CAPÍTULO 50

AWAKE

Harry conseguiu caminhar até a porta do quarto antes de se ajoelhar, mordendo os lábios até desenhar sangue.

Aquilo não estava certo. Ele não deveria estar se sentindo assim. Harry era mais fraco e frágil do que Revan, mas não daquele tanto. Ele estava morrendo, ou já estava morto? Procurou nos bolsos pela varinha, encontrando apenas o colar que havia dado a Daphne (ele se perguntou se aquilo significava o fim do casamento), rasgou o fio do seu peito (o que provocou um grande BEEP) e rastejou até um criado mudo, cheio de flores e um número igual de leões e cobrinhas de pelúcia.

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Leões... Por que em nome de Merlin ele estava vendo leões de pelúcia? Ele não era um Gryffindor, não era um leão. Harry pegou a cobra mais próxima e leu o recado: Era uma mensagem automática, que cantava “Melhoras!” em dúzias de línguas diferentes. A outra cobra tinha um bilhete de Nott: “Eis um segredo do qual eu não sabia, Potter. Que amizade, a nossa.” Rosas brancas já perdiam as pétalas, formando a palavra “Greengrass”.

Ouvindo passos em sua direção, Harry caminhou de volta para a cama em um passo lento e doloroso, derrubando um vaso no processo (ele esperava que não fosse tão valioso quanto parecia) antes de ceder ao desejo do seu corpo sem nem mesmo perceber, deixando seus braços abertos para a inconsciência.

_

O medibruxo entrou no corredor onde Harry estava assim que a luz vermelha que sinalizava um paciente com situação crítica desapareceu. Ele suspirou, pensando em como dar a notícia de que o menino havia morrido como tantos outros antes dele para as famílias que esperavam na sala, fuzilando uns aos outros.

Mas a luz não era branca, mostrando que não havia magia no quarto. Estava em um amarelo alaranjado, indicando instável, ou em estado de observação. Jones checou a luz novamente, piscou, enxugou os óculos de fundo de garrafa antes de bater duas vezes na porta, entrando sem aviso.

O quarto estava uma catástrofe. O que tinham para monitorar o estado crítico de Revan Black, como o menino havia aparecido ali, estava espalhado pelo chão, arrancados à força pelo garoto. Um vaso ao lado do criado mudo, cobras de pelúcia espalhadas ao redor do mesmo com uma mensagem repetindo “Feel better!” e o próprio garoto, pálido como a morte.

“Aqui é Jones pedindo ajuda imediata no quarto 70” comandou ele com a voz trêmula, lançando um feitiço para checar os sinais vitais do agora Harry. Estáveis, mas lentos, 50 batimentos por minuto. Jones murmurou outro feitiço para que o coração trabalhasse mais rapidamente, checou a costela quebrada de Harry e tirou sua temperatura: 35 graus.

Enfermeiras vieram e foram, verificando tudo e soltando exclamações de como o menino era parecido com o pai. Mais flores chegaram, em tons mais alegres que ao invés de “melhore”, pareciam dizer “acorde e olhe para mim”.

Sem mais nada para fazer e sabendo que os outros pacientes estavam sendo bem atendidos, Jones sentou-se na poltrona do outro lado da sala e criou cenários imaginários. Harry Potter não só tinha sobrevivido como também já havia caminhado pelo quarto do hospital.

“Hmmm.”

Jones correu até o menino e esperou até que seus grandes olhos verdes se abrissem. Ele queria chacoalhar o menino e perguntar como, mas evitava tocar Harry como se ele fosse de vidro. Lá estavam os olhos. “Bom dia. Consegue falar?”

O menino testou sua boca, abrindo-a e fechando-a antes de pigarrear e perguntar com a voz seca: “Isso é bom o suficiente?”

“Excelente” garantiu o medibruxo. “Pode me dizer quantos dedos estão aqui?”

