Fico de boca aberta quando a Briana profere tais palavras, não porque se estivesse aqui outra pessoa poderiam levar isso como a insinuação de que eu o estou ajudar, mas porque ela acertou em cheio e não precisou de pistas nenhumas.

Encolho-me um pouco e baixo a cabeça sem nunca olhar para a Briana. Sinto que aquilo que acabei de fazer, esconder-lhe informações, é algo imperdoável ainda mais quando somos amigas e, em breve, parabatais. Por isso é que me é difícil de a encarar, porque temo o modo com que ela está a reagir.

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- Lou, não precisas de ficar assim. – Diz ela talvez procurando acalmar o sentimento de culpa que me preenche. – Podias ter-me contado. Ou não confias em mim?

- Não é isso. Não…Não é nada disso! – Replico. – Briana, a minha conversa com o Valentine colocou-me com muitas dúvidas e isso é o que ele quer. Colocar-nos confusos além que também quer que estejamos separados, entendes?

Os meus punhos cerram-se de raiva. Os objetivos do Valentine parecem estar a concretizarem-se tal e qual como ele queria. Talvez ele até tenha razão, nós somos só um bando de adolescentes que desconhece o modo como ele age ou o caminho que ele desbrava para concretizar os seus planos e isso é o que nos levará à derrota. Como aconteceu á 16 anos atrás em Idris quando ocorreu a Insurreição. A Clave, mesmo tendo recebido avisos quanto ao Valentine e à sua ideia suicida de exterminar todos os demónios e habitantes do Mundo-à-Parte, só decidiu acreditar á última hora e unicamente porque os habitantes do Mundo-à-Parte se encontravam prevenidos para o ataque que viria a seguir-se.

- Eu entendo isso. – Confessa a Briana. – Eu entendo a estratégia dele. As dúvidas são o que nos faz termos desconfiança e isso era o que ele pretendia, certo? Dar-te informações para te colocar confusa e depois fazer com que desconfiássemos de ti. Mas não entendo porque te feriu.

- Passei dos limites. – Desabafo. – Mas não iria resultar em nada se eu não te contasse tudo desde do início.

Ela acena afirmativamente com a cabeça enquanto coloca uma postura mais séria e que procura demonstrar o interesse dela neste assunto.

- Depois que eu desmaiei no metro, eu apareci num outro lugar, num quarto de um edifico na ilha de Rosevelt. Nesse quarto encontrei a Jocelyn e…

- Espera aí! – Interrompe a Briana enquanto gesticula com as mãos. – Encontraste a Jocelyn? A mãe da Clary na ilha de Rosevelt?

- Sim mas ela não está sozinha. – Continuo. – O Valentine mantem-na lá. Ela parece estar sobre o efeito de um feitiço porque dá a impressão de estar em coma. Eu não percebi porque o Valentine também não comentou sobre isso mas acho que foi ela própria que se deve ter induzido nesse estado para que ele não descobrisse nada sobre a Clary ou sobre a Taça.

A Briana acena com a cabeça novamente, mostrando que entende, até de um momento para o outro franze o cenho e levanta uma das sobrancelhas, provavelmente porque deve ter chegado á parte em que não percebe porque a Clary esta no meio do assunto.

- O que a Clary têm a ver com esse assunto? E porque quereria a Jocelyn esconde-la?

- Hum…O Valentine disse… - Busco por maneira leve de dizer que a Clary provavelmente é filha do Valentine mas não consigo encontrar palavras para isso a não ser as que ouvi da boca do Valentine. – “A Clary, ela herdou um pouco da tua personalidade e aparência mas também possui o meu sangue nas veias e é isso que a atrai em busca da Taça” portanto acho que isso explica tudo.

- O quê!? – A Wayland grita tão alto que eu me encolho um pouco por o som me ferir os ouvidos.

