Cold Coffee

Not over you


Capítulo XV

Diana

Três semanas haviam se passado desde o meu encontro com Leonard, e a minha situação estava tornando-se uma areia movediça que lentamente me puxava para baixo. Se antes eu achava que sua obsessão era um tanto estranha, agora ela estava atingindo níveis patológicos: ele não tolerava que eu ficasse sem responder suas mensagens, nem que eu estivesse em aula, e sempre pedia que eu o ligasse assim que chegasse no quarto ou em uma aula. Era como se eu estivesse namorando um general, nosso relacionamento sendo irrefutavelmente uma ditadura.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Para piorar a situação, eu não tinha ninguém para desabafar com. Jade não podia saber de nada do que estava acontecendo e além dela, a única pessoa para a qual eu pensaria em contar sobre essas coisas era Philip, mas falar com ele estava fora de cogitação. Depois de tê-lo visto com sua namorada aquele dia, o clima que se instalou entre nós anulou todo o avanço que fizemos com a nossa amizade desde o momento em que nos reencontramos na festa, e agora eu estava sentindo que havíamos voltado à estaca zero. Nas ocasiões em que o avistei após o encontro, nossas interações não passaram de um “oi” tímido e sorrisos nervosos, como se nossa naturalidade um com o outro tivesse sido jogada fora para nunca ser encontrada novamente.

Por isso, eu não estava aguentando mais. Minha motivação para as coisas — até mesmo para as minhas aulas favoritas — estava à beira do mínimo e eu não podia deixar que isso me afetasse. Eu sabia que as coisas não iriam automaticamente se ajeitar por si mesmas, então me esforcei durante esses 21 dias para pensar em soluções aos problemas que me rodeavam. A única conclusão à qual meu cérebro chegou, no entanto, não era algo que tinha muitas probabilidades de funcionar: falar com a namorada do Luke, Julie.

Não, eu não contaria toda a verdade para ela, porque isso com certeza daria muito errado para Jade; o que eu estava pretendendo fazer era simplesmente conversar com Julie para tentar descobrir se a relação dos dois estava indo bem ou se estava deteriorando, partindo da suposição de que Luke estava gostando de Jade. Eu sabia que era uma ideia boba que representaria um plano com necessidade nenhuma de acontecer, mas ainda sim era alguma coisa. Eu precisava de alguma forma sentir a sensação de sair da inércia e finalmente fazer algo.

Sendo assim, acabei olhando os horários e o número das salas de Leonard e decidi realizar meu plano durante a última aula do dia, visto que Julie era de sua turma. Primeiro, eu teria que despistá-lo, porque o único jeito de eu reconhecer a namorada de Luke era chamando por seu nome, e eu não queria levantar nenhuma suspeitas para Leonard. Por isso, acabei mandando a ele uma mensagem para que ele saísse de sua aula quinze minutos antes do final e me encontrasse na entrada do meu dormitório, com o intuito de termos um jantar elegante fora do campus. Eu sabia que ele não iria recusar essa proposta e, de fato, a resposta dele surgiu sem nenhuma contestação, o que foi um alívio.

A próxima etapa seria arrumar coragem para entrar na sala da turma de economia e chamar por Julie, torcendo para que ela cooperasse sem nenhum conflito. A desculpa que eu havia arranjado para chamá-la girava em torno de um trabalho para uma das minhas aulas, segundo o qual eu teria que escolher cinco alunos de cursos diferentes para entrevistar. Era esdrúxula, obviamente, mas era o máximo que meu cérebro havia conseguido pensar.

Após receber uma mensagem de Leonard dizendo que ele já estava a caminho do meu dormitório, decidi que agora seria a hora de chamar Julie. Tendo certeza de que Leonard sairia pela porta de entrada — porque era mais próxima do meu dormitório —, optei por entrar no prédio pela porta de saída. A sala de Leonard era uma das primeiras no corredor e assim que a encontrei, bati na porta nervosamente.

Um homem alto e careca olhou para mim, confuso.

— Algum problema? — ele perguntou. Minhas bochechas estavam se avermelhando.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Hm... Eu... Eu poderia, por gentileza, falar com a aluna Julie? É um assunto importante e rápido.

— Vocês adolescentes nunca foram tão conspiratórios quanto agora — o professor riu levemente. — Primeiro Leonard saindo cedo, agora a senhorita Hall. Julie — ele voltou seu olhar para o mar de alunos que o encarava. — tem uma senhorita aqui querendo falar com você. Como eu sei que isso provavelmente vai demorar, mesmo com a garantia desta jovem moça, devo lembrar-lhe de fazer o seu relatório para a próxima quinta.