Harry encarou a mão aberta de Jones por um tempo e esfregou seus olhos. “Pode me dizer se você tem polidactilia?”

“Quantos dedos, senhor Potter?”

“Seis” murmurou Harry, fechando os olhos com força quando Jones fez com que a ponta da varinha brilhasse com luz. “Borrões.”

“Suas lentes estão ao lado” Jones informou, indicando o criado mudo. “E sim, eu tenho seis dedos em cada mão.”

O menino riu fracamente. “Por que não os removeu? Gosta de assustar os pacientes?”

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“A maioria das pessoas responde cinco dedos sem nem pensar. Sei que estão com uma percepção boa quando falam seis. Bom, na maioria das vezes. Algumas veem sete, ou oito dedos. Não é muito raro de acontecer.”

Estendendo a mão para o criado mudo, Harry pegou o par de lentes e as colocou nos olhos, piscando com a repentina qualidade de sua visão. Ele não enxergava tão bem assim já havia algum tempo. Desde que... Desde que Regulus morrera.

“Faz quanto tempo que estou dormindo, e por que estou usando fraldas?”

Jones piscou, processando a pergunta por um tempo antes de perceber que o menino estava mais embaraçado sobre a fralda do que sobre sua situação geral. “Você esteve dormindo por dois meses.”

Os olhos verdes de Harry se arregalaram. “Dois meses? Como só acordei agora?”

Jones colocou a mão com seis dedos no braço dele. “Com os sintomas que você estava apresentando, eu diria que é ótimo que você acordou agora. Acha que aguenta algumas visitas?”

“Jornalistas não” anunciou Harry imediatamente. “Quem quer me ver?”

O medibruxo foi até a porta e pegou uma prancheta com nomes de todos que queriam informações sobre Harry Potter. “A família Greengrass, a família Potter e meia dúzia de nomes com letra ilegível. Fugiram assim que viram James Potter.”

Harry riu. Técnica do avestruz. Eles ainda a aplicavam, mesmo depois de sua suposta morte. Ainda rindo, pediu para que os Greengrasses entrassem antes que tivesse sono... outra vez. “Vocês não têm algo para me manter acordado?”

“Neste momento o melhor é você descansar o máximo que puder, senhor Potter. Posso perguntar por que não quer ver sua família?”

“Eles não são minha família desde muito tempo atrás. Minha família está morta.”

“Regulus Black, eh?”

Harry sentiu sua garganta apertar e balançou a cabeça, tentando pensar em outra coisa que não seu pai morto. Já haviam se passado dois meses, afinal. Ele não deveria estar se sentindo tão devastado como estava. Dois meses para eles, pensou consigo mesmo. Alguns dias para mim.

“Mande as garotas Greengrass entrarem, se estiverem na sala de espera.”

No que pareceu um instante depois, duas meninas entraram pela porta, usando vestidos pretos de luto. Seus rostos se iluminaram quando viram que Harry estava bem, são e salvo no melhor hospital bruxo da Grã Bretanha.

“Revan!” chamou a mais nova, arrastando a poltrona para perto da cama. “Pensei que fosse perder o ano letivo! Já é Agosto, sabia?”

“Astoria, feche sua boca ou a fecharei para você” ordenou Daphne, seus cabelos loiros presos em um coque no topo da cabeça. “Ele acabou de acordar. Revan, como você está?”

Harry pediu um espelho, que lhe foi fornecido imediatamente depois de dois olhares mortais na direção de Jones, e soltou um assovio chocado quando viu quais eram suas condições físicas: “Definitivamente mais feio do que há dois meses atrás.”

“Não fale assim” Daphne repreendeu-o. “Você não é mais o menino glamoroso do quarto ano, mas ainda é um pouco... Fofo.”

“Ótimo” replicou o Outro Potter. “Sou fofo e uso fraldas. Tory, você vai me convidar para a festa do chá das suas bonecas?”

