Coração de Porcelana

Capítulo 20 - Escuridão


Capítulo 20 - Escuridão

Por um segundo, Jim se desesperou.

Foi como se ficasse cego. Sentia o toque frio do marfim sobre sua mão, sabia que estava de pé e sabia que o seu pai há muito morto estava de pé atrás de si.

Respirou fundo, e foi como se a escuridão se tornasse acolhedora. Não era onde os maiores medos se tornariam reais.

Eu sou a patrona da noite e da escuridão, senhora das memórias e da sorte.— os olhos se arregalaram quando a voz soou dentro de sua mente. A voz era suave, calma e melodiosa, como a voz de uma cantora lírica. Havia um carinho nela, um calor de mãe. Ela iria observá-lo, constatou. – Eu lhe abençoo, meu filho.

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Perguntou-se se fora jogado ou se jogara para trás. O que percebeu foi que o seu pai conseguiu pega-lo a uns bons cinco metros de distância do altar antes de cair.

A sua visão voltou como um tapa, uma dor lancinante passou por um segundo por todo o seu corpo como gelo picotando suas veias. Rangeu os dentes, agoniado enquanto sua cabeça pesava, embaralhada, mas em um segundo, tudo passou.

Piscou, confuso. Olhou então para Richard, que o mantivera sentado, e então para as estátuas que se projetavam sobre seus ombros. O brilho delas sumira, mas agora percebia que seu pai exalava uma cortina esfumaçada de magia dourada. Não como a de Enguerrand, um ouro envelhecido, com pontos negros e escuros. Não era muita coisa, apenas... Uma capa sobre seu corpo. Nada muito gritante, era quase invisível.

— Nossa, você conseguiu me assustar. Parabéns.

Olhou para as próprias mãos, fechadas em punho. Abriu-as.

Havia uma pena lá.

Com a iluminação, via que ela variava entre o negro, azul noite, roxo púrpuro e um verde profundo. Ia trazê-la para perto de seu rosto a fim de inspeciona-la melhor, entretanto, ela se dissolveu em sua mão, suas partículas adentrando sua pele.

A dor voltou.

Jim se encolheu com a sensação tão fria que queimava. Antes fora por todo o seu corpo, mas agora se concentrava apenas em algumas partes: Nas costas de suas mãos, na parte posterior de seus braços, em suas costas – mais precisamente na região dos ombros e de sua coluna – e em sua nuca. Por reflexo segurou os pulsos de seu pai que tocavam seus braços com forças, e olhou agoniado para as velas acesas e o sol que iluminava os vitrais. A dor o fazia ficar com dor de cabeça, e a iluminação não o ajudava nesse quesito.

Precisava de um pouco de escuridão.

Nisso, tudo se apagou.

As velas, os candelabros. Do lado de fora, foi como se abruptamente houvesse passado do dia para a noite.

Soltou a respiração que nem sabia que estava prendendo. Bem melhor.

— Jim, foi você que... – a voz de Richard saiu chocada. – Mas... É dia lá fora... Como você...?

— Que... – percebeu o fato só quando o seu pai o mencionara. Estava um breu profundo agora, mas conseguia se localizar, afinal, não fora nada como a cegueira momentânea que o acometera minutos antes.

Na verdade... Estava vendo bem demais, considerando-se aquela escuridão.

A queimação em seus membros passou mais rapidamente. Soltou Richard de seu aperto quase que tremulamente, os olhos azuis passando pelo local. Conseguia realmente ver tudo, e não sabia se era impressão sua ou a estátua de Enguerrand não parecia muito feliz. Ignorou o fato, e procurou se focar no que estava sentindo.

Era como se... Houvesse algo dentro de si. Uma imensa vela? Talvez fosse a melhor comparação que pudesse fazer. Estava tudo escuro, e a sentia sendo consumida lentamente, gotejando a fogo baixo continuamente.

Franziu o cenho, percebendo que aquela “vela” parecia estar de alguma forma ligada ao escuro, ironicamente. Que a duração dela dependeria do quanto iria manter a escuridão.

— Que tal... A luz voltar?

Como se respondendo ao pedido hesitante do adolescente, a iluminação retornou de uma vez, fazendo com que os dois praguejassem diante a claridade repentina.

— Suas mãos. – seu pai avisou, fazendo-o olhá-las.

— Oh nossa. – talvez sua reação não tenha sido a mais expressiva do mundo, mas a sua surpresa fora verdadeira. Nas costas de sua mão havia marcas de penas, como tatuagens, das exatas mesmas cores da pena que estava em sua mão. Não havia muitos desenhos ali, como se fosse apenas a ponta de uma asa talvez. Para ter certeza, puxou a manga de seu moletom, vendo o desenho das penas estendendo-se por seus braços. – Eu nunca mais vou poder tirar o casaco na escola.

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— De tanta coisa para dizer, você diz isso? – Richard balançou a cabeça, então pegou o braço do filho, analisando-o. – Eu esperava que ela iria ensiná-lo um tipo existente de magia, não algo completamente novo.

— Como assim?

