Crônicas dos Elementais

Ponto de Reencontro


Em certo momento desviava de um bumerangue. Quando achava que tinha escapado, uma flecha quase lhe atingia o rosto e ao se esquivar, por pouco não era preso por uma boleadeira. Tyler não via ninguém lançando as armas, e tinha certeza que realmente não teria mesmo. Era tudo fruto de sua mente.

O ciclo de armas tentando atingi-lo se repetia vez após vez, mudando apenas as direções de onde vinham e cada vez mais impossível de evitar a colisão. Parecia que seus esforços eram em vão e Tyler já não sabia mais o que fazer. Tinha noção que aquilo não era real, mas isso não significava que a situação era menos agonizante. Sabia que aquilo era reflexo do conflito de ideologias que estava sendo jogado em cima dele em um curto período de tempo e como não estava conseguindo lidar com todas aquelas informações.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Pensou em desistir. Talvez ceder e deixar ser atingido fosse a melhor opção. Imaginava que talvez assim pudesse libertar-se dessa perturbação. Ficar com tais preocupações acordados já não era algo que lhe proporcionasse momentos de alegria, porém ter as mesmas coisas privando-lhe de um momento de paz era bem pior.

"Pronto", pensou.

"É agora que tudo vai acabar", e permitiu ser preso pelas pernas com a boleadeira.

Jogado ao chão com as pernas imobilizadas, esperava pela próxima arma atingi-lo num golpe crítico que forçasse-o a voltar à realidade. E não demorou. Em poucos instantes escutou um chiado provocado pela rotação do bumerangue se aproximando dele. Já estava pronto para ser acertado, e fechou seus olhos enquanto esperava.

— Ufa! Essa foi por pouco. - suspirou uma voz feminina.

Tyler reconheceu a voz. Não era de ninguém que conhecia pessoalmente, mas, com certeza, não era a primeira vez que escutava ela ali, dentro de sua cabeça. Abriu os olhos só para confirmar o que já esperava.

Em sua frente estava sua irmã, Elly, segurando um enorme bumerangue em sua mãos, com uma flecha cravada em uma de suas extremidades. A menina tinha um ar despreocupado de alívio enquanto ele mostrava-se confuso e surpreso.

— Então nos encontramos novamente. Infelizmente nessas circunstâncias. - constatou Tyler.

— Nem me fale. Se isso te acerta, não quero nem pensar quando que eu conseguiria entrar em contato com você novamente.

— Talvez isso me acertar fosse exatamente o que eu queria que acontecesse. - murmurou para que Elly não escutasse.

— Bem, então que tal você levantar para que a gente possa conversar? - Elly fez um gesto com suas mãos e as armas desapareceram, inclusive a que amarrava os pés de Tyler.

Tyler levantou-se com certo receio. Não sabia se viriam mais objetos para lhe atingir e não queria ser pego desprevenido. De certa forma, não estar sozinho ali lhe fornecia algum conforto, porém não sabia como tratar sua irmã. Tinham se visto apenas uma vez e não era como se tivessem alguma intimidade.

— O que você está fazendo por aqui? - questionou Tyler. - Novamente veio por engano procurando por nosso pai?

— Ah, então você já sabe... - foi diminuindo o tom de voz.

— Sim, sei. Busquei informações e acho que você também.

— Mas então isso é lugar para receber sua irmã? Da outra vez, como desconhecida, fui recepcionada num lugar melhor!

Elly havia reparado no breu em que estava localizada. Só eram capazes de enxergar um ao outro e nada além disso. Não tinha nada além deles ali. Ou, pelo menos, nada que pudesse ser visto.

— Não é como se eu tivesse controle do que está acontecendo. É involuntário! - retrucou Tyler.

— Sorte sua ter uma irmã que pode trazer alguma luz para esse ambiente.

Novamente Elly fez alguns gestos com suas mãos e trouxe alguma claridade para o local. O lugar parecia continuar vazio, de onde Elly olhava, porém a escuridão já não mais tomava conta.

Tyler, por outro lado, fixava seu olhar atrás de Elly. A iluminação não só aumentou a visibilidade como também revelou as figuras que o estavam atacando. Três pessoas com roupas de caçadores o encaravam de volta. Três pessoas que possuíam o mesmo rosto que ele.

