Coroa de prata

De Nathaniel para mim


Dei passos duros até a entrada e suspirei pesadamente chamando a atenção de criadas em pânico. Sorri de lado e continuei meu caminho até as escadas que me levariam até minha gaiola.

No meio da escada David estava parado e fumegando de raiva enquanto eu enrolava a ponta do cabelo entre meus dedos finos. Seus grandes olhos cintilavam enquanto ele descia os degraus até ficar ao meu lado.

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—Aonde você foi?- ele rosnou.

Olhei pra ele e continuei andando, subindo os degraus de pedra com ele atrás, até que sua mão se envolveu em meu braço e ele me fez parar.

—Por que isso deveria interessar a você?- eu murmurei encarando seus olhos.

Em seus olhos eu vi a desistência enquanto ele afrouxava o aperto em meu braço. Sua boca tentava formar palavras, e, a cinco degraus de distância entre nós eu ouvi um grunhido, e, possivelmente um soco no ar.

—David?- eu chamei.

—Sim?-ele voltou a rosnar.

—Acalme-se e tenha uma boa noite.

Passei pelo corredor e abri a porta do quarto dando de cara com Nelli e o pai de Nataniel olhando furiosamente pra mim. Inconscientemente eu puxei a boneca pra mais perto de meu peito.

—Acho que vou esperar lá fora senhor- Nelli disse levantando-se.

O homem assentiu e seus olhos azuis me fulminaram. Ele estava cansado, e nervoso, perigosamente nervoso enquanto batia na cama ao lado dele.

—Sente-se aqui- ele disse firme.

Andei até ele e sentei sob minhas pernas e apertei a boneca contra meu peito. A mão do homem pousou sob minhas costas e ele bufou alto enquanto me olhava. Não pude deixar de sentir meus olhos marejarem enquanto eu via muito de mim naqueles olhos.

—Em minha defesa eu digo que não fiz nada além de caminhar por aí- eu murmurei olhando pra boneca.

Um riso cansado saiu dele e o homem me pegou em seus braços até que eu estivesse em seu colo e me aninhou em seu peito exatamente como seu filho fez.

—Não sei o que devo fazer ou como devo te punir por colocar todo o castelo louco. Você tem o espírito livre como o de sua mãe. Um muro nunca era o suficiente pra ela- ele sussurrou em meus cabelos.

—Então por que quer me fechar em quatro paredes?- eu sussurrei de volta me acomodando em seu peito, ouvindo a batida de seu coração.

O homem se levantou comigo em seu colo, deu a volta na cama e finalmente me deitou tirando minhas sapatilhas e me cobrindo com uma imensa manta branca.

—Quero te manter aqui por que sou egoísta o bastante pra não suportar você longe de mim mais uma vez- ele disse beijando minha testa.

Abracei mais uma vez a boneca e fechei os olhos tentando entender o que eu sentia ali. Nada parecia fazer sentido nessa noite.

O dia amanheceu silencioso e eu despertei lentamente. Quando o fiz havia uma grande caixa com um laço lilás em cima. A caixa era furada e juro que podia ouvir algo se movendo lá dentro.

Dei passos desconfiados até a caixa e puxei o laço delicadamente, mas não abri a caixa. Algo ali se mexeu e não consegui controlar um gritinho enquanto corria até a cama.

—Ótimo, quando eu preciso de alguém aqui eu to sozinha- eu murmurei.

Respirei fundo e olhei em volta, e a única coisa que podia me ajudar era o longo cabo da bucha que estava no banheiro, porém eu não tinha coragem de descer da cama mais uma vez. Sentei-me ali e fiquei olhando a caixa esperando que alguma coisa acontecesse.

Soltei a boneca na cama e me sentei fazendo muito barulho. Quando olhei mais uma vez a tampa da caixa estava aberta e a caixa parecia vazia, Me pus em pé de novo sob a cama e me segurei no balaústre olhando nervosamente em volta.

O silêncio era grande até que em minha frente algo branco e pequeno passou correndo e entrou debaixo da cama. Meu grito ecoou pelos corredores e eu ouvi passos rápidos vindo até mim. David tinha chegado segurando uma arma e apontando pra todos os lados.

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—O que houve?- ele perguntou olhando ao redor.

Percebi que eu tremia nervosamente em cima da cama, e que não conseguia dizer uma palavra sequer. Tentei me controlar sem muito sucesso e comecei a sussurrar tentando não gritar de novo.