Astoria pareceu ficar ofendida com a questão. “Eu tenho treze anos, Revan. Treze. Não brinco de bonecas desde os dez.” Empinou o nariz e fez biquinho, como uma criança.

“É Harry agora” informou Harry, suspirando. Seria estranho começar a ser chamado por um nome novo que usou tanto tempo atrás. “Revan Black morreu.”

“Aham” tagarelou Astoria, em um tom não tão animado como o usual. “Duas ou três vezes. O médico nos deu as más notícias, você acordava, ele voltou, e continuou assim até que te colocaram em um coma induzido.” Ela mordeu o lábio inferior, e completou: “Harry é um nome tão sem graça. Prefiro Revan.”

Daphne revirou os olhos azuis tão conhecidos na família. Azul gelo. “Eu prefiro Revan também, mas vamos ter que nos contentar com Harry... Potter. Não passou pela cabeça me contar de onde veio a adoção, senhor Potter? Porque eu sou, tipo, sua esposa?”

“Não cruzou minha mente” brincou Harry. “Eu queria te contar, mas tinha toda essa coisa de ficar escondido para os Potters não me acharem, e você sabe, Revan Black era melhor que Harry Potter. Sempre foi.”

“Os dois são você, Re-Harry. Claro que perdeu todo o ar aristocrático que tinha antes, e aqueles cachos que eu amava apertar...”

“Whoa, esposa!” interrompeu o Outro Potter, levantando uma mão em sinal de pare. “Já estou no hospital. Vocês deveriam estar aqui para me fazer sentir melhor.”

Astoria começou a rir. “Merlin, parece que estão tendo uma crise dos vinte anos, e vocês nem tem vinte anos ainda” vendo os dois pares de olhos, um azul, outro verde, encarando-a com força suficiente para sentir a tensão no ar, ela deu de ombros. “Ok. Esqueçam que eu falei isso.”

Empurrando a irmã para o lado, Daphne reassumiu o comando: “Você está bem, Harry? Está sentindo dor, tontura ou qualquer outra coisa que possa ser importante para os médicos te ajudarem?”

“Dor” grunhiu ele, procurando o maldito botão que deveria acionar os médicos para maior aplicação de poções que lhe ajudassem com a dor. Encontrando-o, Harry pressionou o mesmo três vezes. Quando ninguém veio, apertou mais três.

Daphne colocou sua pequena mão na do noivo, impedindo-o: “Quando os pacientes estão em um estado como o seu, o botão não funciona, para evitar uma overdose de poções. Perguntei para Doutor Jones e ele disse que você já está na dose máxima. Mais do que isso, coisas ruins vão começar a acontecer.”

“Coisas ruins estão acontecendo, Daphne! Olhe ao seu redor! Meus machucados, o quarto do hospital, jornalistas e meus verdadeiros parentes do lado de fora!”

Ela não se abalou. “Confie em mim, se as coisas estão ruins, elas sempre podem ficar piores.”

“Pessimista!” cantou Astoria, do outro lado da sala, checando as flores e presentes. “Cara, você mal virou você e já é famoso! O ministro te mandou desejos de melhoras.” Ela deu tchau, saindo e deixando Harry sozinho com Daphne.

O silêncio que se seguiu nos próximos minutos era palpável. Daphne estava com a cabeça baixa; várias vezes o garoto teve vontade de comentar algo sobre sua situação, ou contar uma piada para quebrar o gelo, mas quando finalmente disse algo, era um simples: “Então você não está brava.”

A voz dele fez com que a cabeça de Daphne disparasse no ar. “Brava?” ela deu um risinho. “Ah, Harry, você não tem ideia de como estou brava. Se você não estivesse deitado nessa cama se recuperando de algo que podia ter te matado, eu iria te dar um tapa tão forte que a marca iria ficar por uma semana. E também iria te amaldiçoar para que tivesse que andar por aí com a marca da palma da minha mão no rosto... Cada vez que eu visse a marca, eu iria sorrir, satisfeita com o meu trabalho.”