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A Briana encontra-se agora em pé com os músculos rígidos, os punhos cerrados ao lado do corpo, e os olhos a tornarem-se laranjas cobre que lançam faíscas em todas as direções. Dizer que foi uma má ideia contar-lhe sobre a Clary e o parentesco dela é pouco para descrever o que é. Agora é que a Briana a vai repudiar com todas as forças, qualquer hipótese de estas se poderem dar bem acabaram de ir por água abaixo. E sei que se não acalmar a Briana, as coisas vão piorar muito mais.

- Bri, calma, por favor. – Falo eu, num tom baixo e suave. – Eu não quero que mais ninguém saiba disto.

- Como!? Essa ruiva é filha desse filho da puta e anda com o meu irmão como se nada fosse! Para além que desde que ela chegou só temos tido problemas, discussões e mais problemas! – Exclama, enquanto caminha na direção de uma parede e lhe dá um soco que quase faz um buraco no cimento. – Se eu já tinha dificuldades em suportá-la então agora é que nem a ver à frente vou conseguir!

Não sei como a posso acalmar pois ela está a começar a descontrolar-se e quando a raiva sobe de nível com ela, só uma pessoa a consegue acalmar e ela não está aqui para tal além que mesmo que estivesse, seria uma má ideia pedir-lhe ajuda pois isso só a iria colocar no meio do assunto, algo que não desejo ao Jace.

- Briana, eu ainda não acabei e se continuares assim não digo mais nada. – Digo, esperando que o meu ultimato faça efeito e ajude a que ela perceba que não pode fazer uma tempestade num copo de água.

Ela respira fundo e parece contar até dez até se voltar a sentar desconfortavelmente na poltrona á minha frente. As mãos delas ainda estão a tremer mas ela consegue manter-se calma ao ponto de não partir nada quando se senta.

- Isto é só uma hipótese mas suponho que o Valentine tem um espião entre nós. – Afirmo.

- A Clary, queres tu dizer. – Atira a Briana sem qualquer filtro que a impeça. – Afinal, ela é filha dele.

Abano a cabeça negativamente. Ela chegou á primeira conclusão que eu mas ainda não sabe todos os elementos da história até agora.

- Não pode ser a Clary. – Explico. – Pensa bem, a Clary anda atrás da Taça e á procura da mãe além que eu nunca lhe contei acerca do meu dom.

- Mas as únicas pessoas a quem contaste foram: eu, o Jace, o Alec e a Izzy. – Diz ela, enumerando os nomes com os dedos das mãos. – Estou enganada?

- Não. – Confesso-lhe.

Ela não está enganada. Mas eu também não consigo descobrir como ele sabe do meu dom…

Não tenho quaisquer pistas acerca de quem possa ser o espião entre nós e não posso contar com mais ninguém para além da Briana, já que se eu espalhar muito o assunto, não só o Valentine e o espião ficarão mais alerta como a Clary pode provocar algum disparate desnecessário. Afinal, descobrir que se partilha o mesmo sangue que aquele monstro humano não é algo que alguém se deva orgulhar, a não ser que se seja igual a ele.

Olho para exterior, onde a noite se encontra coberta por tal escuridão que nem se encontram estrelas no céu. Se eu fosse o Valentine e quisesse vencer uma batalha mas tivesse que ser discreto para que os meus inimigos não se aperceberem da minha estratégia, a quem procuraria benefícios?

O som de alguém a bater á porta do meu quarto, sobressalta-me tanto a mim como á Briana.

- Lauren, posso entrar? – Do outro lado da porta, ouço a voz rouca do nosso mentor.

Foco o olhar na Briana que apenas encolhe os ombros. Honestamente, não me está a apetecer falar com o Hodge agora. Primeiro, por causa destas questões todas que afetam a minha confiança naqueles ao meu redor e segundo, porque o meu corpo se encontra exausto pois, provavelmente, ainda precisa de repouso para recuperar completamente.

No entanto, acabo por acenar á Briana que abra a porta para ele. Afinal, ignora-lo poderá causar perguntas no ar que, sem sombra de dúvida, prefiro evitar a todo o custo.

