Curada Para Ferir

Capítulo 5


Voltei para casa antes das seis. E por mais estranho que pareça, eu estava me sentindo bem. Abri a porta e não havia ninguém na sala, espiei e vi que também não estavam na cozinha. Tirei meu casaco e me joguei no sofá, procurando o controle para ligar a TV. Depois de mudar os canais encontrei um em que estava passando "A menina e o porquinho", com uma das minhas atrizes favoritas, Dakota Fanning, sempre gostei desse filme, eu me identificava com a Charlotte; Acabei deitando-me para ficar mais a vontade. O filme acabou e eu fiquei preocupada, aonde estava todo mundo? Fui até a cozinha para ver se tinha algum bilhete, mas não havia nenhum, fui até o quarto e nada. Parei no corredor e fiquei pensando. Dei mais uma ronda pela casa, olhei nos fundos e também não encontrei ninguém, e então resolvi ir tomar um banho. Tive, novamente, alguma dificuldade em tirar o curativo, limpar com alguns remédios, depois colocar outra gase limpa... Tomei um banho rápido e confortante, apalpei meu braço, e senti ardor, as feridas ainda não tinham cicatrizado, e agora estavam doloridas. Lavei com cuidado, mas ainda assim algumas voltaram a sangrar. Sequei-me e fui para o quarto, ainda vazio. Vesti meu pijama novamente e fui para a cozinha afim de comer algo. Eu definitivamente estava cansada de cereal com leite e suco, senita tanta falta da comida da Dona Geovana. Decidi que iria tentar cozinhar. Mas como? Coloquei um "escondidinho" no microondas e liguei o computador, procurado por ajuda. Encontrei o endereço de um lugar aqui na cidade onde havia curso de culinária, a matrícula era pelo site, e logo inscrevi mamãe. Ela passava o dia todo em casa sem fazer nada, seria bom para ela e para todos nós. O microondas apitou. Estava pronto meu jantar. Comi tudo no silêncio mortal em que a casa se encontrava. Terminei e continuei sentada na cozinha, com a cabeça longe.

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– "Man! I feel like a woman" - Meu celular começou a tocar muito alto, corri até o quarto e revirei a mochila em busca dele.

– Alô? - Não tive tempo de olhar quem era.

– Oi meu bem, desculpe termos sumido de novo - Revirei os olhos - É que a Marina está tão empolgada com o novo emprego, e nos trouxe para comer no McDonald's - Abri minha boca em um "o" perfeito - Mas não se preocupe, te liguei justamente para perguntar o seu sabor preferido para podermos levar pra você. - Continuei paralizada. - Filha? Mel? Melina você ainda está aí?

– Ah, estou. Não, não precisa trazer mamãe. Eu já jantei, estou satisfeita, obrigado. - Ouvi algumas reclamações de Marina.

– Tem certeza? Você não ficou brava né? - Balancei a cabeça indignada.

– Não, não estou. Agora tenho que desligar, tchau. - Desliguei e joguei o celular na cama.

De repente eles resolveram bancar a família feliz, e me deixaram como sobra, e sempre com a desculpa: "Pensei que não iria se incomodar". Sorri sinistramente.

– Droga! - Minha fúria se aumentava a cada segundo em que eu pensava na saída dupla deles, e na dupla exclusão. Talvez eles realmente não me queriam, é, fazia total sentido agora. cocei meu braço esquecendo-me das feridas e gemi de dor, minhas unhas estavam grandes.

Abri a janela do quarto deixando entrar uma grande corrente de vento, que apesar de me arrepiar, trouxe um tipo de alívio para dentro de mim. Fechei os olhos e suspirei. Minha vida andava tão difícil, era como se este ano estivesse marcado para me atormentar. Abri meus olhos e me deparei com um céu cinzento, sem nenhuma estrela ou lua, uma escuridão tenebrosa, assim como minha vida. Senti um nó na minha garganta novamente. Olhei no relógio, mamãe e papai ainda demorariam para voltar, o shopping não ficava perto daqui. Deixei as lágrimas saírem. Lembrei de tudo o que havia acontecido como flashes. O primeiro dia depois da perda do papai, a primeira humilhação, e as que se seguiram depois, dia após dia, a volta da Marina, tudo o que ela me disse, o fato de eu ter sido uma gravidez indesejada. As lágrimas saíram mais rápidas e furtivas. A dor regressou, fazendo-me esquecer do único momento animador que tive, ao lado de Bernardo. Senti algo me corroer, e então corri para o banheiro acompanhada pelo meu compasso. Fiz cortes razos e finos, paraciam um tipo de desenho; linhas desenhadas. Senti um alívio, as lágrimas ainda rolavam por todo o meu rosto, agora mais calmas. Olhei para o sangue na pia, o lavei o mais rápido possível, e passei um pouco de água nos ferimentos, para secá-los na tentativa de não sujar a blusa. Sequei as lágrimas com o dorso da mãe e voltei para o quarto. Deitei-me e apaguei logo em seguida.

