Elly não sabia que direção tomar. Desde que entrou nos sonhos da menina, ela se encontrava uma região cercada por rochedos, com uma vegetação rasteira e escassa. Podia escutar o barulho das águas de um riacho ao longe. Era um sonho tranquilo em um lugar estranho. E o fato de se passar num ambiente noturno com uma lua avermelhada nada ajudava a acalmar.

Ela sabia que entrar em sonhos de desconhecidos à distância era sempre um risco. Raras eram as vezes em que conseguia contato imediato com a pessoa nesses casos. Nos sonhos, as pessoas sonhavam com um novo mundo. Um mundo amplo e próprio. Como já estava acostumada, na pior das hipóteses, conseguia chegar num local bem próximo de onde a projeção da pessoa se localizava.

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No início, Elly treinava apenas fazendo contato físico com a pessoa. E, nessas situações, era onde sempre conseguia os melhores resultados e, de imediato, via-se de frente com a projeção que procurava. Aos poucos foi aumentando a dificuldade para pessoas à curta distância, porém conseguindo visualizá-la, e, ainda assim, não era sempre que encontrava quem procurava sem esforço. E, com o tempo, sua técnica foi aprimorada, conseguindo chegar a sonho de pessoas apenas se concentrando nelas, mesmo que tivesse que se esforçar um pouco mais para fazer contato.

Depois de muita insistência em tentar as projeções quando estava a longa distância, e perceber que suas tentativas estavam sendo em vão, Elly percebeu que todo fluxo de energia etérea vinda dos sonhos vinha de um mesmo local. E assim como qualquer criação era fruto do gasto de energia de um criador, os sonhos partiam do mesmo princípio. Precisava apenas achar a fonte de energia de quem os criava.

Já acostumada a manipular tal energia, ela desenvolveu uma técnica que foi se mostrando útil e eficaz com o tempo. Fazia um acúmulo de energia em suas mãos que funcionava como uma espécie de bússola, pulsando mais forte a medida que chegava perto da fonte de criação.

Sem perder mais tempo, Elly concentrou um pouco de energia em sua mão direita, e naquele ambiente noturno, além de bússola, exercia a função de iluminar o caminho. Passou por entre rochedos e arbusto, chutando inúmeros fragmentos de rocha que estavam caídos naquele terreno arenoso. Por duas vezes quase tropeçou em dois pedregulhos, o que a fez prestar mais atenção por onde estava andando.

Caminhou por algum tempo, chegando a conclusão que provavelmente teria um enorme trabalho para encontrar quem procurava se já não estivesse habituada com esse tipo de situação. Parecia um grande labirinto rochoso. E, por experiência, sabia que esse tipo cenário era característico de alguém que buscava refúgio na própria mente.

Por fim chegou no local em que existia um círculo de pedras, com uma fogueira queimando ao centro. Parecia um local de reunião. Embora a energia tivesse pulsando fortemente, Elly não via ninguém ali. O local estava deserto. Isso sim era novidade. Nunca havia falhado usado aquela técnica.

Aproximou-se da fogueira e viu algumas pegadas feitas na areia. Abaixou-se para examinar e sentiu um vulto passando atrás dela. Virou-se rapidamente, porém não tinha nada. O local continuava deserto como antes. E, ao retomar sua visão para frente, em direção à brasa, deparou-se com um par de olhos negros a encarando e um rosnado alto completado com caninos expostos nas laterais de um focinho comprido.

Elly ficou imóvel. A criatura ultrapassava meio metro de altura. Sua pelagem era grossa, cinza-amarronzada com pigmentações pretas e ia clareando a medida que chegavam nas patas. Se não fosse o medo, a menina teria apreciado a beleza com que aquela luz vermelha da lua e a chama da fogueira entravam em contraste com os pelos do animal.

– Acho melhor você não fazer nenhum movimento brusco ou ele poderá avançar. - disse uma voz feminina que Elly nunca tinha ouvido antes.

Surgiu uma pessoa vestido uma capa amarronzada que quase se camuflava com o terreno em que se encontrava. Tirou o capuz revelando um rosto moreno e deixando cabelos negros caírem sobre os ombros. Elly logo identificou que era a menina que ela tinha visto sendo carregada pelos guardas.

– E aí, o que você está fazendo no meu sonho? - a voz da jovem ganhou um tom ríspido.

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– Eu só quero conversar. - disse ela esboçando um medo na voz. - Você poderia pedir para seu guardião se afastar, por favor?

– Mas por quê? - disse a jovem chegando perto do lobo. - Ele é tão mansinho. - alisou a cabeça do animal, que logo sentou-se ao seu lado. - Satisfeita? Agora, fale.

– Então, meu nome é Elly. E estou aqui em busca de informações.