Assim que ele entra, os seus olhos caem sobre a expressão neutra da Briana e depois desviam-se para a minha cama, onde me encontro sentada. Algo me parece estranho nele. Parece ansioso e preocupado mas não consigo justificar os motivos que o poderiam colocar com tamanhas reações.

- Eu esperava encontrar-te sozinha a descansar. – Confessa ele, desviando o olhar para a Briana que permanece sossegada no seu lugar. – Mas enganei-me. Briana, dás-nos licença?

- Lamento, caro Hodge mas o que quer que queiras falar com a Lauren – Replica ela sem perder as estribeiras, e agradeço-lhe isso mentalmente pois não quero mais discussões hoje nem sequer vê-las. – Vais ter que falar comigo aqui.

O olhar do Hodge torna-se mais frio mas as mãos dele ainda tremem de ansiedade. As questões sobre qual o motivo de isso tudo estar a acontecer com ele continuam a acumular-se no interior da minha mente e cada vez mais, temo pelo que possa ser.

Um mau pressentimento parece perseguir todas essas perguntas e a minha desconfiança acerca do Starkweather continua a crescer, depois de apenas alguns dias terem passado ao fazermos tréguas. Será que ele tem algo a ver com o Valentine e o seu espião no Instituto? A minha clarividência continua confusa, para além de que quando a tento usar para adivinhar o que se está a passar com o nosso tutor, a única coisa que aparece são sombras diluídas atrás de outras sombras.

- Este assunto é privado. E eu estou-te a pedir apenas uns minutos com a Lauren. – Diz o Hodge ameaçando perder a postura calma e serena.

A Briana cruza os braços e não sai do mesmo sitio. Das duas uma: ou ela está realmente preocupada comigo ou então o seu instinto de detetar uma ameaça, declarou o Hodge como um inimigo discreto o qual se pode tornar mais perigoso do que o que a aparência demonstra.

No entanto, e embora eu até nem fique resignada com a atitude dela, decido que não me posso esconder atrás de outras pessoas. Se devo enfrentar alguém, então não posso recuar e deixar o trabalho para os outros quando eu mesma tenho essa responsabilidade.

- Tem calma, Bri. – Digo, procurando que ela permaneça sossegada. – Que assunto é esse Hodge? Tem a ver comigo?

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- Sim. Tem. É por causa dessa ferida. – Ela aponta para o meu ombro e eu fixo as ligaduras, lembrando-me do que se esconde por baixo delas. – Só que eu não sei se queres que a Briana ouça isto e…

- Não digas mais nada. Hodge. – A voz da Wayland saí de forma espontânea e mostra um pouco de desdém que só reconheço de quando ela sabe que estão a tentar procurar problemas, ou a arranjá-los, com ela e comigo. – O que vais dizer deve algo como: “Eu sei onde fizeste essa ferida. Estiveste com quem não devias e por causa disso e da tua irresponsabilidade, podias ter morrido.” Agora a pessoa com quem ela esteve. Hum…acho que sabes com quem foi?

- Sabe? – Pergunto atónita.

O Hodge também fica surpreendido mas não como se estivesse a dizer que a Briana é louca, é mais como se tivesse sido apanhado em flagrante no meio desta história. Os punhos dele cerram-se e a linha dos lábios dele torna-se uma linha reta firme. Só então reparo que o Hugo está encavalitado no ombro dele e olha ameaçadoramente para a Briana, quase como um animal de caça á espera que o dono dê o seu sinal para atacar. Mas, do outro lado, a Briana sorri, como se a estratégia dela de desfiar alguma revelação esteja a dar resultado.

Ninguém responde á minha pergunta. Nem a minha melhor amiga nem o nosso mentor, e isso coloca-me um pouco irritada. Não aguento mais o silêncio, que se encontra agora preso no meu quarto, e quebro-o.

- Se era só isso que vinhas dizer, Hodge, então acho que já posso voltar ao meu “repouso absoluto” a que me tinhas aconselhado.

