Céu

Capítulo 7 – Sonhos e Realidade


As horas doem
Os ponteiros são facas afiadas
A espera uma ilusão que eles rasgam
Fazem sangrar

Proíbo-me de pensar
Se você estivesse aqui
Nunca quis que fosse assim
E não era...

Até que fosse amor
Tão de repente
Entre braços e perfume,
Sorrisos e palavras
Até a punição
Que te leva de volta pra longe...

Tic Tac
Tic Tac
O ruído de dor
Objeto assassino
Meus momentos de horror
Sem você...


Torceu o nariz para os versos rabiscados na folha decorada. Leu-os em pensamento. Até que traduziam um pouco do que sentia... Talvez bastante.
Suspirou. Sentiu ímpetos de amassar a folha e atirá-la bem longe, na cabeça dele de preferência, para que, quem sabe, acordasse, prestasse atenção... Mas apenas releu os versos imaginando que ele pudesse lê-los. O que pensaria? Estaria sendo clara para ele?
Fechou o caderno de capa dura e decorada com estrelinhas em vários tons de rosa num novo suspiro. Precisava comprar mais um daqueles para continuar escrevendo, pensou. E soltou um risinho amargo em seguida.
- Pra quê? – murmurou para si mesma. – Como se alguém fosse dar valor... – ficou fitando o caderno com ódio. Ódio de si mesma, ódio de seu ser tão intenso, quase adolescente. Ódio por poder escrever tantos poemas e personagens, mas jamais o próprio eu, os próprios sonhos e necessidades...
Voltou a deitar-se na cama, fazendo questão de antes, pisar como se fosse casualmente no vestido que atirara horas antes no chão. Mais uma de suas atitudes desnecessárias e infantis. Pôs-se a fitar o teto sem realmente vê-lo. De repente lembrou-se de uma voz que, de vez enquando soprava em seus ouvidos...
“Foi você que escreveu esse poema...?”
E aqueles olhos castanhos, aquele rosto que parecia sofrer de paralisia facial como sempre pensava, aqueles cabelos espetando no alto da cabeça, pintados ou não de um laranja ofuscante... A imagem ia se esvaindo sempre... Se embaçando...

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E a voz se misturando ao ambiente, se dissolvendo... Não conseguia entender...
- Mai, querida! – ouviu duas batidinhas na porta e três segundos depois uma cabeça loira surgiu por entre um pequeno vão da porta. – Venha assistir ao desfile da Gucci! – os olhos claros cintilavam. E aquele tom de voz a enojava.
- Já estou indo mamãe... – disse aguçando o desânimo na voz e levantando-se como se pesasse mais de cem quilos, pisoteando novamente o vestido cinza.
A mulher sorrindo, ignorando a pirraça sutil da filha, foi andando em direção a sala.
Por que os pais não podiam simplesmente ter ficado na Inglaterra até que terminasse a faculdade e pudesse se mandar dali?

****

Entrou em casa na ponta dos pés. Conferiu segundos antes no relógio que passava um pouco das dez. Tudo bem. O povo daquela casa dormia cedo.
Nem acendeu a luz e foi andando até as escadas devagar, sem fazer barulho no assoalho... Conhecia aquela casa desde que nascera então não teria problemas.
Não se não tivesse um pai louco. Ou se ao menos se lembrasse disso.
- Ichigoooo! – o pai cantarolou descendo corrimão abaixo em direção à cria, os braços abertos como se fosse uma criança feliz num escorregador da pracinha.
- Uaaah! – o ruivo berrou de susto, saindo instintivamente do caminho do barbudo louco.
E Isshin então, beijou o chão, tamanho o estabaco.
- Uhuul! – sem se abalar, levantou a testa sangrenta e o polegar. – Nice!
- MAS QUE DIABOS VOCÊ FUMOU!? – o ruivo nunca se acostumaria com as excentricidades do pai.
- Ichigooo! – o homem de cabelos pretos aproximou-se de Ichigo e abraçou-lhe afetuosamente... Mais teatralmente do que verdadeiramente amoroso, convenhamos. – Não sabe quanto tempo tive que ficar ali à espreita te esperando... – lágrimas já escorriam pela face áspera por causa da barba por fazer. – Tive até que buscar um lanchinho extra na cozinha! – apontou para um pacote de biscoitos no topo da escada.