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“Ufa” murmurou Harry. “Pelo menos o seu humor ainda é o mesmo.”

“Não. É. Humor” Daphne disse pausadamente, frisando cada palavra e terminando a frase com outro sorriso afetado que logo foi substituído por uma careta que demonstrava sua tentativa em conter as lágrimas. “Você tem noção do quanto estive preocupada? Consegue imaginar? Sentada no hospital e receber a notícia de que você estava morto não uma, não duas, mas TRÊS vezes?” um soluço finalmente lhe escapou. “Como pode não ter me contado, Harry?”

“Eu não podia...”

“Eu sou a sua NOIVA!” ela exclamou, arfando para recuperar o ar. Dizer que Harry estava surpreso era um eufemismo: Nunca em sua vida ele havia visto a loira levantar o tom, muito menos para ele. “Sabe o que um casal faz, Harry? Um casal fica junto não importa o quê.”

Ouviram passos do outro lado da porta, seguidos por batidas insistentes na porta.

“Devem ser os Potters” suspirou Daphne, cobrindo-o e ignorando o fato que fora seu grito a razão deles terem vindo tão depressa. “Os medibruxos estão com medo quanto ao que fazer. Um paciente pode recusar visitas, mas você é menor de idade e eles são seus pais.”

Harry balançou a cabeça, indicando que queria que eles entrassem, e voltou a apertar o botão de dor múltiplas vezes. Se era para encarar os pais, que ele estivesse dopado para tal ação. Dessa vez funcionou, e ele fechou os olhos, apreciando o momento onde a dor desaparecia, dando a impressão de que flutuava.

“Entrem.”

Lily foi a primeira a entrar, usando vestes brancas de mangas longas e o cabelo ruivo preso em uma trança. Ela mordia os lábios nervosamente, e seu olho bom voava para todos os lados do quarto, procurando por ameaças. Ele finalmente se fixou em Harry, que a encarava, impassível, e o morder dos lábios se tornou um sorriso tão nervoso quanto.

“Harry.”

“Lily.”

“Por favor. Você sabe que eu não gosto que meus filhos me chamem pelo nome.”

O menino reprimiu uma careta. “Prefere senhora Potter?”

“Prefiro mãe.”

“E eu prefiro que vocês saiam daqui, mas nenhuma dessas coisas vai acontecer. O que vai ser então, senhora Potter? Lily? Tudo bem. Parem de me olhar como se eu tivesse voltado dos mortos e se aproximem. Ela não morde.”

Daphne corou levemente, se afastando da cama e dando espaço para os pais de Harry. Avisou que estaria do lado de fora, se o menino precisasse de qualquer coisa, e se retirou em silêncio, apesar de Harry poder ouvir os sussurros dela e de Astoria do outro lado da porta no instante em que a mesma foi fechada.

Caminhando até ele, Lily pegou em sua mão, e Harry detestou como o toque era quente, acolhedor e simplesmente certo. “Você falou comigo” ela chorou, examinando cada centímetro da superfície da mão do filho. “Todos esses anos, e eu não sabia que era você.”

“Não chore” murmurou Harry contra sua vontade, dando tapinhas desconfortáveis nas costas da mãe até que os soluços pararem. “Eu não sou bom com essas coisas. Merda, acho que menino algum é bom com mulheres que choram.”

Atrás dos dois, James riu, concordando.

“Você tem que entender” Lily prosseguiu, apertando a mão de Harry com mais força. “Nós não tínhamos como ficar com você.”

“Mas vocês tinham como ficar com Nicholas?” perguntou o menino, incrédulo.

“Ele é o menino-que-sobreviveu” falou James como se isso explicasse tudo. Repensando suas palavras, ele completou: “Ele não teria como sobreviver sozinho. Ele sempre foi mais... menos esperto que você. Falou depois, andou depois, aprendeu a duelar, provavelmente depois. Sabíamos que você iria conseguir se virar.”