- Sim, podes. – Diz ele, com a voz a sair-lhe de um modo tão rude que parece que ele as está a cuspir na direção da Briana, enquanto gira com os calcanhares para a seguir caminhar para a porta do meu comodo. – Mais uma coisa, a tua clarividência irá ficar baralhada e confusa pelo menos durante cerca de vinte e quatro horas, por isso aconselho-te a não a utilizares.

Ele sai do meu quarto e fecha a porta com força. Parece que ainda sinto o olhar penetrante do Hugo, empoleirado sobre o ombro direito do Hodge, a observar tanto a Briana quanto eu e um arrepio sobe-me pelas costas.

Tento colocar-me confortável na cama, enquanto me deito por baixo dos lençóis e cobertores. A Briana volta a sentar-se na poltrona ao lado da minha cama mas algo está diferente nela, algo que faz com que eu não reconheça a rapariga que nem á dois minutos estava a fazer frente a um homem com mais do dobro da nossa idade. A pele da face dela está mais pálida e parece que o olhar dela está fixo em tudo menos no agora. Tem-nos em abertos e surpreendidos e a pupila está dilatada, como se estivesse em choque.

- Bri? – Chamo-a mas ela não me responde.

Permanece no mesmo modo em que estava mas então a boca dela começa a mexer-se, como se ela estivesse a tentar encontrar palavras para conseguir falar mas a sua mente estivesse tão vazia, ou sobrecarregada, que ela não consegue descobrir modo de o fazer.

Logo de seguida ela abana a cabeça e olha na minha direção. Os olhos que antes pareciam estar em choque, demonstram agora uma segurança e determinação que quase penso que estamos no meio de uma das nossas batalhas contra demônios. Para ela estar tão séria, então algo de bom não está a passar aqui.

- Lou, não ouviste o que o Hodge te disse? – Aceno que sim com a cabeça mas parece não ser o suficiente para que a Briana volte ao seu “eu” normal, já que em vez de o fazer, ela fica mais chateada. – E tu não dizes nada!

— O que tu queres que eu diga? – Replico, ficando sem paciência para os enigmas dela por detrás das suas palavras. – Ele apenas me deu um conselho em relação á…

- “Á…” pois! Já lá chegaste? – E cheguei, penso, já consegui perceber tudo.

O Hodge conhece a minha habilidade de clarividência, embora eu nunca tenha comentado nada acerca dela á frente dele. O meu segredo sempre pareceu bem contido entre o meu grupo restrito de amigos. Nem sequer contei á Clary no período de tempo que ela tem estado connosco mas, se o Hodge sabe então…é provável…

.- O Hodge pode ser o espião. – Murmuro.

Não é que me custe a acreditar em tal coisa. Aliás, ao meu parecer, até faz bem sentido que algo assim seja. Relembro-me do meu sonho na noite em que o Jace, o Alec e a Izzy foram caçar um demónio á discoteca Pandemónio e eu tive o pesadelo em que me recordava do dia da morte dos meus pais. O alívio misturado com o ressentimento e culpa que se encontravam misturados no suspiro do Hodge quando desligou a chamada vinda de Idris que anunciava o óbito dos meus pais. Agora, tudo parece fazer sentido.

- Briana, não podemos contar isto a ninguém. – Peço. – Se o fizermos, iremos causar um tumulto ainda maior e o Valentine pode aproveitar se disso.

- Mas também não podemos aguardar até à última gota. – Replica ela com a raiva a transparecer-lhe na voz. – Ainda nos lixamos todos. Para não falar que se algum dos rapazes descobrir…

- Descobrir o quê? – Uma voz rouca e grave fala na direção da porta do meu quarto.

Pela postura e pelo cabelo, apercebemo-nos que é o Alec e que a Izzy se encontra ao lado dele, muito calada e com uma aparência sombria.

Acho que passa a mesma ideia pela minha cabeça e pela da Briana também: em que buraco me posso enfiar?

Não quero mentir ao Alec nem á Izzy, na verdade, detesto quando tenho de o fazer, mas se lhes contarmos alguma coisa agora, poderemos piorar a situação e quem sabe se eles não ficarão tão desconfiados e confusos quanto eu quando falei com o Valentine.