- Tsc, você não está normal, não é possível! – afastou bruscamente o velho de seu peito. – Não sei pra quê esse circo todo. Não me impressionou nem um pouco. – e pôs-se na direção das escadas.
- Hei, hei! – o velho ajoelhado no chão chamou. E o ruivo virou-se inevitavelmente. – Não pense que eu não senti o cheirinho doce dela! – apontou-lhe o dedo acusador, piscando feliz.
- Argh! – virou o rosto encarando os degraus novamente. - Pare de gritar, seu nojento! Vai acordar suas filhas. – mudou de assunto e foi subindo ligeiro.
- Eu sou bom em guardar perfumes, hein! – ignorou o pedido do filho e continuou berrando para a escada. – Vou saber assim que encontrá-la na rua! Nem adianta tentar escondê-la se ela for barangona hahaha!
O jovem já havia sumido. A porta do quarto lá em cima bateu.
Parou de rir feito um idiota e deixou apenas o sorriso como uma marquinha daquela alegria estrondosa.
- A noite deve ter sido boa, filho... – disse baixinho para si mesmo, mais como um pensamento. – Você esqueceu-se de esconder o bracelete... – encheu o peito de ar e ternura. – Ou então... Foi o meu susto macabro e maquinado que te fez perder a noção, hahaha! – com as mãos nos quadris voltou a rir escandalosamente, irritando o ruivo lá em cima que, teria aquele barulho como desculpa pela sua insônia...

****

Entrou pelo hall do prédio. Estava tudo vazio demais. Lembrou-se de que aquela moça de óculos e semblante sempre sério havia comentado que visitaria uns parentes no litoral naquele fim de semana. Ela sempre ficava ali, lendo algum livro bem grosso toda vez que saía e entrava do prédio. A não ser quando estava usando deste mesmo objeto para bater no dono da república. O que era uma cena bem cômica de se ver. Perguntava-se se eles namoravam... Serial legal.
Chamou o elevador e entrou calmamente. Aquele pequeno espaço parecia estar impregnado com o perfume levemente cítrico que sentiu a noite inteira... Ou eram suas roupas... Ou talvez seu nariz.

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Pensou naquela comida asquerosa sendo enfiada de forma violenta em sua boca. Lembrou-se da cara de rabugento dele que irritava às vezes. Agradeceu por pelo menos ele não ser um psicopata... Bem, não parecia ser um. Mas se fosse descobriria nas próximas saídas forçadas que teriam.
Suspirou pesadamente ao pensar nisso. Queria muito não ter assinado aquele papel idiota. Não estaria presa àquele bracelete...
Quando saiu do elevador, ouviu batidas. Era música. As paredes e o chão estavam vibrando assustadoramente.
Com os olhos arregalados e o corpo duro foi andando até a porta do apartamento. Receosamente abriu-a... Não queria acreditar no que imaginava que ia encontrar...
Mas não teve outra escolha quando seus olhos absorveram aquela imagem e esta foi enviada para o cérebro, ou seja qual for a ordem que acontece quando se assimila um fato. De qualquer modo foi terrível.
- Olha, chegou mais uma! – ouviu uma voz masculina gritar por sobre as batidas das caixas de som e logo em seguida outras vozes surgiram cheias de comentários e cumprimentos duvidosos.
Mas não estava sequer ouvindo o que diziam.
Os olhos azuis corriam quase apavorados pelo apartamento que parecia tão pequeno e que estava sendo capaz de suportar tanta bagunça.
Homens bebendo no gargalo, falando alto, perdendo os olhos em decotes... Isso quando não estavam agarrando alguma mulher num canto como se não houvesse ninguém no recinto. Mulheres rindo, gargalhando, dançando insinuantemente coladas às amigas ou a outros homens que babavam descaradamente. O cheiro de álcool abafado. O chão povoado de garrafas vazias e bebidas derramadas... Gente em cima da mesa, gente desmaiada, gente pulando, gente acabando com o pouco que tinham na geladeira... Um caos. Um verdadeiro e apavorante caos.
- Rukia-chaan! – Rangiku, no meio de toda aquela algazarra avistou a pequena e acenou vigorosamente com um sorriso enorme no rosto. – Pega uma garrafa! – apontou para um homem que surgia por trás dela com duas garrafas na mão.