— Bela briga você estava arrumando com você mesmo, não é? - Elly disse ao virar para ver o que o irmão olhava tão intensamente.

— Novamente, não é como se eu soubesse... - mas no fundo ele sabia o motivo daquilo.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Estou nesse mundo de sonhos faz tempo, e eu sei que, embora muitas pessoas não consigam controlá-los, alguns motivos são bem mais óbvios que outros. Estou ansiosa pela explicação, mas parece que suas cópias não vão lhe fazer bem, então vamos nos despedir delas. - e, num estalo de dedos, fez as três pessoas sumirem numa cortina de fumaça.

Tyler notou uma diferença no comportamento de Elly em relação a primeira vez que eles tinham se visto. Diferente da primeira vez, Elly estava sendo mais direta. Ela podia ser sua irmã mais nova, mas era óbvio que os dois tinham uma diferença imensa de experiência, onde ele estava em desvantagem.

— E aí? O que está acontecendo? - insistiu Elly.

— As coisas estão confusas ultimamente e eu não estou sabendo lidar com isso. - respondeu Tyler achando que seria o suficiente, porém viu que sua irmã o olhava esperando algo mais explicativo. - Desde que nos encontramos parece que eu tenho que fazer escolhas rápidas que eu nem sabia que teriam que ser feitas.

— E que escolhas seriam essas? - perguntou pensativa.

— Você disse que estava sendo feita prisioneira, então pensei em ajudá-la. Além disso, você estava procurando por nosso pai, e isso também veio em minha mente para fazer. E, por fim, descubro que minha amiga foi raptada e resolvi ir atrás dela. Mas não dá pra fazer tudo isso ao mesmo tempo! - respirou fundo. - É muita coisa, sabe?

— Entendo o que está querendo dizer e, realmente acho que você precisa escolher entre essas coisas. Acho que cheguei no momento certo para te ajudar com isso.

— Como você irá me ajudar se você está presa? Não quero ofender, mas conversar nos meus sonhos não será de muita ajuda nessas três coisas.

— Aí que você se engana. Nessas conversas eu posso te dar informações muito boas, como as que te contarei agora. Creio que irão te ajudar bastante nesse conflito interno.

— Olha, se essas informações são tão boas, então é melhor você falar logo para que possamos, pelo menos, resolver as coisas de uma vez, não acha? - Tyler estava ficando impaciente.

— Primeiro, eu não sou mais prisioneira de ninguém. Nem eu e nem minha irmã. - disse isso com um sentimento de alívio. - Segundo, muito menos Amber, a sua amiga. Ela está conosco.

— Como assim? Como isso ocorreu exatamente?

— Vou resumir a história para não perdermos tempo. Fomos sequestradas pelas mesmas pessoas, e acabamos fugindo juntas da prisão.

— E vocês estão bem? Onde vocês estão? Preciso mandar alguma notícia pra família dela e tranquilizar os pais.

— Estamos bem e seguras, mas não sei exatamente onde estamos. Chegamos a noite e não deu tempo de fazer muitas perguntas. Fomos direto descansar.

— Queria ter uma informação mais específica para saber a localização de vocês.

— Não se preocupe, não devemos ficar muito tempo por aqui. Em breve tentaremos resgatar minha mãe que ainda está presa lá, e depois Amber deve retornar para a cidade de vocês.

— O que? Vão voltar lá sozinhas? Não podem correr risco desse jeito! Precisam procurar algum tipo de ajuda. - argumentou Tyler tentando convencê-la de não prosseguir com tal plano.

— Você espera que eu faça o que? Deixe minha mãe lá? Não sei até quando vão querer mantê-la viva. Não sei quais são os interesses dessas pessoas! - retrucou Elly mostrando que não tinha intenção alguma de mudar de ideia.

— Eu estou num vilarejo onde minha mãe morou e aqui existe um grupo de caçadores. Posso tentar conseguir a ajuda deles, mas primeiro preciso saber onde você está!

— Se você esperar até amanhã, eu posso conseguir essa informação para você. Isso é o de menos.

— Achei que queria resolver as coisas rapidamente. - rebateu Tyler. - Você conseguiu fazer as armas e minhas cópias desaparecem de meu próprio sonho, será que não tem como você me mostrar mais ou menos onde estão? Até mesmo onde estavam ou o caminho que fizeram para chegar aí. Posso tentar ver se alguém aqui tem alguma informação.