– Ei, morreu? - Abri meus olhos lutando contra as pálpebras que não queriam abrir.

– Oi? - Comecei a esfregar os olhos tentando decifrar a imagem na minha frente.

– Dormir faz bem para a beleza, mas você é um caso perdido, então não tem porque dormir tanto. - Reconheci aquelas palavras como de Marina, sente recostando-me na cabeceira da cama.

– E porque você não dorme? - Perguntei e bocejei, eu não estava muito ligada ao que dizia e escutava, estava meio grogue.

– Porque não ando precisando de sono da beleza, já tenho de sobra. - Abri bem meus olhos e olhei para ela com desdém. Ela usava blusa e calça de moletom, rosa "shocking", o cabelo estava em um rabo-de-cavalo, e no rosto só usava gloss incolor. - Eu vou correr em volta da quadra, já que não temos dinheiro para a academia. Quer ir? - Olhei-a com descrença. Porque ela me convidaria para fazer algo com ela? Olhei para o relógio, ainda eram dez horas. Pela janela, pude ver que ventava. - Vai ou não? - Eu não deveria, deveria esperar que ela iria aprontar algo, mas resolvi confiar.

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– Vou. - Pulei da cama, e vesti uma roupa quase igual a dela, preta, e calcei meu tênis. Fiz um rabo-de-cavalo, tendo a certeza de que não ficara tão formoso quanto o dela, escovei meus dentes, tomei um copo de suco e peguei uma barra de cereal para comer no caminho. Já na porta de casa lembrei-me do meu mp3, corri para pegá-lo.

Para minha surpresa, Marina não me insultou durante toda a "ida", porém na volta, começou os ataques.

– Me pergunto todos os dias o porque de você ser minha irmã. - Corei. - Sabe, você não se parece comigo - Ela fez uma cara de repugnância - Esse seu cabelo preto, esses olhos que dizem ser azuis mas estão sempre cinzas, e sua altura, você é tão baixinha.

– Você tem sorte de ser inteligente. - Ela continuou - Porque, meu amor... Você perdeu a vez na fila da beleza. - Fiquei escarlate com toda a certeza. - E...

– Basta Marina. - Disse com a cabeça baixa. Ela pareceu não ligar.

– Você tem catorze anos e só vive com a cara naqueles livros, a vida é mais do que física, química e biologia Melina! E os garotos? Ah - Ela sorriu - Esqueci do fator beleza. - Suspirei tentando ignorar. - Mas sempre tem um, talvez tenha um garoto de aparelho e cheio de espinhas que repare em você, não? - A olhei. Ela tinha um sorriso presunçoso no rosto.

– Viemos aqui para correr. - Disse meio embargada e comecei a correr o mais rápido que pude. Ela me alcançou e me puxou, fazendo-me parar.

– Espera, vamos caminhar agora. A mamãe quer te mandar para a colônia de férias. - Meu estômago deu um salto.

– O que? - Parei subitamente.

– Não seu preocupe, não é a das crianças. É aquela realizada todos os anos, só é premitida a partir dos catorze, e é paga com alimento não perecível. Nem adianta fazer essa cara, você vai, já está decidio. Deveria gostar, se não fosse teria de ficar em casa sem fazer nada. - Fiquei em choque com a notícia, mas voltei a caminhar.

Tudo o que eu menos precisava era de uma colônia de férias, principalmente uma em que provavelmente metade da escola estaria. Aquilo não saía da minha cabeça. Cheguei em casa e tomei banho, para tirar o suor e preguei os olhos nos livros e só soltei as oito horas para jantar. Papai pediu pizza, e mamãe ficou muito empolgado quando contei que a tinha matriculado em um curso de culinária.

– Que ótima ideia Mel, não sei como não pensei nisso antes. - Ela deu um peteleco no ar, e eu sorri.

– Ainda bem, porque essa comidas congeladas são muito calóricas, vou virar uma bola assim. Vê se aprende algo mamãe, necessitamos.

– Pode deixar! - Ela tinha um imenso sorriso no rosto, e por um momento fiquei feliz por eele estar ali devido a mim. - Melina, temos uma notícia, sobre sua férias.

– Eu já estou sabendo. - Disse demonstrando meu desânimo.

– Pensei que fosse ficar feliz... - O sorriso dela se abateu.

– E eu estou! - Forcei um sorriso - É que vou ficar longe de vocês. - Ela sorriu novamente.

– Oh minha querida, será só por um mês...

– Um mês? - Quase gritei. - Pensei serem no máximo duas semanas, mas um mês?

– Sim querida, é um acampamento. - A pizza parecia ter parado na minha garganta. Tomei um longo gole de suco, e suspirei.

– Um mês... - Sussurrei. - Bem, vou dar uma relida e dormir. Boa noite.

Fui para o quarto e ouvi um múrmurio da Marina de "essa garota não desgruda desses livros". Mas eu não dei uma relida, eu deitei e fiquei pensando o que seria de mim um mês tendo que aguentar as pessoas do colégio dia e noite. Era pior do que um pesadelo.