Girou a cabeça indignada e voltou os olhos chamejantes para a loira peituda que continuava sorrindo e agora estava dançando ignorando-a.
- Vamos lindinha, não fique tímida. – o homem atrás da baixinha insistiu erguendo a garrafa para ela. – Vamos cair juntos na pista!
- Ah! – abriu a boca e só conseguiu emitir um som de ímpio furioso. Saiu andando para longe do homem tentando alcançar a loira para dar um ‘sacode’ nela, mas foi interrompida por uma vozinha melosa.
- Rukia-chan... – murmurava com força, mas a voz saía fraca. – Me tira daqui! – era Momo, aquela mesma expressão de quando a viu no colégio... Rosto vermelho, olhos úmidos e semicerrados. De dar dó.
- Momo! – gritou desesperada e correu até a menina plantando a mão em sua testa. – Meu Deus! – ofegou. – Está com febre de novo!
- Meus ouvidos... – murmurou fechando os olhos. – Eu vou ficar surda...
Franziu as sobrancelhas e inflou levemente as bochechas irada. Tinha vontade de dar uns tapas naquela face lavada de Rangiku. Como podia ser tão egoísta e inconseqüente? Nada explicava um ato cruel daqueles. Será que não estava vendo a própria prima? Ainda estava vestida com seus pijamas, totalmente contra àquela festa.
- Me espere aqui. Só um minuto. Vou acabar com essa palhaçada. – declarou a pequena num tom ameaçador bem diferente do que seu rosto infantil supunha.
- Rukia-chan... O que vai fazer? – Momo forçou-se a levar a voz para perguntar. Segurava o braço de sua protetora.
- Vou chamar o dono dessa república! Ele vai acabar com isso tudo num instantinho! – virou-se para ir, mas a mão de Momo não a soltava. – O que foi? – virou novamente para ela.
- Rukia-chan... Se Nanao-chan estivesse aqui, ela até faria alguma coisa... Mas sem ela, a festa fica até mais possível... E impossível de ser parada... – apontou com o dedo para aquele homem barbudo de cabelos castanhos cacheados com uma garrafa de sake em cada mão e o corpo balançando pra lá e pra cá no meio de duas garotas de cabelos tingidos e minissaias.

- Não... Não posso acreditar... – os olhos azuis de Rukia ficaram estáticos enquanto via Shunsui, o melhor amigo de seu pai, se divertindo mais que os jovens da festa. – Venha! – de repente, não viu outra saída que não agarrar o braço da menina febril e arrastá-la para fora dali.
Quando já estavam no corredor, com a porta do quarto batida com raiva, Rukia continuava puxando a menina pelo braço em direção a uma escadaria que ficava lá no fundo.
- Para onde está me levando, Rukia-chan? – Momo perguntou indo atrás da baixinha.
- Para o terraço, oras. Lá você fica longe do barulho enquanto eu resolvo tudo isso.
Subiram então as escadas empoeiradas sem piso, como se ainda estivesse em processo de obra... Mas pelo que já conhecia do lugar, imaginava que a verdade é que haviam se esquecido ou simplesmente deixado os acabamentos pra lá.
Ao chegarem lá em cima, sentiram o vento soprar consideravelmente frio. Era a primeira vez que Rukia subia ali. O chão era como os degraus: empoeirado e sem piso. Havia somente grades envolvendo a grande área. E um céu esplêndido lá em cima, com uma lua branca brilhante e suas estrelinhas fiéis piscando. Muitas delas...
A baixinha de cabelos pretos ficou admirada. Era um lugar bem grande e fresco, tinha uma vista incrível para o céu. Mesmo que não tivesse nem mesmo uma cadeira e o chão estivesse no pó. Podia ficar horas ali... Pela primeira vez sentiu no peito uma pontada de afeto pelo ambiente da república.
- Shiro-chan! – de repente ouviu Momo exclamar. De fato, nem tinha reparado. Havia um menino grudado às grandes, segurando-as, olhando lá pra baixo distraído. Era muito pequeno... Virou o rosto e seus olhos azuis gelados se fixaram na moreninha de pijamas. Vestia calças e casaco.
- Quem é ele? – Rukia cochichou.
- É o Shir... Digo Hitsugaya-kun. Conhecemos-nos desde criancinhas. Ele está fazendo faculdade apesar de ser mais novo que eu... – respondeu.
- Hinamori! – o garoto veio depressa até elas. – O que está fazendo aqui nessa friagem? – seu tom era de quem ralha.