— Essas marcas só aparecem em quem desenvolve um novo tipo de magia. Existe magia de escuridão, mas... É basicamente controle de sombras. Não o que você fez, que eliminou qualquer tipo de iluminação daqui.

Jim olhou novamente as marcas. Elas brilhavam de uma maneira estranha – as cores saltavam aos olhos, mas pareciam absorver a luz ao redor. -, e pareciam ter alguns pigmentos dourados junto às cores escuras. Era estranho. Fazer tatuagens nunca fora algo que almejara, mas ali estava, ganhara algumas naturais (que doeram do mesmo jeito).

Sua cabeça latejou mais uma vez, fazendo-o trincar os dentes, percebendo porque ela doía tanto. Agradeceu – mesmo que de má vontade – por Ailith ter cortado caminho e poupado tempo, praticamente enfiando informações e imagens em tempo real dentro sua cabeça.

— Então?

— Acho que sei o que tenho que fazer. – Balançou a cabeça. – Há dez nobres bruxos na mansão Dois Hino, dois Guiscard, um El-Amin, uma Deasún, uma Dalca, uma Tenov...

— Tenova, no caso. – Richard o corrigiu.

— Eu nunca entendi como sobrenomes russos funcionam. – defendeu-se - Enfim, uma Onwatuegwu, e dois Iñuksuk. De todos esses, dois estão sendo... Influenciados pela mesma coisa que Michael.

Richard franziu o cenho.

— O ainda não sei o que é, acho que Ailith não vai realmente me dar tudo fácil. Ela quer que eu entre no santuário de Alim para falar com...

— Os mortos. Rei Alphonsus e Rei Augustus.

— É. E parece que eu vou precisar de ajuda. Deles. Não todos, ela disse que alguns poderiam...

— Aquela menina ruiva, Victoria Deasún. Ela tem uma... Inclinação para necromancia palpável. – Jim olhou-o surpreso. – Não que ela seja uma necromante em si, e duvido muito que ela tente algo, já que necromancia é magia negra. Mas ela com certeza pode ouvir a voz dos mortos. Quanto aos outros, eu não sei. Você sabe que cada família real tinha uma função ao rei, certo?

— Er, não, isso não veio no pacote de informações. Mas também algo me diz que os lemas deles são importantes...

— Os Deasún, Onwatuegwu, Iñuksuk são os conselheiros e juízes. Seus lemas dizem mais ou menos sobre isso: “Eterno e justo”, “Estabilidade e paz”, “Haja luz eterna”. Os Tenov e os Guiscard eram os espiões, mas com funções diferentes. "Escudo na escuridão”, “A tudo vemos”. Hino, El-Amin e Dalca são os protetores e guardiões: “Dia ou noite estaremos prontos”, “Da terra para o céu”, “Vingança defende os sábios”. – Richard lhe respondeu. – Só que você tem que pensar o seguinte: O mais velho dos que estão na casa deve ter no máximo uns dezessete anos. Sim, eles aprenderam magia desde um pouco depois de aprender a andar, mas eles ainda não estão nem de perto preparados para as funções da família nem para entrar num santuário de Alim.

— O que há nesse santuário? – Questionou, repentinamente nervoso.

— Memórias. Segredos. O problema é que você tem que se manter focado em seu objetivo, atraindo as coisas: Se você sair mexendo nas coisas levianamente, haverá punições impostas por ele até que você saia do santuário. Aí é que está a questão: Você é um Rockstone. Você sozinho, sem se focar em nada, já será um imã gigante lá dentro. E aos outros nobres, eles são de famílias antigas, terão um resultado semelhante.

— Aí nós iremos atrair uma avalanche de coisa até conseguirmos achar o que queremos e sair de lá.

— Basicamente. Um dos piores problemas é que os santuários de todo o mundo são conectados, assim vocês estarão num grande labirinto com memórias, segredos e conhecimento de muitos lugares. E certamente encontrarão pessoas lá. Isso é perigoso, pois você não poderá esconder quem você é no recanto dos segredos...

—... Então, se houver alguém que queira terminar de matar a nossa família...

— É um risco. – admitiu. – Você terá que ser cuidadoso e escolher o mínimo de gente o possível. Cinco, ao máximo, eu diria.

— Bom, você disse a Victoria... A Tenova?

— Os Tenov são a família de Ailith. Se ela está o mandando lá, creio que seja uma boa ideia, mas... Tome cuidado. Eles são desconfiados por natureza, o que os fazem ser muito... Neutros.

— Você está dizendo como se uma bola gigante a lá Indiana Jones aparecesse, ela seria capaz de não me avisar pra ver como eu reagiria?

— Talvez. Não conheço a menina, então não sei se ela pode ser remotamente diferente. Os Hino tem uma longa tradição de ancestralidade, mas falar diretamente com os mortos... Eu não diria que eles concordariam. Seria contra a própria natureza deles. Guiscard... Acho que é uma boa ideia um deles estar com você. A telecinésia deles é bem mais avançada do que de bruxos normais, e isso é de nascença.

— Já são três nisso.