Elly pensou por uns instantes e se viu surpresa pela ideia não ter vindo dela. Era algo simples para ela fazer. A manipulação da energia etérea, mesmo que em sonhos dos outros, havia sido foco de seu treinamento durante muito tempo e, nessas situações, ela via como suas horas de prática tinham valido a pena.

Rapidamente, a menina virou um centro de energia e emanava-a reconstruindo todo o cenário daquele sonho. O local recém iluminado ganhara um visual sombrio novamente, onde uma lua brilhava. O chão totalmente plano virara um terreno rochoso e nada tinha nada além deles ali.

— Então foi aqui que você estava presa? Nesse fim do mundo? - perguntou Tyler aflito.

— Na verdade, não. Estava presa ali... - Elly apontou. - Bem atrás de você!

Tyler pode enxergar uma espécie de prédio rústico de pedra. Não tinha nenhum tipo de sofisticação e era construído todo verticalmente. Com três andares, as poucas janelas possuíam grades e o grande portão de entrada permanecia fechado. Ficou claro, para o garoto, que quem quer que estivesse lá dentro teria dificuldade para encontrar uma saída.

— Estávamos presas no andar de baixo. É onde eles mantém todas as pessoas capturadas. - informou Elly. - Mas acho que não é interessante vermos isso agora, não é mesmo?

— Sim, claro. Vamos prosseguir. - Tyler percebeu que a irmã não queria visitar o interior daquele lugar e reviver algumas lembranças. - Para onde devemos ir agora?

— Apenas me siga e irei te mostrar. Preste atenção.

Elly refez com Tyler, em questão de segundos, todo o caminho que ela, Leena e Amber levaram horas para percorrer. Explicou para ele, assim que chegaram em um grande rochedo, como conseguiram achar Shane e sobre os guardas que as havia seguido.

Tyler prestava atenção em todos os detalhes do localidade e da história pois não sabia o que seria útil ou não para determinar onde sua irmã estava. Não sabia nem se esse plano funcionaria, mas era o melhor que tinha ali.

— Pronto, é aqui onde estamos. Desculpa não poder fornecer imagem melhor, mas foi isso que conseguir ver quando chegamos. A escuridão da noite e cansaço podem ter atrapalhado. - explicou Elly. - Você só conseguirá ter as mesmas sensações que eu.

— Talvez isso seja o suficiente. Vamos ter esperança!

Tyler sentiu-se vendo tudo pelos olhos da irmã. Via inúmeras tendas espalhadas por um vasto território, e podia enxergar uma elevação. Era tudo muito escuro, o que não ajudava muito. O silêncio constante ajudou-o a escutar um leve barulho de água em algum lugar próximo. Não era muito, mas estava se esforçando para guardar todo tipo de referência que pudesse encontrar.

— Acho que já consegui ver bastante coisa. - disse Tyler querendo passar uma sensação de otimismo.

— Bom, é uma das poucas coisas que eu posso fazer a distância.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Na verdade, tem mais uma coisa que você pode fazer estando longe...

— O que mais posso fazer? - perguntou curiosa.

— Diga para Amber que estou estamos indo atrás dela. Falta pouco para nos reencontrarmos. - respondeu confiante. - E para eu e você nos vermos pessoalmente também.

— Pode deixar que avisarei! Qualquer notícia, eu venho lhe procurar novamente. - pensou um pouco. - Na verdade, nos vemos na próxima noite. Temos muito assunto para por em dia, não é mesmo?

Elly se aproximou de seu irmão e envolveu-o em seus braços em um longo abraço que ele não esperava. Tyler retribuiu o gesto e, em seguida, sentiu seus braços não mais encostando em nada.

Naquele instante, Tyler conseguia ver um fluxo de energia subindo em direção a sua única fonte de iluminação. Parecia que a lua estava puxando a energia de Elly, e Tyler olhava pra sua frente, tentando imaginar em qual daquelas tendas disformes, sua irmã estaria acordando.

Era a segunda vez que encontrava Elly, era a segunda vez que ela lhe trazia muitas informações novas. Era a segunda vez, em pouco tempo, que seus sonhos pareciam trazer mais respostas do que sua vida regular. E, agora, ele tinha que seguir o que aquele sonho havia lhe mostrado.