- Eu a trouxe aqui fugida daquela baderna lá embaixo... – Rukia explicou. – Presumo que esteja fugindo também, não é?
- É... – respondeu. – Eu odeio quando fazem essas festas idiotas... – afastou os olhos para seu redor. – Achei que... Achei que quisesse fugir de lá, Hinamori...
- Eu queria... – disse fraquinha. – Mas estava sem forças... – encolheu-se diante do vento frio.
- Hitsugaya. – Rukia interrompeu os dois. – Será que... Será que pode cuidar dela enquanto vou buscar os remédios e tentar acabar com essa festa?
- C-cuidar dela? – espantou-se. – Como assim?
- Só fique aqui com ela, certo? Ela ficou tempo demais sozinha... – murmurou na última frase.
- Certo. Pode deixar comigo. – respondeu levemente corado, porém determinado.
Rukia então virou as costas e deixou o recinto mais que depressa. De alguma forma confiou plenamente naquele garotinho. De alguma forma pôde sentir o que havia entre os dois...
- Shiro-chan... – Momo resmungou. – Será que podemos sentar...? Estou tonta.
O menino então, imediatamente, arrancou o casaco que vestia e cobriu os ombros de Momo. Não era suficientemente grande para envolver seu corpo totalmente, mas até que estava bem quentinho...
- Venha! – puxou-a pelo pulso. Sentou-se no chão, encostado na grade. – Sente-se aqui.
Ela obedeceu. Cambaleou até ele e sentou-se do seu lado. O coração dele se contraía de preocupação. Era terrível vê-la doente.
- Eu devia... Devia ter vindo antes, não é? – murmurou ela num fiozinho de voz sonolenta. – Você estava me esperando, né, Shiro-chan?
Corou violentamente. Lembrou que sempre, sempre se encontravam ali quando Rangiku resolvia dar festinhas no apartamento. O que não era raro. Ficavam olhando as estrelas, conversando, comendo besteiras ou desenhando no chão até muito tempo... Se ela não acabasse dormindo no colchonete que costumava levar, viam o sol nascer juntos...
Não sabia o que dizer com o coração aos pulos em sua garganta. Ele o estava sufocando!

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Ia então abrir a boca para dizer o que sempre dizia nesses momentos: para não chamá-lo de Shiro-chan. Mas antes que pudesse emitir qualquer som, a cabeça da garota caiu devagar em seu ombro e ele pôde sentir a respiração suave dela em seu pescoço.
E sabia naquele momento que cada batida cardíaca podia se transformar em explosões dolorosas. E sabia que não sentia mais frio algum mesmo depois de emprestar à menina seu casaco. E sabia que tremia. Mas sabia também acima de tudo, que não trocaria aquele sopro e o cheiro de pêssego do cabelo dela tão perto por nada.
- Ela dormiu? – quando deu por si, Rukia já havia aparecido com uma pequena bolsa branca na mão e um copo d’água na outra. Pegou um comprimido. – Momo, tome isso.
Ela abriu os olhos pesadamente e obedeceu.
- Você pode levá-la para seu quarto? – Rukia virou-se para Hitsugaya. – Será que ela poderia dormir lá?
- C-claro. – respondeu assentindo. – Não se preocupe.
- Obrigada. – sorriu grata. – Muito obrigada.
- Não... – respondeu quando Momo já havia engolido o remédio e voltado para seu ombro. – Eu que agradeço.

