Contágio

Capitulo 2: 1º Fase: Contaminação


“Boa noite. Nossa equipe jornalística ainda está recebendo cartas de telespectadores que vivem na Província do Sul e que relatam um estranho comportamento dos animais da região.

O número de incidentes relacionados a ataques selvagens contra pessoas aumenta drasticamente. Órgãos e Centros de Pesquisas, especializados na vida animal, discutem o motivo dessa súbita fúria.

Os primeiros casos de ataque se deram cerca de uma semana atrás, quando um macaco saiu do Monte Verde e atacou pai e filho que transitavam pelas redondezas, fazendo ainda mais vítimas no meio do caminho.

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Não encontrando outra maneira de deter o animal e analisando o risco a segurança pública, ambientalista da reserva se viram forçados a abater o animal, causando indignação de algumas pessoas.

Muitos criticaram a ação de extermínio e a gerência da reserva se viu obrigada a esclarecer tudo em documento oficial à imprensa. Na nota foi comunicado que o macaco era uma ameaça tanto para a vida humana quanto para a selvagem, pois diversos animais da reserva estavam sendo atacados por ele. O risco de que ele transmitisse alguma doença, como raiva, era grande já que nada justificava tal comportamento.

Não demorou muito para que outros animais atacassem e, por causa disso, uma equipe médica foi enviada para o reservatório a fim de analisar o estado de saúde das espécies no local e se correm algum risco e, se for preciso, uma transferência deve ser feita.

A Secretaria da Saúde alerta os moradores, de todas as Províncias, que no caso de mordidas ou ataques de algum animal se dirigirem ao posto médico o mais rápido possível. Pesquisadores tentam correlacionar esse comportamento dos animais com o surto de gripe que o país vem tendo. É com você, Carla”.

“Obrigada, Roberta. Médicos de todo o país se preocupam com o recente caso de gripe que estamos passando. Essa gripe desconhecida vem se espalhando rapidamente e, embora os sintomas sejam parecidos com um resfriado comum, os médicos sugerem que todos tomem cuidado.

O surto de gripe começou a uma semana, mesma época que o comportamento raivoso dos animais, por isso os pesquisadores tentam achar uma relação desses dois eventos. Os testes realizados indicam certa semelhança entre ambas, mas não o suficiente para concluir que ambas podem ser classificadas como uma.

Cientistas dizem que surtos de gripe são comuns nessa época do ano, chegando a taxá-las como epidemias devido à vasta quantidade de infectados em um curto período de tempo. Estima-se também que o período de duração dessas ‘epidemia’ acabe dentre três a cinco semanas.

A comunidade médica mais conservadora alega que a rápida proliferação do vírus se deve ao Dia Internacional do Beijo, desse jeito fortalecendo ainda mais laços com o ataque dos macacos.

A recomendação da Secretaria da Saúde para esse surto é que aqueles que sentirem o sintoma consultem os hospitais mais próximos e certifiquem que estão com a vacinação em dia. Além dos cuidados de evitarem o contato com os que apresentam sintomas e lavar as mãos com frequência.

Para aqueles que trabalham em lugares movimentados ou utilizam do transporte público o uso de mascaras simples é sugerido. Até o recorrente momento não houve casos mais graves e os especialistas afirmam que o vírus deve se dissipar logo.

Nossa equipe visitou...”

O pequeno aparelho televisivo era desligado, a pessoa com o controle nas mãos não parecia muito satisfeita com as noticias locais e era compreensível. No escritório localizado em um dos andares mais altos se encontrava o diretor da empresa. A iluminação era quase nula e as luzes da cidade podiam ser vistas pela parede de vidro.

O clima mais sombrio era apropriado para uma demissão. O homem de cabelos brancos, pele enrugada e com o hábito constante de mastigar – mesmo que não houvesse nada dentro de sua boca – cruzava os dedos da mão e analisava a jovem cientista na sua frente.

A chefe do Departamento de Pesquisa e Controle de Doenças parecia perceber o motivo de sua presença ser requerida na sede do grupo Valhaha. Ainda trajava seu jaleco branco que destacava as olheiras que havia obtido após o ataque contra seu laboratório.

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— Você entende que a Organização Valhaha teve sorte por não ser mencionada nesse surto dos animais? Parece que Liberty nos fez um favor e removeu os chips de identificação das cobaias. – a voz era ríspida e repleta de desgosto. A pesquisadora sentia que ele esperava por aquela reunião a um bom tempo.

