Crônicas de Cecília

Eu, um ser chamado Evo Morales


Estamos no ano de 2098, e escrevo aos 34. Apresento uma aparência não muito agradável, minha pele demonstra-se muito pálida, tive os pelos do corpo raspados assim como parte dos meus cabelos. Porto no pulso um código de barras com o qual fui marcado ao nascer. Recordo aos meus 6 anos, quando certas coisas eram diferentes. Havia mais plantas, podia banhar-me com água. Sem azeite mineral. Usava roupas que não eram descartáveis. Escutava histórias de uma Terra que fora gentil com meus antepassados.

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Vi meu pai provar o ácido beijo da morte em meu aniversário de 8 anos. Seus olhos reviraram, e estremeceu gritando por socorro. O chão pintava-se de vermelho e senti-me furado. Como ele. Meu pai, meu herói. Soldado desertor de Vilafamés. Que Deus o tenha. Ocorria nesse momento um grande conflito, de escala mundial. Recordo de um desenvolvimento excepcional da China. Os Estados Unidos entraram em conflito pela hegemonia. China entrou logo em falência: não haviam quem consumir seus produtos fabricados em alta escala. Hoje, nenhum dos dois existem.

Um mundo em conflito, não havia mais diálogo entre as nações e a guerra veio com proporções nucleares, causando o episódio que conhecemos por Grandes Revoluções. Foi o colapso dos governos, a população restante precisava viver em um mundo novo. Tornou-se ainda mais poluído o ar com o uso de armas biológicas/químicas contra os revoltosos. Os países que tentaram manter suas formas de governo foram derrotados por grupos armados civis e lembro-me que múltiplos soldados passaram a juntar-se ao povo. Como ocorrera na tal Revolução Russa, de muitos e muitos anos atrás. Nessa época surgiram os enormes pulmões mecânicos, os quais mantivemos incansavelmente em funcionamento.

Parte da população começou a cair em desgraça; com corpos desfalecidos, enrugados por desidratação, Chagas. Diversos tipos de câncer. A comida tornou-se sintética, a água, dessalinizada. Surgiram Eles, e o antigo sistema enfim caiu. Várias cidades foram abandonadas, até mesmo com pulmões artificiais intactos. Estas foram ocupadas por Anarquistas e Excluídos durante algumas revoltas. Apesar que houveram poucas. Dizem que tais catastróficos eventos causaram redução no coeficiente de inteligência da atual geração, o que os mantém obedientes, em sua maioria apáticos.

Iniciou-se a necessidade de usar aparelhos respiratórios. Até mesmo dentro dos malditos pulmões. Senti novamente a terrível dor da perca. Aos meus 16 anos, minha mãe faleceu por pneumonia. Iniciou-se também, assim, a minha carreira nesse cruel mundo. Meu salário não passavam de três copos de água e um saco de arroz sintético - eca -. Com 28 anos, fiz a pior coisa que poderia fazer. Mas, no fim, tornou-se o melhor. Exatamente, revoltei-me.

Juntei 53 pessoas e começamos passeatas pelo município. Queríamos que Eles tivessem seus poderes reduzidos, democracia, mais alimentos e água para todos. Queríamos pesquisas sobre. Um mundo melhor. Mais liberdade. Tudo deu errado, como aqui deixo registrado. Fomos capturados, espancados. Alguns de nós tiveram membros dilacerados ou dentes quebrados. Então, trancados, sem qualquer aparelho, do lado de fora do pulmão. Sofri um lento processo de perca da consciência. Aconteceu algo incrível: acordei em um local que não era o céu, mas sentia-me como no paraíso.

Evo Morales, Cecília Esperanza. 18-09-2098.