*****

O fato foi que não conseguiu acabar com a festa. Tentou cortar o som e gritar, mas enquanto tivesse bebida eles não iam parar.
Então desistiu. Sabia que Momo estava bem e era isso que importava.
Acabou indo para o terraço e assistindo o sol nascer ali. E não foi uma experiência tão desagradável depois de tudo que passara ao longo do dia. Com o cheiro dele ainda no vestido, pensava que, se pudesse ter escolhido o encontro ficariam ali, só olhando o céu... E quem sabe, debaixo das estrelas que iam desaparecendo por causa da claridade que vinha tomando espaço, não poderiam ser abençoados? E quem sabe, como aqueles raios de sol que iam ficando mais fortes em sua pele afastando o frio da madrugada, um não podia afastar do outro sua falta de fé, sua solidão, suas mágoas com um calor verdadeiro e abstrato?
Claro, pensou isso quando quase não conseguia mais segurar seus olhos abertos de tanto sono...

Embora quisesse muito que o que Celeste-sama havia dito fosse a mais pura verdade, ficava cada vez mais difícil acreditar... E estava muito crescidinha para ficar sonhando acordada. Eles já tinham uma ligação em comum, aquilo que era mais importante na sua vida. E por isso trabalhariam juntos e esperava que ele prosperasse tanto quanto ela. O destino era isso. Unir as pessoas pelos seus interesses.
Histórias sobre céus estrelados e auroras só eram permitidos para os segundos antes de, inevitavelmente, fechar os olhos e cair adormecida...

*****

Só foi acordar mais ou menos às dez da manhã, com os gritos de um certo baixinho prodígio. Nem acreditava que tinha dormido no chão duro e empoeirado. O vestido já não era mais branco de jeito nenhum!
Pelo menos, constatou, apesar da dor que sentia nas costas e na cabeça, que Momo estava se recuperando. Ficaria no apartamento de Hitsugaya até que arrumassem o outro.
O garoto de cabelos claros afirmou que não dormiu a noite toda vigiando a doentinha. Disse que sua febre havia abaixado e que ainda sentia dores nos ouvidos, mas que eram mais fracas. Disse que ela havia tomado café-da-manhã e que não deixara Keigo se aproximar dela de jeito nenhum. Mesmo que o seu colega de quarto só tenha chegado altas horas da madrugada e alguns minutos depois caído babando na beirada da cama. E que estivesse lá até agora.
Rukia então entrou no apartamento quase tendo que pular para não pisar em garrafas, roupas, restos de bebida e pessoas caídas, conseguindo se esgueirar até o banheiro.
Tomou um banho e se aprontou. Enfiou no corpo seu vestido mais confortável de mangas curtas. Precisava descansar de algum jeito.
Como só devia haver umas três pessoas caídas – excluindo Rangiku -, a pequena não hesitou em expulsar todas elas aos gritos.
Assim que estavam sozinhas então, acordou a loira peituda espalhada em sua cama.

- Acho que precisamos conversar, não é? – disse com as mãos na cintura, depois que a libriana tinha tomado remédios para dor de cabeça e estava sentada na cozinha com uma xícara de café nas mãos.
- Ah Rukia-chan... – pousou a xícara na mesa e segurou os cabelos fechando os olhos. – Conversar sobre o que? – a voz parecia exausta.
- Como assim sobre o que? – não conseguiu não elevar a voz. – O que você pensa que está fazendo? Você não sente nem um pouquinho de culpa pelo que aconteceu ontem aqui?
- Culpa...? – brincava com a xícara nas mãos distraída. – Do que está falando...? Eu sou uma mulher livre e desimpedida. Posso ficar com quem eu quiser, festejar o quanto quiser!
- Meu Deus! – a baixinha bateu o pé no chão exasperada. – Não estou falando de ficar ou não com alguém ou de festejar. Sobre isso, o problema é seu, concordo, pode fazer o que quiser! Mas não aqui! Não nessa situação! Não desse jeito! Você não pensa...? Ficou quatro dias fora de casa com sua prima doente. Você é tudo o que ela tem! Não a respeita, ela é apenas uma criança! Estava precisando descansar, de silêncio, você a fez piorar com toda aquela bagunça! E nem sabe do que eu estou falando, não sente nada por isso!
- Ah meu Deus... – a loira murmurou largando a xícara e afundando o rosto nas mãos. – Eu me esqueci da Momo...
Rukia só conseguia encará-la ainda indignada.
- Ela está muito mal? – levantou de novo o rosto com uma expressão receosa.
- Não. Graças ao Hitsugaya que a deixou dormir no apartamento dele ontem. – respondeu séria. – O que você está pensando, Rangiku? – puxou uma cadeira e sentou-se de frente para ela. – O que está acontecendo?
Por uns minutos a loira terminou seu café e ficou fitando a mesa como se fosse o objeto mais interessante do mundo. Procurava as palavras. Ou apenas se calava diante da culpa e do que vira que tinha feito de errado. Como uma criança que quebra o vaso preferido da mãe por não ouvi-la e jogar bola dentro de casa e é obrigada a refletir em silêncio diante de uma bronca.