Harry assentiu lentamente, processando as informações. “Então vocês se desfizeram do filho mais inteligente. E se eu fosse o menino-que-sobreviveu, James? Teriam ficado comigo, ou com Nicholas do mesmo jeito?”

Foi Lily quem respondeu: “Teríamos ficado com os dois. Pense na nossa perspectiva, filho, tínhamos uma mente brilhante e o salvador do mundo mágico, juntos, sob o mesmo teto. Vocês sempre foram competitivos, e Nicholas precisava treinar. Ele é quem um dia vai derrotar o lorde das trevas, e ele não podia fazer isso enquanto seu irmão mais velho o ultrapassava em todos os ensinamentos, sem problema nenhum, mostrando quem... quem realmente deveria ter sido o escolhido.”

Aquilo tocou Harry profundamente, e foi com a voz rouca que comentou, ainda em tom seco, porque não estava disposto a ser gentil com os pais: “Não foi uma escolha, Lily. Maldições ricocheteiam. Foi uma pura questão de física pela posição dos espelhos do quarto que determinou quem recebeu a maldição da morte, não uma escolha. Voldemort não escolheu.”

Ele tinha, porém. Harry se lembrava muito bem quando o Lorde das Trevas mirou nele, querendo se desfazer do mais inteligente primeiro, aquele que não o temia. Ele apostava que era a mesma coisa que o mantinha vivo até o momento. Ainda assim… Harry sabia que não era, nem nunca seria, o perfeito representante da luz. As trevas eram o que ele era, o que representava. As asas negras de Eyphah como um prenúncio da morte, e sua máscara, colocada em uma face tão pequena, mas que trazia o mesmo significado...

Melhor daquele jeito, decidiu Harry, pensando em tudo o que se deu por causa de uma má interpretação do que havia acontecido. Sua testa, onde ficava a cicatriz de raio, queimava, e ele inconscientemente levantou a mão até o local.

Lily observou o ato. “Então você também a tem.”

“A marca da maldição da morte. Vestígios se espalharam pelo quarto, e um bebê daquela idade não podia ter feito nada para impedir. Nicholas também a tem?”

“No ombro” confirmou a ruiva. “Desde pequenininho.”

Que gracinha, pensou ele. Enquanto tentava pensar em outros adjetivos para a pequena cicatriz de raio que Nicholas tinha no ombro, James respirou fundo e sentou-se na poltrona ao lado, espremendo-se junto a Lily, para que pudessem ficar mais próximos. O suspiro, que exalava ‘eu não queria fazer isso’, atraiu a atenção do menino.

James esperou até que todas as atenções estivessem sobre ele: “Harry, Revan, como quer ser chamado? Podemos te chamar de Harry?”

“Pode me chamar de inútil. Aprendi a responder a todos os nomes no orfanato” ele sugeriu, dando de ombros. Satisfeito ao ver o olhar chocado dos pais, completou: “Ou Harry. Não sou mais Revan, não desde que... desde que Regulus morreu.”

“Sentimos tanto” falou Lily, como uma médica que informava aos parentes que o paciente não havia sobrevivido. Com alguma emoção na superfície, mas de alguma maneira fria. Ela não se importava, realmente. “Eu lembro como Revan era próximo de Regulus.”

Harry voltou a sentir sua garganta apertar, e se perguntou por quanto tempo teria que tolerar os pais no mesmo ambiente que ele. Merlin, ele deveria estar se recuperando, não recebendo mais stress, bem prejudicial, ele poderia acrescentar. “Ele foi o pai que eu nunca tive.”

Raiva apareceu em um flash nos olhos castanhos de James, desaparecendo e dando origem a uma expressão amena. Sua voz era suave como a de um domador de dragão, pronto para a fera atacar e melhor, atacar de volta: “Harry... Queremos que você vá para casa conosco.”