— Sim, senhor. Peço desculpas por isso. Não esperava um ataque dessa maneira, eu e minha equipe estamos fazendo o possível para recuperar os animais perdidos e continuarmos com nossas pesqui...

— Agora é tarde demais para correr atrás do que já está arruinado! – o homem levantou-se violentamente da cadeira enquanto interrompia a mulher, derrubando a poltrona que estava sentado no chão. Suas mãos tremiam e mexia constantemente no colarinho, como se estivesse prestes a sufocar. Ele estava irritado.

— Eu entendo, senhor, mas é que...

— Esqueça! Não há mais pesquisa, não há mais equipe, não há mais animais para testes. Não vai demorar muito para essa bomba cair em minhas mãos e espero que as pessoas achem uma solução para essa ‘gripe’ porque se algo pior acontecer a culpa é sua.

— Não tínhamos como saber que Liberty atacaria. – a mulher defenderia sua inocência enquanto vivesse.

— Por sua falta de profissionalismo perdi o acordo que tínhamos com o governo, um de nossos maiores sócios. Você parece não entender que se eu pudesse a jogaria dentro daquela maldita reserva e deixaria que os animais a devorassem. Saia da minha frente agora!

Sem esboçar nenhuma reação, apenas assentindo com a cabeça, a pesquisadora sai da sala e parte em direção ao elevador. A palavra ‘demissão’ não havia sido mencionada na conversa, mas ela sabia que não seria admitida novamente dentro de um laboratório da empresa.

Somente quando chegou a seu apartamento, triste e vazio, que ela se deu o direito de chorar. Estava nervosa por não ter se livrado da cobaia 13-A, nervosa pela existência da Liberty, com seu antigo chefe, mas o que a irritava mais era sua própria existência. Tinha o emprego dos sonhos e continuaria nele se não fosse tão ambiciosa.

— Por um breve momento eu fui deus e criei algo magnífico, mas assim como ele, eu perdi o controle sobre minha criação. – disse em voz alta, debulhada de lágrimas e com uma garrafa de vodka nas mãos.

••

Samuel não se sentia bem. O ferimento na mão estava melhor, mas acabou sendo pego pela epidemia de gripe que assolava o país. Lembra-se de ter visto na televisão que os sintomas eram parecidos com o de um resfriado, mas o rapaz nunca havia pegado algo daquela maneira. Sentia-se exausto e com pouca disposição.

O rapaz se isolara em sua casa, não atendia a campainha e sequer levantava-se para atender ao telefone. Passava seus dias na cama, suando frio e tendo tremores. Seus pais já não estavam vivos, as únicas pessoas com quem socializava eram os ativistas do Liberty – antes, também possuía amigos de trabalho, mas quando sua imagem apareceu relacionada ao grupo de proteção aos animais acabou sendo demitido.

Samara não tinha seu número, era estranho isso, pois, o rapaz era considerado seu braço direito por muitos. Mas ambos criaram certa distância com medo de despertar sentimentos não propícios para uma mulher casada.

Uma longa sequencia de tosse interrompe os pensamentos do jovem. Aquele simples resfriado não melhorava. Nos primeiros dias havia ido ao médico e tomado uma vacina contra virose, mas parece que aquilo só fez com que piorasse.

A televisão ficava ligada o dia inteiro, sendo a única iluminação do quarto sombrio e repleto de germes. A pilha do controle tinha se esgotado há alguns dias, logo, o canal não era mais trocado. Se Samara visse o estado do menino, o faria levantar da cama imediatamente com gritos estridentes.

— Eu queria que ela estivesse aqui - quando percebeu o que disse o próprio rapaz se assustou e culpou a febre por seus delírios.

No entanto aquela doença que persistia em ficar, as noites mal dormidas e os pesadelos que tinha, apenas aumentava o sentimento de vazio dentro do rapaz. Em certos devaneios lembrava-se da mãe e de sua insistência para que ele casasse com alguma das meninas da igreja que ela frequentava.

Dona Emília apresentava seu filho para todas as moças solteiras que conhecia. Fazia um ótimo marketing do garoto que na época se irritava, mas agora cria lágrimas nos olhos ao lembrar as maluquices de sua amada mãe.

Era estranho estar lembrando daquilo. As lembranças de seus pais foram soterradas no intrínseco de sua memória. Hipóteses sobre isso seriam criadas se o rapaz não caísse no sono. Antes de adormecer pensou em visitar o cemitério.