- Eu sinto muito, Rukia-chan... – disse enfim com a voz embargada. – Eu sinto muito por ser assim tão egoísta... – fungou e piscou ferozmente os olhos os escancarando para que as lágrimas não o invadissem.
O olhar de Rukia continuava duro e sério. Mas agora ela sentia que a loira estava com problemas também. E nem todos conseguem lidar com problemas do melhor jeito possível.
- Eu só faço besteiras, não é? – sorriu amargamente encarando a pequena. – Eu sou tão fraca... – e de repente, abriu a boca para dizer mais algo, mas não conseguiu. O nó entalado na garganta veio à tona e ela começou a chorar. Escondeu o rosto.
Agora Rukia estava preocupada. Mas resolveu que ia esperar que ela falasse.
- Estou com tanto medo... – por entre lágrimas e pequenos soluços ela foi dizendo, ainda com o rosto escondido, a voz abafada e difícil de ser compreendida. – Ele vai voltar Rukia-chan! Ele vai voltar! – mostrou-lhe novamente o rosto, os olhos molhados e desesperados.
- E-ele... Vai voltar? – agora se sentiu em pânico também. O tal do presidiário... Ele ia voltar! – Ai meu Deus! – não conseguiu disfarçar o medo.
- Rukia-chan... – mas ela pareceu nem notar que a moreninha sabia demais. – Os comparsas dele vão pagar a fiança... Só para matá-lo!
Comparsas? Que tipo de pessoa ele era? Tinha uma gangue? Um grupo de assassinos sanguinários? Uma máfia?
- Eles estão com raiva... – secava as lágrimas que teimavam em cair. – E não estão a fim de deixar barato... Já tem meses que ele foi preso... E está sofrendo tanto... E faltava pouco para que Celeste-sama nos desse sua ‘benção’. E... E ele disse que um dia íamos casar... E... E... – não conseguiu terminar. Só soluçar e continuar chorando e chorando.
Estava horrorizada. Rangiku estava sofrendo por um homem que provavelmente tinha um grupo organizado de crimes que ela desconhecia a gravidade. E em breve ele estaria solto. E talvez fosse morto... E não sabia se sentia pena de Rangiku ou se ficava feliz por ela se livrar de um tipo desses...

