POV Jill

Já ouviu falar que a temperatura interna dos iglus é muito maior que a externa? Jill achava isso curioso quando pequena. Ouviu por aí que pode chegar a uns 30 ou 40˚C – agora ela já não tinha certeza – a mais do que a externa. Ela acabou entendendo o motivo, mas tinha curiosidade em entrar em um para sentir como era.

Acabou não sendo necessário. Quione havia feito esse favor. Com uns graus bônus.

Mesmo quando congelada, a menina via e ouvia tudo como normalmente. Bem, teve que se contentar com a visão periférica, mas já estava de bom tamanho. Ela pode ver Scott e Cori tremendo de frio à sua frente e não entendia como, pois estava sentindo calor em todos os lugares existentes no corpo de um ser humano. A temperatura era tão elevada que se aproximava da dor, e a menina não aprendeu a ignorá-la.

Enquanto Scott jogava com a deus, Jill pensava no que havia visto e qual seria a melhor maneira de contar aos outros. Afinal, nem mesmo ela sabia ao exato o que tudo aquilo significava. Passou seu tempo como estátua tentando fazer duas coisas apenas: se acostumar à temperatura e achar as palavras corretas para dar a notícia aos outros. Passou tanto tempo pensando nisso que nem parou para discutir consigo mesma as chances de saírem vivos dali.

Assim que viu a vitória de Scott, Jill sentiu um grande alívio, mas logo a sensação passou com a trapaça da deusa. De qualquer maneira, ela não podia esperar muito mais para sair da camada de gelo apertadíssima e claustrofóbica que a prendia. Quando Quione desapareceu, ela pode enfim se mexer, mas ao invés de receber uma brisa fresca como esperava, se sentiu afundar em um frio profundo e achou que fosse paralisar ali mesmo. A temperatura foi se estabilizando aos poucos, mas ela não esperou isso acontecer para começar a contar a história.

– ... eu não sei o que temos que procurar, se é o que está se perguntando – disse à Scott - Mas eu sei onde encontrar.

– Devíamos ir para a terra ressecada, certo? – comentou Cori.

– Era o que eu pensava até agora, mas não, acho que não é isso. Pense na profecia: “a terra ressecada, nosso destino será” e depois “procurar um destino que irá nos procurar”. Agora foquem em destino.

Cori e Scott ainda estavam confusos.

– Eu não acho que a terra ressecada em si seja o destino – ela explicou – pois algo me achou. Antes de Quione, eu vi algo, ou melhor, alguém, e não tenho certeza se foi um sonho ou não ainda que isso não importe muito para um semideus. Eu vi uma garota, devia ter uns doze anos. Ela usava uma saia até a canela, um casaco quase da mesma cor e uma espécie de boina verde. Já ouviram alguma descrição assim?

Os outros permaneceram calados. Jill revirou os olhos.

– Deixa eu ajudar: cabelos negros longos e bagunçados. Pele clara, mas não pálida, mais para amorenada. Trança caindo sobre o ombro...

– Você não acha que é Bianca, não é? – cortou Cori. Os olhos de Jill brilharam.

Era Bianca. Tenho certeza.

– Você acredita então que Bianca é o “destino” da profecia? – Scott duvidou.

– Pense comigo, eu sei que parece loucura. Mas ao pensar em “terra ressecada”, a primeira coisa que nos veio à mente foi Bianca, certo? E se for um tipo de metáfora? E se o que temos que achar está com Bianca ao invés de ser a própria?

– O que te leva a pensar isso? – Scott ainda não a levava à sério.

– Scott, faz sentido – Cori respondeu – explicaria como um destino poderia nos procurar. Talvez Bianca precise nos encontrar tanto quanto precisamos dela.

– Ok, mas ainda não explica como ela está viva.

– Eu não disse que ela está viva, só disse que a vi.

– É mas... – ele perdeu o que contrariar. Acabou improvisando – ela falou com você ou o que?

A menina não ficou feliz em responder.

– Ela me perguntou sobre Nico. Perguntou se estava bem. Perguntou sobre suas cartas de Mitomagia e se cortava o cabelo como ela pedia... – Jill suspirou e tentou continuar - Não tive coragem de responder a verdade. Disse que ele estava bem, mas sentia saudades. Disse que era o campeão do navio e seu cabelo estava em ordem. Como pude dizer para ela que ele estava bem? Não sabemos nem se ele está vivo! E se ele nunca mais voltar?

– Ei, calma – Scott amaciou a voz – ele vai voltar.

– Você não pode saber.

– Nico é capaz de muitas coisas – confortou Cori – acredite nele, Jill.

Ela sentiu-se um pouco melhor. Aproveitou o momento para continuar a falar antes que voltasse a ficar preocupada:

– Bom, de qualquer jeito, Bianca sorriu para mim e abriu a boca para dizer alguma coisa, mas escutamos um barulho alto. Ela pareceu assustada e, ao invés de me encher de detalhes, disse apenas uma palavra extremamente apressada antes de sumir. Logo, Quione apareceu do nada, furiosa, e o resto vocês já sabem.

– E o que ela disse?

– Se eu ouvi direito, e eu imagino que ouvi, ela disse “Germania”. No início eu não consegui identificar a palavra, mas lembrei, durante o tédio de te assistir jogar, que Bianca é italiana. A palavra pode ter escorregado na língua materna na pressa.

– E Germania significa...? – perguntou Scott.

– Alemanha – Jill respondeu – acho que ela quer que a gente vá para lá.

Os três semideuses se olharam por um tempo. Era uma decisão que mudaria o rumo da missão. Não era um simples detalhe.

– E como Nico nos encontraria? – Cori levantou o queixo.

– Eu tenho algo dele que pode ajudar – Jill sorriu. Parecia que os amigos concordariam com sua hipótese.

– Bom – Scott respirou duas vezes lenta e ruidosamente – o que estamos esperando?

Jill queria abraçá-lo, mas apenas levantou a cabeça e gritou:

– Leo!

– Sim? – a voz do amigo soou por todo o barco.

– Mudar rumo! Vamos para a Alemanha, e vamos rápido!

– Como quiser. Cuidado com a turbulência!

O trio de semideuses caiu no chão no tranco enquanto Leo ria na gravação como se tivesse programado a cena. Jill só não amassou o rosto porque apoiou-se nos cotovelos. Scott não teve a mesma agilidade. Para piorar, Cori ainda caiu de costas em cima dele. E foi assim, com essa saída heroica, que Jill, Cori e Scott começaram seu caminho para Alemanha.

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POV Ricky

Há algum tempo ninguém aparecia. Engraçado. O intervalo foi alguns segundos maior. Os 45 segundos que ele contava e apreciava ao máximo se tronaram 46, 47, 48. Logo eram mais de 60. Estranhou. Teria o dia acabado ou havia simplesmente uma falha no regulamento? Ou então era proposital.

– Ricky? – soou uma voz atrás dele.

Inacreditável.

Era proposital.

– Nico – ele respondeu sem nem olhar para trás.

– Não acredito que te encontrei! – o amigo soava tão feliz que o peito de Ricky pesou.

O primeiro choque foi disparado. Muito mais intenso que os outros. Ricky conteve a própria voz mesmo ao ser surpreendido. Se deu conta de que Joseph já havia planejado isso, conata os segundos para o encontro dos dois. Sem querer, Ricky sentiu raiva.

– Nem eu – ele respondeu enquanto sentia o segundo choque.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.