••

Por um breve momento Samara se viu em um mundo onde ela era feliz. Seu sorriso era a luz guia daquelas almas perdidas e ao seu lado se materializava um corpo irradiante. Essa personificação luminosa segurou em sua mão e juntos passearam pela plantação de trigo que os cercava. O despertador toca.

Ela sempre despertava na mesma parte, não importa quanto tempo o delírio da febre durasse, a quantidade de tempo passada no sonho era o mesmo. Sempre os mesmos eventos, sempre o mesmo ser de luz.

Quando acordou via que não sorria, mas chorava. Suas manhãs se tornaram monótonas. Ao seu lado da cama indícios de que seu marido levantara cedo foram deixados. Após o aniversário de casamento percebeu que o relacionamento de ambos jamais seria o mesmo.

Sentia-se doente e percebeu que o esposo também, embora esse a culpasse por estar gripado. Não era a primeira vez que pegava um resfriado, levando em conta que grande parte da Província do Norte se encontrava no mesmo estado. No entanto era a primeira vez que sentia que precisava de alguém ali do seu lado.

Samara gostaria que seu esposo se preocupasse mais com ela e que passassem, um único dia, sozinhos na cama, assistindo a algum filme, enquanto tomavam uma sopa para o resfriado. Mas isso não aconteceria.

As lágrimas não paravam de escorrer pelo seu rosto fino, sentia seus olhos incharem, tentava negar aqueles sentimentos tristes, mas não conseguia. Viu-se forçada a se entregar a aquele sentimento e abafou o choro debaixo de suas cobertas.

Tentava entender em que ponto sua vida havia tomado um rumo inesperado e, subitamente, lembrou-se de algumas palavras ditas por seu irmão mais velho no dia do casório. Uma lembrança há muito tempo já esquecida.

Era estranho lembrar-se de algo relacionado a seu irmão, haviam cortado os laços familiares com ele devido às inúmeras discussões que tinham por causa da Liberty. Movida por um sentimento de saudades, ainda com lágrimas caindo, a mulher pegou as chaves do carro e partiu em uma viagem até a casa do irmão, na Rua K, Província do Norte.

••

Samuel despertava, ou pelo menos parecia estar, olhou ao redor e se deu conta que não estava em casa. Seria isso um sonho? Não, estava sentindo de maneira muito real as gotas de chuva contra seu corpo, a grama abaixo de seu rosto e o clima melancólico dos cemitérios.

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Não lembrava como tinha chegado ali e quando se levantou para observar o perímetro, viu em sua frente um tumulo, o nome gravado no mármore branco era o de sua mãe. Não entendia porque, em algum delírio que deve ter tido durante a febre alta, saiu de sua residência e cruzou meia cidade.

Ergueu a cabeça para tentar localizar a entrada e viu que mais pessoas estavam ali no cemitério. Não era muito frequente a visita do rapaz a cemitério, logo, não sabia se aquela quantidade de pessoas chorando pelos entes queridos era comum, julgou que não.

Algumas das pessoas que estavam ali pareciam ter perdido um ente querido há pouco tempo, pois agarravam a lápide e gritavam de tristeza. A chuva camuflava as lágrimas de todos ali, inclusive as de Samuel.

Quanto mais olhava para aquele túmulo o sentimento de tristeza apenas aumentava. Sentia um aperto no coração, seguido de um forte incomodo no estomago, até que sente algo forçando saída pela sua boca, quando se dá conta está vomitando uma substância gosmenta e negra.

Quando termina de colocar tudo para fora está completamente desnorteado e cansado. Sua barriga doía, devido o esforço que foi obrigado a fazer. As mãos estavam trêmulas e olhava espantado para o que havia saído de seu corpo.

Sua vista foi ficando turva e sentiu o peso de sua cabeça, enquanto lentamente seu corpo se inclinava para o lado e ia em direção ao chão. Samuel desmaiava ali mesmo.

Quando acordou viu que estava em um local claro e pessoas vestidas de branco o observavam. Sentiu embaixo de si algo macio, deveria ser um colchão, olhou para o lado e alguns aparelhos eletrônicos estavam ligados e alguns fios conectados ao seu corpo. Estava em um hospital.

Os médicos que estavam ao seu redor usavam mascaras e óculos de proteção, o quarto tinha uma única parede de concreto, sendo as outras três de vidro. Do lado de fora outros médicos observavam tudo.