– Amber. - apresentou-se de forma sucinta. - E como você entrou aqui?

– Consigo entrar nos sonhos das pessoas. Uma de minhas habilidades. - pensou um pouco. - Mas como você sabe que isso é um sonho?

– Porque a minha realidade, no momento, não está muito boa.

– E o que você quer dizer com isso?

– Por enquanto, nada. - Amber cortou o assunto. - Outra pergunta, que história é essa de guardião?

– Ué, não é isso que ele é? Você tem um amuleto na forma de lobo, e esse é o espírito guardião que te protege. - explicou Elly.

– Ele pode apenas fazer parte do meu sonho. - indagou a jovem sem entender.

– Já estive em sonhos o suficiente para saber que essa criatura não foi criada a partir de uma energia vinda de você. Assim como eu, esse lobo possui um tipo de energia diferente da sua e está aqui por vontade própria.

– Isso explica muita coisa. - Amber pareceu aceitar os fatos muito rápido para surpresa de Elly. - E como você sabe a respeito do meu amuleto de lobo?

– Porque ele estava enrolado no seu pescoço quando você chegou no mesmo lugar em que estou aprisionada.

A expressão séria que Amber tinha adotado desde o início de seu encontro com Elly tinha sumido. Agora era parecia mais vulnerável e abatida, como se o assunto a tivesse feito lembrar de algo que não gostaria.

– O que houve? Foi algo que eu disse? - Elly perguntou notando a mudança em Amber.

– Não, não. - respondeu querendo evitar explicações. - Você disse que queria informações, mas não disse quais eram.

– Sei que pode parecer estranho e repentino, mas acho que, dada a situação, não temos muito tempo. - iniciou Elly. - Você conhece uma cidade chamada Awalles?

– Claro que conheço! Morei lá minha vida toda. - respondeu surpresa com a pergunta.

– E, por acaso, você conhece um rapaz com o nome de Tyler?

– Conheço. Por quê? - Amber fitou a menina por um momento. - Tenho que admitir que você está me deixando um pouco desconfiada.

– Ele é meu irmão. Ou, pelo menos, ao que tudo indica.

– O que? Nunca soube que ele tinha uma irmã. Somente um irmão! - respondeu incrédula.

– Nem ele mesmo sabia. Pode acreditar. -Elly deu um sorrisinho. - Ficou sabendo assim, igual a você, através de um sonho. O problema é que eu não consigo mais falar com ele, porque a barreira da cidade de vocês impede isso.

– E quando foi que você teve contato com ele?

– Há quase dois dias. E, desde então, mais nenhum. - respondeu cabisbaixa.

– Exatamente no mesmo dia... - Amber silenciou-se.

– O que aconteceu nesse dia? Pode ser importante!

Amber contou o que se lembrava de ter ocorrido na floresta naquele dia. Sobre o porco selvagem e Artie. Descreveu tanto a situação quanto a aparência do rapaz. Não havia muito mais do que lembrar. Disse para a menina que a memória dela só ia até certo ponto e, depois disso, ela não tinha muitas lembranças.

– Eu ainda quero saber como você sabia, com certeza, que isso aqui era um sonho seu. - questionou Elly, que já estava querendo saber a resposta pra essa pergunta desde o início da conversa.

– Como eu te disse, eu não tenho muitas lembranças. Mas sim, eu sabia que tinha sido sequestrada. - sua voz adotou um tom melancólico. - Lembro de despertar algumas vezes e não reconhecer o local em que eu estada e ter a sensação de não estar bem e a salvo. Logo em seguida, eu estava aqui, nesse mesmo local com esse lobo comigo. Isso foi se repetindo.

– E como a realidade não estava a seu favor, arranjou proteção aqui. - completou Elly.

– Não foi intencional. Fui obrigada a isso! - respondeu rapidamente. - Mas aqui meu medo e preocupação sumiam. E aos poucos, foi fácil constatar que isso não era real.

– Você alguma ideia do motivo de terem te raptado?

– Não! Esse é o problema. - repensou. - Na verdade o problema é eu não saber como irei sair dessa situação! - expressou sua indignação.

– Eu realmente queria fazer algo para nos ajudar. Esperava que vir até aqui fosse trazer algum tipo de resposta.

– Acho que não tem muito o que fazer a não ser aceitar a realidade. - respondeu Amber sabendo que sua resposta também se aplicava a ela.

De repente a visão de Amber começou a ficar turva. A silhueta de Elly distorceu-se e seu guardião desaparecera.

– Ei, Elly, o que está acontecendo?

– Infelizmente, você está sendo forçada a aceitar a realidade. - Elly respondeu com pena de Amber, temendo o que isso podia significar para a garota.