“Não é como se eu pudesse dizer não, é?”

“Você não é mais uma criança, filho, e se não quiser, pode pegar o dinheiro que Regulus te deixou e procurar o Ministério para uma emancipação, mas nós realmente gostaríamos que fosse para casa com a gente. Estamos tendo a chance de ser a família que não pudemos ser no passado.”

Semicerrando os olhos, Harry alertou: “Se vocês acham que podem comprar meus segredos com uma suíte máster na mansão dos Potter, estão muito enganados. Não há casa alguma no mundo que substitua dez anos de amor e carinho.”

O aperto em sua mão se tornou levemente incômodo. “Deixe de drama. Isso está no passado, e aliás, foi ideia do Dumbledore. Nós concordamos porque, querido, quando Dumbledore esteve errado?”

“Ele estava errado quando não fechou a escola com a morte de Weasley. Quando a Câmara Secreta foi aberta e Perks morreu. Quando supostamente colocou a pedra filosofal, artefato histórico, em Hogwarts. Quando sediou o torneio tribruxo. E isso foi só quando eu estava em Hogwarts! Preciso mencionar os professores que ele contratou?”

“Ok, ok” concedeu James. “Ele fez algumas más escolhas, mas Dumbledore queria o melhor para Nick.”

Nick, Nick, Nick... E o melhor para ele?

“Podemos vê-lo?” perguntou Harry abruptamente. “Nick. Ele está aqui, não está?”

“Sim, ele está se recuperando. Os melhores medibruxos do mundo estão aqui, tentando recriar um braço com a maior precisão possível. Estavam fazendo um bom trabalho, da última vez que checamos.”

“Tem certeza que quer vê-lo?” questionou a ruiva, franzindo a testa. “As condições dele não estão boas. Ele está magro e doente e, bom, sem um braço.”

Ele não se importava, afinal já vira coisas piores entre os comensais. Informou aos pais aquilo e lutou para se levantar. Quando trouxeram uma cadeira de rodas para a sala, Harry pensou que iria morrer de vergonha. Além de fraldas, cadeira de rodas.

“Hey” comentou, enquanto era empurrado por Lily pelos corredores. “Eu consigo caminhar até o banheiro. Podemos nos livrar das fraldas quando voltarmos para o quarto?”

Não recebeu resposta.

Os Potter estavam encarando uma parede de vidro. Do outro lado, Nicholas, definitivamente magro e doente e sem um braço. Ao redor dele, fitas métricas tiravam medidas exatas do braço esquerdo, e as medidas eram transferidas magicamente para um quadro, onde eram estudadas pelo equivalente mágico de um engenheiro.

Do quadro, informações voavam em aviões de papel até o outro lado da sala, e máquinas trabalhavam cooperando com a magia para criar dedos que, para Harry, eram humanos. As unhas, as linhas dos dedos, os nós, tudo criado com perfeição milimétrica.

“Quanto tempo ele vai ficar aí?”

“Já acordou, mas prefere dormir. Sabe como é, ele não gosta de encarar o toco. Só precisamos que o braço fique pronto, para fazerem uma cirurgia e fixarem a prótese no corpo. Se tudo ocorrer como esperado, será como se ele nunca tivesse perdido o braço.”

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“Quando isso vai acontecer?” Harry deu seu melhor para parecer preocupado.

Lily apertou seu ombro. “Logo, eu espero. Logo.”

_

Harry esperou em sua suíte máster por horas, medindo-as pela varinha e lua, enquanto examinava seus arredores. Ele sabia que não podia sair vagando pela casa, pegando as plantas e orquestrando para o Lorde das Trevas fazer uma invasão nota O, mas seus dedos coçavam para segurar a varinha e lançar uma maldição.