Podia ver nos olhos dos que estavam perto de si certo espanto. Uma garota se virou e correu para uma mesa do outro lado da sala, quando voltou tinha em mãos uma seringa com um líquido transparente dentro. Picou o rapaz com a agulha e esperou.

Depois de um tempo, e demonstrando certa inquietação, a garota olha para um dos homens, este aparentava ter uma pele enrugada por trás dos óculos de proteção, este fez um gesto com os ombros, como se não estivesse entendo nada.

— Quem são vocês? – o rapaz na cama disse.

— Olá, Samuel. Nós somos a equipe médica do Hospital Central das Províncias – era um dos maiores centros médicos do país, se a informação dada pelo velho fosse verdadeira.

— E-Eu não tenho dinheiro para ser tratado aqui... Tenho que sair, preciso visitar minha mãe... – Tentou se levantar, mas foi aí que viu que ele estava amarrado a cama. Começou a se desesperar.

— Tenha calma, jovem. Você foi encontrado inconsciente no chão de um cemitério. Uma analise de sangue constatou uma evolução do vírus da gripe e por isso foi transferido para nosso estabelecimento.

— Por quanto tempo eu fiquei inconsciente?

— Um pouco mais de um mês. Fizemos alguns exames em você e constatamos alguns pequenos tumores em seu cérebro, no momento que acordou iríamos começar a cirurgia para retirá-los.

— Espera, você iam me operar sem sequer ter minha autorização?! Vocês estão loucos?!

— O governo revogou seus direitos como cidadão. Entenda: a doença que você tem é a mesma que está assolando metade do território nacional. Se essa evolução que ocorreu com você atingir mais pessoas estaremos lidando com algo de nível cancerígeno até. Puxamos sua ficha médica e não foi constado tumores em seus exames.

Samuel não sabia o que dizer. O governo havia removido o direito dele como cidadão, então agora ele não passava de uma cobaia para aqueles médicos. Eram tantas informações para serem processadas em tão pouco tempo.

— Então porque vocês não me operam logo seus cretinos?

— Gostaríamos, mas parece que anestesia não faz efeito em você. E... – aplicando uma injeção no rapaz e fazendo um pequeno corte após alguns segundos, arrancando um grito de dor do mesmo, o médico concluiu – Morfina também não. Há quanto tempo se sente doente, Samuel?

— Eu... Só sei a data que o resfriado pode ter começado, alguns dias antes do Dia Internacional do Beijo.

— Então já tem alguns meses que o senhor está assim.

— Meses? Em que dia nós estamos?

— Estamos no dia quinze de Junho.

Para o garoto haviam passado apenas alguns dias desde que adoecera, mas na realidade foram quase dois meses. Estava confuso. O médico fez mais algumas perguntas, só que o rapaz não estava prestando atenção nas palavras do homem. Diversas informações passavam por sua mente.

A confusão se instaurou na mente do rapaz ao mesmo tempo em que a misteriosa doença mostrava seu último sintoma. Uma dor forte e aguda podia ser sentida dentro de sua cabeça, era agonizante, arrancando fortes gritos de dores do rapaz.

Os médicos se espantaram com aquilo. As batidas do coração subiram drasticamente, assim como a atividade cerebral. As pessoas que estavam ali tentaram de tudo para aliviar a dor do paciente, mas os gritos agudos não paravam.

A agonia que Samuel sentia pôde ser ouvida por todo o andar. As veias saltavam de seu rosto podiam ser vistas sob a pele e pulsavam fortemente. Os olhos do rapaz reviravam de dor, deixando apenas o branco visível. As mãos se contraíam e agarravam os lençóis. Seu corpo inteiro sofria. Da sua boca um líquido preto escorria pelos cantos, mesmo estando com os dentes cerrados. Em meio à dor, Samuel se lembrava de momentos há muito tempo esquecidos.

Via recordações de seus pais e amigos de infância. Não importava que cena fosse a dor estava sempre presente. Por último viu a imagem de Samara, de seu sorriso matinal e pela primeira vez lembrar-se disso foi agonizante. Lágrimas de sangue escorreram de seus olhos.

De repente o sofrimento acabou, ao mesmo tempo todos os números de cada um dos aparelhos caiu para zero. Samuel estava morto, os médicos olhavam uns para os outros tentando compreender o que havia acontecido.

Aquele caso logo, logo estaria sendo coberto pela mídia. A primeira morte causada por uma doença que estava longe de ser uma simples gripe. Embora ninguém falasse nada, o medo estava estampado em seus rostos.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.