— Iñuksuk são capazes de curar, mas eles têm uma propensão de atrair espíritos.

— Quê?

— Não acho que seja uma boa ideia. El-Amin e Dalca... Eu sinceramente não sei. Onwatuegwu... Também não sei. Isso dependerá de você.

— Se eu conseguir juntar os oito que a casa está prendendo, eu poderia pedir para que eles tentem achar os outros dois, enquanto alguns entrariam comigo no santuário.

— Sim. Você tem até a noite para conseguir isso. O santuário só abre à luz da lua.

Assentiu.

— É no jardim, não é?

— Sim.

— Então... – levantou-se. Seus joelhos pareciam ter se congelado, pois eles pareciam não querer se esticar. – Eu tenho que ir indo. Deve ser o quê? Manhã ou tarde?

— Só uma coisa antes.

Richard se levantou e ergueu a mão. O ar tremulou frente dele e três caixas de joias surgiram, e por reflexo pegou a do meio. As três eram de ébano, com entalhes que pareciam feitos de ouro branco por suas extensões uma série de medalhões - que pareciam representar um drakkar – embarcação viking -, uma construção no topo de uma colina, provavelmente o monastério de Lindisfarne, o homem sobre o dragão novamente, um círculo de pedras – Stonehenge? –, uma espada e um trono. No topo havia um dragão – mais precisamente, sua cabeça e seu pescoço, cujas escamas eram entalhadas como nós vikings. Normalmente descreveria aquilo como um nó celta, mas como a palavra “VIKING” berrava de tudo, fez uma nota mental descrever aquilo como nórdico.

— É um costume das famílias da realeza dar três joias encantadas para os filhos antes de eles irem ao Instituto ou quando atingiam certa idade. Cada família tem três pedras consideradas “suas” e um metal, além do animal-símbolo. Este é o seu, os outros dois são dos seus irmãos.

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— Cada família tem pedras e metal?

— Quanto às pedras, você sabe que dizem que algumas pedras são ditas ter propriedades especiais. E é verdade. As nossas são o diamante, a safira e a ametista, nossas joias são de platina. Use ao menos uma para sua proteção. Estarei lhe observando, filho.

No segundo seguinte, estava sozinho.

Olhou ao redor, e então para frente, tentando encontrar pelo menos o gato, mas não conseguiu. Soltou um suspiro de desistência e abriu a sua caixa. O interior era revestido de veludo púrpuro, e as joias cintilaram lá dentro: um colar, uma pulseira e um anel. Assim como a coroa, eles pareciam emitir magia, só que em quantidade bem menor.

Acabou pegando o colar, uma corrente de grossura média retorcida e trançada cujo pingente era um medalhão. Girando-a, encontrou entre os elos aquelas palavras novamente.

“Nós fomos. Nós somos. Nós seremos.”.

Esse era o lema dos Rockstones, não? Vendo sua atual situação, parecia quase apropriado. Encontrou também o “PLAT”, que indicava que aquela joia tinha pelo menos 95% de sua composição em platina pura. Aquilo o deixou com uma sensação estranha. Sabia que a platina era um material ainda mais raro e caro que o ouro por todas as suas características – raridade, durabilidade, hipoalérgica e tudo mais. -, e pelo peso, sabia que aquela joia fora relativamente cara, bem mais do que as coisas que usaria novamente.

Fitou o medalhão. Novamente havia o dragão ali, só que seus olhos eram safiras azuis e suas escamas eram incrustadas em diamantes. Definitivamente algo não puramente nórdico, mas era o que tinha em mãos. Na auréola ao redor havia algo escrito em runas, mas não entendia nada. Talvez fosse o lema da família novamente. Na parte de trás estava escrito com letras que se assemelhavam bastante às runas: “Raphael Neculai Rockstone”.

— Raphael... – recordou-se da voz que batera na porta do apartamento, berrando. – Eu sou o “Raphael”. Então... Seja lá quem fosse, estava atrás de mim?

Foi quase como uma lembrança reprimida. Na mesa do quarto de Melissa havia um papel rasgado. Tinha acabado de aprender a ler, assim lia tudo que via pela frente, deveria ter entre quatro e seis anos. Recordava-se que era quase um panfleto, e só conseguira pegar a parte final.

“…Alastair Vincent Rockstone, Raphael Neculai Rockstone e Christian Azriel Rockstone. Qualquer…”.

Não conseguira terminar de ler, pois Vincent entrara no quarto e tomara o papel de suas mãos, dizendo para ele não ler aquilo. Agora lembrava. É, tinha seis anos, Vincent oito. Ele parecera quase horrorizado por estar lendo aquilo, e como insistira que queria terminar de ler, seu irmão mais velho ameaçara contar para a mãe deles que Jim estava em seu quarto quando Melissa dissera que não era para ninguém entrar. Depois, deixara para lá.

Então, mesmo escondidos, eles acompanhavam o que acontecia no resto do mundo bruxo. Aquilo era...

— Bem, acho que isso eu tenho que perguntar ao Vincent da próxima vez que eu o ver. Agora... Acho que tenho outras coisas a fazer.