- Não vai adiantar ficar chorando... – disse de súbito. – Só ele poderá resolver essa situação...
- Mas Rukia-chan... Eu não quero que ele morra! Não posso ficar sem ele!
- Mas também não pode ficar sofrendo assim! Vamos, levante-se! Vá lavar o rosto. E vamos parar agora de fugir da realidade! – levantou-se encorajando a peituda.
- Eu não quero... – afundou o rosto na mesa de novo. – Eu não quero mais nada...
- Você precisa reagir! Você precisa ser forte! Pense na sua vida... Você tem uma carreira, está estudando... Você tem sua prima que precisa de você... Você é jovem e pode encontrar outra pessoa... E ainda... E ainda pode haver um jeito de salvá-lo... Mesmo que eu não ache apropriado...
- Que jeito? – levantou a cabeça interessada, ainda fungando.
- Eu não sei! – admitiu. – Mas... Mas não é chorando nem se entupindo de bebida que você vai descobrir. Precisamos lutar por aquilo que queremos. Não vai ser muito pior se você cruzar os braços e apenas assistir tudo acontecer?
Pensou um pouco. Assentiu com a cabeça.
- Então levante! Pare de chorar. E não quero mais saber de festas nem de bebidas por enquanto! Amanhã você vai voltar para a universidade.
Levantou-se apertando as sobrancelhas, o rosto ainda molhado, mas as lágrimas sumidas.
- E hoje vai arrumar o apartamento todo. – declarou finalmente.
- O-o quê? – a pose de forte logo evaporou.
- Isso mesmo! – balançou a cabeça. – Pode começar agora, quero isso aqui limpo e digno para sua prima voltar e se recuperar direito.
- Mas Rukia-chan... – resmungou.
- Nada de ‘mas’. Estou te ajudando a pensar num jeito de salvar um criminoso! Isso é o cúmulo! Vai fazer o que eu mandar!
Relutou um pouco com um bico gigante. Mas acabou bufando e aceitando. Afinal, era verdade. A capricorniana certinha a estava ajudando com seu amor perigoso. Era o mínimo que podia fazer.
E devia isso a Momo. Qualquer coisa que pudesse compensá-la...
- Certo... – disse. – Passe a vassoura.
Rukia sorriu. Era bom vê-la de novo. E sóbria.

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E era bom saber que ia se levantar...
Só esperava que a tal da alma gêmea dela apenas tivesse um grupinho de trombadinhas e que esses crimes pudessem ser facilmente compensados...
Tentava furiosamente não pensar em corpos sem vida, cobertos de sangue e cortes monstruosos.
Tentava enfiar na cabeça que não estava enlouquecendo.
- E a propósito... Como é que foi o encontro com seu canceriano?

****

Papai, mamãe e amigos...

Já faz uma semana que vim para Tóquio. Assustador, né? Como passa rápido!
Como estão vocês todos? Espero que bem.
Eu estou bem. Tive uma semana muito conturbada. Talvez a mais conturbada que já tenha tido na vida. O ritmo aqui é bem diferente do que o que eu estou acostumada. As pessoas também.
Na república onde moro, a mais responsável sou eu e meu vizinho de doze anos que é superdotado. E a ajudante (acho que é isso) do Shunsui-san. Porque ele mesmo... Prefiro nem comentar.
Enfim, minhas colegas de quarto são ótimas, mas têm muitos problemas. Uma é bem mais velha e está cursando Literatura. Ela ganha dinheiro tirando fotos também, descobri isso. Mas é bastante irresponsável e festeira demais. Tenho que muitas vezes colocá-la nos eixos (sem piadinhas, Renji!). A minha outra colega tem doze pra treze anos, se não me engano... E é um doce. Cuido dela como se fosse minha irmãzinha mais nova. Mas ela é mais alta que eu... Mas isso não vem ao caso. Ela é bem carente e essa semana quase não fui às aulas por causa dela. Esteve doente e só eu podia cuidar dela.
Falando agora da faculdade, bem... Eu só consegui assistir um dia de aula até agora. Os dois primeiros faltei por medo do trote. Disseram-me que tem pessoas que chegam a rasgar as roupas das outras, principalmente de meninas do interior! Fiquei assustadíssima! Mas foi tudo tranqüilo quando fui finalmente estudar. As aulas e os professores são ótimos. Conheci um veterano do curso de Direito que foi bem legal comigo também. E umas meninas, a Mai e a Fuu, que estudam comigo e a Chiharu que também está fazendo Direito.

Elas foram bem legais comigo se oferecendo para copiar as matérias enquanto estava fora e tudo...
Tive pontos positivos e negativos aqui. Mas estou sobrevivendo. E estou aprendendo muito. A república é pequena, mas agradável. Tem um terraço com uma vista muito boa para o céu.
E por falar
em céu... Bem... Bom, deixa pra lá.
Acho que é isso. Essa semana vou me esforçar mais e ir a todas as aulas. Vou conhecer melhor as meninas que me ajudaram também. Mas acima de tudo, vou me concentrar nos estudos e dar o melhor de mim.
Espero em breve poder vê-los... Ou ao menos contar com uma cartinha.
Sinto saudades...

Com amor, Rukia.


Continua...