Uma garota alta, loira e de olhos azuis se levantou de sua cadeira e arrumou seu material sem nenhuma objeção. Enquanto analisava seu rosto, pude perceber que ela tinha feições extremamente bonitas e imediatamente me senti um lixo fisicamente. Ela sorriu para mim, como se soubesse quem eu era, e veio na minha direção.

— Boa noite, sr. Higgins.

Assim que a porta se fechou, eu não soube o que falar. Felizmente, Julie iniciou a conversa após alguns segundos de silêncio.

— Você é Diana, certo? A namorada de Leonard? — ela perguntou. — Ele me mostrou uma foto de vocês dois um dia desses... Achei vocês um casal muito fofo. Normalmente eu não sairia de sala assim, mas como eu te reconheci, não vi problemas. Mas enfim, o que houve? Precisa de alguma coisa? Talvez um conselho amoroso?

Eu sorri nervosamente perante a sua inesperada gentileza.

— Ah, não, é só que... Bom, eu faço Jornalismo, e um dos trabalhos que preciso fazer é entrevistar alunos de cursos diferentes, sabe, pra analisar as diferentes personalidades das, hm, diversas áreas de ensino..... — eu disse, me atropelando nas palavras. — Como Leonard teve uma emergência hoje, ele disse que eu poderia falar com você... Falou que você é uma das alunas mais exemplares da turma. É que o trabalho é para amanhã e, uh, eu acabei deixando essa última parte pra hoje. Se não for incômodo, claro, gostaria de te entrevistar...

— Entendi! Uau, eu não esperava um elogio desses vindo de alguém tão competitivo quanto Leonard, mas fico grata em poder ajudar!

Como eu tinha tempo limitado antes que Leonard começasse a surtar, decidi fazer a suposta entrevista em pé mesmo, em frente à porta de saída.

— Então, Julie... Primeiramente, está gostando do seu curso?

Ela sorriu, amostrando seus dentes perfeitamente ajeitados e brancos.

— É uma relação de amor e ódio, pra ser sincera... Mas, no geral, acho que fiz a escolha que eu estava destinada a fazer.

— Hm... E é um curso cansativo? — perguntei, depois percebendo que deveria refrasear a pergunta a fim de que abrisse margens para que ela pudesse mencionar Luke. — Quero dizer, é um curso que toma muito do seu tempo?

— Acho que é que nem qualquer outro curso, sabe? Você dedica seu tempo pra fazer os trabalhos e relatórios porque é algo que você sempre quis fazer, pelo menos no meu caso, então é inevitável perder algumas horinhas livres no processo — ela respondeu, sincera. — Mas eu tenho sorte de ter amigos que estão no mesmo barco que eu, e que são compreensivos com isso. Especialmente meu namorado... — na mosca. — Ele sempre apoiou a minha escolha e sempre soube das consequências que nossas carreiras teriam no nosso relacionamento, não importasse o tempo que eu perderia sem ele. Acho que sem a compreensão dele eu não estaria tão feliz quanto agora.

Droga. Eles pareciam ser um casal fofo.

— Ah... Então esse seu relacionamento continua firme e forte? Mesmo com as diferenças de horários e tudo mais?

Julie sorriu, de certa forma confusa com a minha pergunta, e ajeitou seu cabelo.

— Ainda estamos tentando nos acostumar com o esquema de faculdade... Ele também às vezes cancela planos para estudar, então às vezes fico com saudades dele mais do que ficava antes... Mas estamos bem, no geral. Felizes e bem. Ah, e, só posso falar uma coisa?

Meu coração instantaneamente parou.

— Seu cabelo é uma graça! Nossa, que shampoo você usa?

Aliviada e agradecida, respondi sorrindo:

— Ah... Que isso! Eu uso shampoo de farmácia mesmo, nada muito extravagante...

— Meu Deus, nem parece! Queria ter cabelo assim, bonito e meio cacheado, mas o meu acaba ficando embaraçado e no final das contas eu fico parecendo uma idiota. Por isso acordo todo santo dia, cedinho, pra alisar essa joça.

— Nem fala! Seu cabelo é lindo! — eu disse a ela, não acreditando que a pessoa que eu supostamente deveria odiar era, na verdade, super gentil e carismática, o que me deixava mais dividida ainda.