Era realmente viciante; o menino não estava surpreso que Bella havia enlouquecido na prisão. Pelo menos Harry esperava que ela tivesse enlouquecido na prisão, e não antes. A falta de prática de magia negra sempre resultava na loucura. Como uma droga, a melhor droga do mundo.

Abrindo a janela, Harry suspirou, sentindo o ar quente e úmido de Agosto contra sua pele. Dava-lhe a sensação de liberdade, fazendo o Outro Potter imaginar como seria bom correr descalço, perseguindo Regulus para tentar pegá-lo e subjugá-lo como faziam quando estavam treinando cenas de perseguição, onde valia tudo, menos a morte.

O pega-pega modificado deles, auror e comensal, era utilizado por todas as crianças que desejavam ocupar as fileiras de um dos dois grupos, ou para pegar, ou ser pego. Fugiam por arenas, a maioria delas florestas ou ruínas, e quando era “pego”, virava o perseguidor. Crianças costumavam brincar disso por quinze, vinte minutos. Revan e Regulus faziam um treinamento intensificado de no mínimo uma hora.

Sem pensar duas vezes, Harry pulou, pousando suavemente no chão. Lembrou-se de quando fez a mesma coisa enquanto carregava Nicholas, no terceiro ano, para sua tortura com Pettigrew, e um sorriso se abriu em seus lábios. Aquela data havia sido particularmente prazerosa para ele. A adrenalina da batalha, o método, os comensais, brincando de cartas no chão da floresta...

Bons tempos.

Harry correu.

Quando se deparou com uma barreira invisível que demarcava o fim da propriedade, bateu os braços contra ela, sentindo lágrimas quentes marcarem seu rosto. Ele estava sendo mantido prisioneiro, sim. Mesmo criancinhas podiam sair de casa às vezes. Harry já tinha, legalmente em seu novo corpo, quinze anos. Quinze. Não mais uma criança.

O Outro Potter segurou o pendente, presente do Lorde das Trevas em seu primeiro ano de Hogwarts, e se perguntou se funcionaria ali. Não, não podia arriscar. Se de qualquer maneira sua magia fosse ligada à velha mansão dos Black, o que restava de sua antiga vida estaria destruído.

“Accio vassoura” murmurou, esperando até que a vassoura mais próxima chegasse até ele. Alguns momentos depois, quando tal coisa aconteceu, montou, notando como seu novo corpo parecia se ajustar ao formato da vassoura. Não era a toa que James Potter voava com tamanha maestria. Era como se seu corpo tivesse sido moldado para o assento.

Voou quase verticalmente para o alto, torcendo que a barreira tivesse um limite de altura. Quando percebeu que a vassoura simplesmente não podia subir mais, sem que sua visão terrível fosse prejudicada (ele precisava comprar lentes novas, urgentemente), inclinou a vassoura para baixo até realizar um ângulo de 45°. A vassoura passou pela barreira como se não houvesse nada já, e Harry suspirou, aliviado.

Ele estava livre.

Mas se estava livre, por que se sentia tão preso, tão fora de si? Era porque ele simplesmente não era mais... ele? Porque agora ocupava uma carcaça que abandonara aos sete anos? Um grito saiu das profundezas de seu peito antes de Harry aterrissar suavemente na cidade trouxa mais próxima da mansão. As ordens em sua mente, dadas certamente pela abstinência de maldições, estavam ficando difíceis de controlar. Ele precisava usar magia, e precisava usar agora.

O primeiro parque que encontrou era na verdade uma reserva, o que servia para seus planos da mesma maneira. Levantou a varinha, lançando a maldição da morte para o alto. Como fogos de artifício, ela se espalhou após atingir certa altura, iluminando o céu escuro.

E Harry começou a chorar. Soluços dolorosos rompiam de sua garganta enquanto o menino se curvava em posição fetal e se movia para frente e para trás em um movimento contínuo. O que estrava acontecendo com ele?

“Eu quero voltar” chorou ele para ninguém em particular. “Eu quero voltar.”