastada. Eu odiava aquela casa.
Limpo o rosto com as costas da mão e levanto-me da cama.
–Onde você vai?
Vou até o guarda-roupa e pego uma touca para colocar. Calço rapidamente o par de All Star que havia trago comigo.
–Não vem atrás de mim. - digo e saio batendo a porta do quarto.
Desdo as escadas correndo e saio de casa antes que alguém venha atrás de mim.
Desci pela colina correndo e entrei na floresta que cercava a estrada de asfalto para subir para as casas na colina. Aquele lugar não era novo para mim. Eu já estivera ali, anos atrás e me lembrava vagamente do caminho da trilha. Acho que talvez deveria ter me agasalhado melhor mas eu estava tão louca para sair daquela casa.
Eu não deveria ter vindo. Era sempre a mesma coisa. Eu não entendia o motivo de minha mãe sempre arrumar um jeito de me atacar de algum modo e agora, Kyle. Como ele pôde ao menos pensar em terminar comigo? Como se isso fosse o melhor a fazer... Por que? Eu estava farta daquilo tudo. Estava farta das pessoas acharem o que era bom ou não para mim quando eu já era adulta o suficiente para fazer minhas próprias escolhas.
Eu apenas vou adentrando cada vez mais na floresta sem olhar para trás. Piso em folhas mortas e secas no chão que estralam com o meu peso esmagando-as. As árvores altas estão ficando peladas por causa do frio. Talvez chegue a nevar, mesmo sendo raro com o clima californiano. Tenho uma lembrança de quando saí de casa e montei uma barraca no meio daquela floresta. Passei dois dias "desaparecida". Mas eu precisava ficar sozinha.

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