—E... Eu acho que... Que tem um rato aqui!

David abaixou a arma, colocou-a no coldre e arqueou uma sobrancelha pra mim. Dei um passo pra trás e caí na cama ao lado da boneca enquanto ele chegava perto.

Seus olhos me dominavam sem esforço enquanto ele chegava mais e mais perto, até que estava deitado ao meu lado segurando-me pela nuca. Seu hálito quente, com um leve cheiro de menta estava a centímetros de minha boca, seus olhos fixos nos meus enquanto a mão livre acariciava meus cabelos soltos.

—Tente se acalmar e me diga pra onde foi a criatura- ele murmurou devagar.

Engoli em seco e apontei pra baixo. Mais rápido do que imaginei, ele me soltou devagar na cama e levantou um dos lençóis até que pudesse olhar em baixo da cama. O silêncio pairou no quarto por longos instantes.

—Achei!

Seu grito animado me assustou terrivelmente e mais um grito saiu de mim junto com lágrimas enquanto minhas mãos trêmulas tentavam secá-las inutilmente.

David levantou-se rapidamente e se pôs ao meu lado me encarando preocupado. As grandes emoções ainda não eram pra mim.

—Calma, não precisa se assustar assim, vou te levar lá pra fora e resolver as coisas por aqui está bem?- ele perguntou pra mim como se eu fosse uma criança indefesa e pegou a boneca ao meu lado.

Seus braços me envolveram e era como se aquela crise estúpida de choro tivesse passado. Meus olhos encararam os seus e eu senti meu coração disparar como uma locomotiva.

David me sentou no beiral da janela e me olhou uma última vez pra depois entrar no quarto. Alguns minutos depois eu ouvi risos altos vindos dele. Dei passos inseguros segurando a boneca até que cheguei à porta. David estava de costas pra mim e parecia segurar alguma coisa.

—Olhe seu rato-ele disse rindo.

Abracei a boneca enquanto ele se virava, já pronta pra correr. Quando finalmente vi aquela coisinha branca. Aquilo não era um rato, por mais que parecesse quando passou por mim e se enfiou debaixo de minha cama.

O pequeno gatinho, peludo e redondo como uma bolinha tremia na mão de David que vinha em minha direção sorrindo. Fui até ele e passei a mão por cima da pequena cabeça do gato. David pareceu relaxar no instante em que eu sorri pro pequeno gatinho.

—Olá, quem te mandou aqui?- eu perguntei pro gatinho.

David foi até a caixa e de lá puxou uma coleira, uma pequena almofada e entregou-me um bilhete.

“Espero que goste de meu presente meu amor. Com carinho, de seu irmão”

—Nathaniel mandou pra você?- ele perguntou sentando-se ao meu lado.

Assenti e tirei uma mecha de cabelo que caía sob os olhos de David. Seus olhos se fecharam e sua cabeça por poucos segundos ficou apoiada em minha mão. Sua pele era tão quente, tão macia. Sorri e me peguei corando quando vi que ele tinha os olhos abertos focados nos meus.

Um pigarro dele me despertou do transe e ele se pôs em pé na minha frente, pegou a almofada e colocou o pequeno gato em cima dela.

—Acho melhor chamar uma criada pra colocar as coisas em ordem pra você. Se precisar de mim é só gritar- ele disse sorrindo de lado.

Uma covinha se formou em sua bochecha quando ele mais uma vez sorriu, e, quando foi embora algo me incomodou profundamente. Corei quando entendi que não queria que ele partisse.

Coloquei o cabelo atrás das orelhas e olhei pro pequeno gato que me olhava com seus olhos amarelos. Acariciei suas pequenas orelhas e ele mais do que depressa pulou em meu colo miando baixinho.

—Como devo te chamar hein?

Pensei por intermináveis minutos até que finalmente achei um nome perfeito pro gatinho. Nico seria seu nome.

Minhas duas criadas apareceram no quarto botando tudo em ordem, até que por fim voltaram-se pra mim, as duas furiosas.

—A senhorita vai nos deixar loucas se continuar assim!Com ordem de quem sumiu daquela forma?- a pequena criada esbravejou jogando seus braços pro alto.

Encarei os olhos das duas e sorri de lado a guisa de desculpas. O gatinho miou como se estivesse chorando e se enrolou como uma bolinha em meu colo.