Continuamos conversando por alguns minutos — eu com minhas perguntas esfarrapadas e ela com suas respostas incrivelmente bem elaboradas — até que recebi uma mensagem de Leonard, perguntando onde eu estava. Vi que haviam se passado quinze minutos, tão rapidamente que foram quase despercebidos, e soube que teria que terminar a conversa antes que quaisquer problemas surgissem.

— Ih, eu tenho que ir! Leonard está precisando de ajuda pra alguma coisa...

— Vai lá! Nós somos sempre as que têm que ir ao resgate, no fim do dia... Mas a entrevista foi o suficiente? Vai dar pro seu trabalho?

— Uh, eu me viro — eu organizei minhas coisas e sorri para ela. — Obrigada, Julie.

Ela surpreendentemente me abraçou e acenou enquanto eu ia embora, contribuindo ainda mais para o meu conflito interno. Jade não iria gostar de saber que a namorada do garoto de quem ela gostava, cuja existência ela não fazia a menor ideia, era um amor de pessoa, e naquele momento eu percebi que meu plano havia falhado miseravelmente. Mesmo tendo conversado tranquilamente com Julie e de certa forma conseguido obter algumas informações, eu senti como se tivesse piorado a situação para mim. Meu corpo estava agora mil vezes mais exausto emocionalmente do que antes da nossa conversa.

É, Diana. E agora? Você se meteu nisso. O que você vai fazer?

Sem respostas, fiz meu caminho até Leonard, me preparando psicologicamente para uma noite ao seu lado.

━━━━━━━━━━━━━━━━━━━━━━━━

Era um dia após o meu encontro com Julie e, incrivelmente, eu não tive tempo de pensar na coletânea de problemas que haviam sido adicionados à minha lista, porque eu e Jade estávamos focadas na festa de Halloween. Ela havia escrito nossos nomes na lista de pessoas que iriam ajudar o comitê de Lisa na organização da festa (sem consultas prévias com a minha pessoa), e acabamos tendo que arrumar o salão por quase uma tarde inteira. Encher balões, botar morcegos no teto, arrumar os doces e ajeitar o palco para o DJ foram as minhas preciosas distrações, das quais eu estava realmente precisando.

A verdade era que eu havia totalmente me esquecido do Halloween, e quando Jade me lembrou, eu tive um leve ataque de pânico. Eu estava tão focada nos meus próprios problemas que, nem por um segundo, parei para me lembrar de um dos meus feriados favoritos do ano após o Natal. Nós havíamos inclusive decidido a nossa fantasia semanas antes da festa, mas o estresse todo com Leonard, Philip, Luke e Julie acabou me distraindo.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

No final das contas, no dia da festa, Jade e eu estávamos prontas e preparadas para encarnar os espíritos das nossas grandes ídolas: Monica Geller e Phoebe Buffay. Enquanto minha melhor amiga se vestiu de Mulher-gato, representando a Monica, a minha fantasia foi a Supergirl, representando a Phoebe. A felicidade que foi vestir a fantasia ao lado de Jade foi inexplicável e revigorante após incontáveis dias nebulosos, e por isso acabamos tirando quinhentas fotos no quarto antes de realmente irmos para o salão que ajudamos a organizar.

— Meu Deus, elas ficariam orgulhosas de nós! — Jade comentou, enquanto fazíamos nosso caminho até o salão. De repente, ela parou. — Diana... Eu...

— Jade, o que houve? — eu perguntei, assustada.

— Eu te juro que aquele esquilo está me perseguindo! Sério, desde semana passada, essa peste aparece justo quando eu menos espero! — ela respondeu, apontando para uma adorável criatura que estava em cima de um dos bancos de madeira espalhados pelo campus.

— Tá de brincadeira, né?! E eu achando que era algo sério! Aposto que seu cérebro está imaginando coisas. — eu disse, rindo. — Tipo aquele cara de Clube da Luta, só que o seu Brad Pitt é na verdade um esquilo.

— Cala a boca, é sério!

Andamos rindo por mais alguns metros até que chegamos ao nosso destino. Quando abrimos a porta do salão, senti uma onda de orgulho me atingir ao ver que nosso trabalho havia ficado surrealmente bonito. Claro que Lisa e sua equipe de oompas loompas haviam dado o toque final, mas os morcegos que eu havia posto no teto ainda estavam lá e, de alguma forma, aquilo me deixou feliz.