—Acho que Nico está com fome. Podem arranjar um pouquinho de leite morno?- eu perguntei acariciando aquelas orelhinhas minúsculas.

Anna saiu apressada e Jen sentou-se ao meu lado acariciando meus cabelos.

—Vamos tomar um banho, e depois vamos tomar café lá em baixo- ela disse firme.

Deixei a boneca no canto e me levantei colocando o gatinho em cima da almofada. Jen abriu a torneira da banheira e voltou pro meu lado segurando minha mão delicadamente.

—Vamos bem devagar está bem?Não precisa sair fugindo por aí, não imagina o quanto seu pai ficou magoado por você ter sumido daquela forma, e ficou mais que irado por ninguém saber como você tinha sumido mocinha. - ela disse fazendo bico.

Olhei pra ela e franzi o cenho, e depois olhei em volta e finalmente pro vestido que eu usava e suspirei pesadamente. Por que tudo tinha que ser tão princesinha ali?

—O que foi?-Jen perguntou olhando em volta.

—Por que eu não uso roupas normais?- eu murmurei encarando minhas mãos.

Jen riu e me abraçou desajeitada com um braço só. Seu riso ecoava pelas paredes do banheiro que se enchia de vapor.

—Por que seu pai quis assim sua teimosa, mas você pode encomendar vestidos ao seu gosto quando o costureiro vier hoje a tarde, além de belos sapatos é claro.

Gemi enquanto Ana abria a porta e Jen ia até a banheira. Nico estava em uma de suas mãos e uma pequena mamadeira verde estava em outra.

—Nico é responsabilidade sua e não nossa, a senhoria deve cuidar dele- ele disse me entregando o gato e a mamadeira.

A pequena criatura enrolou-se em meu colo e mais do que depressa começou a sugar o leite. Ele parecia tão tranquilo, tão inocente ali que só percebi a movimentação das duas quando o leite terminou Jen tirou Nico de meu colo.

—O costureiro estará aqui após o almoço, e o sapateiro também. Apressem-se pro café- Ana anunciou animada.

Comecei a desabotoar as mangas do vestido e as duas em pararam começando a tirar minhas roupas. Parei as duas ali e elas me encaravam confusas.

—Eu acho que não preciso de ajuda pra tomar banho- eu murmurei incomodada.

—Essa é uma de nossas obrigações senhorita, agora pare de se queixar antes que eu diga ao seu pai que não está se comportando bem- Ana disse firme.

Fechei o cenho pra elas e cruzei firmemente os braços no peito. Eu iria completar dezessete anos, e não dois. Não poderia continuar a ser tratada como uma criança.

—Não preciso de tanta ajuda assim, fui muito bem ensinada acerca de minha higiene; podem esperar lá fora- eu disse tentando parecer firme.

Jen sorriu de lado e veio até mim abrindo o último botão do vestido. Sua boca ficou próxima de meu ouvido enquanto ela lentamente descruzava meus braços e começava a tirar meu vestido.

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—Sabemos disso senhorita, mas esse é o nosso trabalho, e, se não fizermos nosso trabalho, alguma outra pessoa terá que fazê-lo por nós. Quem você prefere pro serviço, nós ou Nelli?- ela sussurrou.

Finalmente me rendi e Ana sorriu começando a pegar vários potes que reconheci como produtos escritos em francês. Entrei na água e peguei um dos potes enquanto as duas começavam a esfregar por todo o lado colocando os produtos em meus cabelos e em meu corpo que percebi estar um pouco mais forte, menos magro, e, talvez até minhas bochechas estivessem mais coradas.

Em hora de banho, com tantas buchas e produtos eu acho que estava reluzindo por todas as partes. As duas saíram e por alguns minutos eu pude ficar um pouco sozinha pensando na vida que me tinha sido imposta, em tudo o que tinha vivido até agora, de tudo o que me tiraram, de quem me tiraram.

Meu peito se apertou e eu tive que me esforçar pra controlar as lágrimas que agora vinham tão facilmente. Afundei na água por alguns segundos tentando abafar o som de meus pensamentos que rodopiavam por minha mente. Quando emergi as duas me olhavam segurando grandes toalhas brancas.

—Vamos trocá-la o mais rápido possível, seu pai está impaciente a sua espera- Ana disse estendendo a grande toalha.

Assenti e saí da água intrigada, imaginando como seria pela primeira vez em todo esse tempo, comer na mesma mesa do homem que me trouxe até aqui.