Estar vestida de Supergirl realmente me deu muita confiança naquela noite. Ao ver a pista de dança, pude detectar varias pessoas também usando fantasias de super-herói, e acabei avistando a figura de Leonard se aproximando, seu cabelo verde e sua pele branca como uma folha de papel.

— Supergirl! O que faz por aqui, em Gotham? — ele disse, entusiasmado, enquanto fazia a voz do Coringa. Ouvi Jade rindo do meu lado e tive vontade de cavar um buraco e ficar nele até o fim dos tempos. Mesmo que não parecesse, Leonard era amante de quadrinhos.

— Seu.. Cabelo está verde! — foi tudo o que comentei.

— Mas é óbvio, eu sou o Coringa. Sem o cabelo verde, eu não seria o Coringa. E se você tivesse vindo de Harley Quinn poderíamos ter sido o casal mais icônico dessa festa....

— Leonard... Eu vou pegar uma bebida. Jade, quer alguma coisa?

Ela ainda estava segurando risada e negou com a cabeça.

— As coisas estão tensas aqui em Gotham. — Jade comentou.

— Eu vou com você. — Leonard disse, mais como uma afirmação.

Não, eu vou. Já volto.

Leonard, antes que eu pudesse me virar, me deu um beijo.

Sorri amarelo enquanto fiz meu caminho até a mesa de comidas e bebidas. Lisa havia organizado tudo com luzes e insetos de plástico espalhados pela mesa, e a bebida principal era vermelha e estava sendo servida num frasco gigante para aparentar sangue.

Havia uma pequena fila em frente à mesa e, como eu não queria lidar com Leonard no momento, acabei agradecendo internamente o tempo que perderia naquele lugar. A música estava alta e minha atenção acabou sendo voltada para a pessoa que estava na minha frente, fantasiada de palhaço.

Alguns minutos se passaram e eu ainda era a última da fila. Eu estava começando a pensar em voltar quando senti um par de braços me abraçando fortemente por trás. Imediatamente pensei que fosse Leonard, porém os braços estavam com luvas pretas grandes e estavam cobertos por um tecido cinza. Senti um rosto se pousando em meu ombro e lábios se aproximando do meu ouvido:

— Você está linda, Margaret!

Eu queria não ter reconhecido essa voz. Eu queria que a música estivesse mais alta, e queria que eu tivesse problemas auditivos para que aquela voz não tivesse me dado incríveis arrepios por todo o meu corpo. Aqueles braços que estavam me envolvendo como nunca haviam antes...

Aqueles braços eram de Philip, e naquele momento nós dois estávamos abraçados como se estivéssemos juntos desde sempre.

Uma parte grande de mim desejou ficar naquele lugar, esperando que por algum motivo ele não fosse perceber que a garota que ele estava abraçando era na verdade eu. Porém eu sabia que não podia deixar que isso acontecesse, por mais que fosse simplesmente certo. Leonard com certeza apareceria a qualquer momento, estragaria a festa inteira e provavelmente divulgaria as fotos de Jade e Luke.

Além disso, eu não podia deixar que meus sentimentos por Philip voltassem à tona. Eu sabia que estava voltando a sentir coisas por ele e meu corpo estava, com cada célula, tentando negar isso, especialmente após a nossa briga e após o tempo que passamos longe um do outro. Nem que ele gostasse de mim de volta — o que era impossível, visto que ele estava namorando —, nosso relacionamento seria uma rua sinuosa, e Leonard um dos gigantes obstáculos na estrada.

Por isso, acabei tirando seus braços de mim — uma ação que foi totalmente contra os meus instintos — e me virei para ele, mostrando meu rosto.

Quando ele me viu, sua boca formou um perfeito oval.

— D...Diana...

Eu não pude tolerar vê-lo, apesar de seu rosto estar sendo escondido por uma máscara de Batman. Eu queria que aquela noite fosse um escape de todos os problemas, mas pelo visto o destino nunca nem pensaria em me dar esse luxo. Senti lágrimas ameaçando cair dos meus olhos e, mais uma vez, a única coisa na qual eu pensei naquele momento foi fugir.

— Eu... — Philip continuou, mas eu o interrompi. Encarei seus olhos azuis e percebi que não aguentaria mais um segundo naquele lugar.

Então, conforme nosso primeiro encontro na faculdade, comecei a correr, correr sem que houvesse amanhã, sem ligar para o que estava deixando pra trás.