- Nada que vos diga respeito. – Diz a Briana com um tom trocista na voz. – Coisas minhas e da Lauren que vocês não têm o direito de saber ainda.

A loira pisca-me o olho e eu sorrio-lhe em resposta. Ela sempre me safa quando se trata de mentiras, embora eu não goste nada quando ela o faz mas sei que ela é incapaz de me esconder algo logo não vejo grandes problemas. Ainda mais quando se trata de um assunto sensível como este, prefiro que ela encubra do que diga a verdade e seja a responsável pelo começo de problemas.

- Vocês as suas são como unha e carne. – Diz a Izzy.

O sorriso dela está mais fraco que o usual e parece um pouco cansada, embora permaneça com a sua postura de rainha da sedução. O Alec, por outro lado, está sério ao lado da irmã e sinto algo como uma certa ansiedade vinda dele, do modo como ele fecha e abre os punhos e também como parece descontrair os ombros a cada cinco minutos.

E parece que não sou só eu que também reparei nisso da parte dele. A Bri também parece estar curiosa acerca do que se está a passar com ele quase julgo vê-la indecisa, como uma mundana a perguntar-se a si mesma se deve falar como rapaz de quem gosta.

Por fim ela parece recupera a segurança tão característica dela e arrisca dizer algo para quebrar o gelo que se tinham começado a acumular no clima do meu quarto.

- Alec, passa-se alguma coisa? – Pergunta, calmamente. – Desde que voltamos da discoteca que estás assim?

- Tenho o pressentimento que o Jace não anda a fazer coisa boa. – Replica ele, enquanto volta a cerrar os punhos num gesto de espairecer frustração. – Se bem que, com aquela ruiva, quem é não tem problemas.

Penso no que o Alec acabou de dizer. Ele não errou por pouco mas na verdade, o Jace, só por si, já é problemático o suficiente para arranjar sarilhos ele mesmo. A Clary é apenas uma faísca para acender o gás que o Jace é e talvez seja por isso que ambos combinam tão bem.

Repreendo-me mentalmente por pensar nisso, ainda mais com o Alec e a Briana aqui ao lado. Se eles me ouvissem, muito provavelmente, estas seriam as minhas últimas palavras.

— Não querendo ser brusca ou mudar de assunto mas que horas são? Já agora. – Pergunto, não só para desviar um pouco o assunto, mas para saber quanto tempo de sono eu ainda poderei desfrutar.

— Cerca de cinco horas e meia da manhã. – Responde a Izzy num tom tão neutro que me parece anormal quando ela solta um bocejo logo a seguir. – Parece que o teu repouso resume-se a ficar sentada na cama, sem fazer esforços.

Ela e a Bri riem-se um pouco enquanto eu faço beicinho para elas, pois não gosto quando elas brincam com essas coisas. Por isso, e para me vingar de elas se estarem a rir às minhas custas, agarro numa das almofadas com o braço saudável e atiro-a a cara da Briana. A Izzy coloca-se atrás do irmão, que solta um gemido de indignação, enquanto todos se riem da cara da Bri, e eu não sou exceção.

- Queres uma luta comigo, é? – Replica ela, com um sorriso torto nos lábios e um brilho esplendido nos olhos.

— Querer até quero mas… - Aponto para o meu ombro embrulhado em ligaduras. – Mas as condições impossibilitam-me de concretizar o meu desejo e o teu.

Explodimos numa onda de riso que, rapidamente, faz com que eu me sinta completa e á vontade. Estas pessoas seriam incapazes de me trair, acontecesse o que acontecesse e já nem sei como pude duvidar dos meus próprios irmãos, como pude duvidar das pessoas que sempre estão ao meu lado quando eu mais preciso ou quando nos encontramos em batalha.

Sinto-me um pouco culpada por lhes esconder parte da verdade e dos segredos que agora me atormentam no interior mas sei que se eu revelasse que o Valentine nos considera um bando de adolescentes desorganizados e que ele está a planear usar-nos para chegar até à Taça, poderia ser o suficiente para que ficássemos divididos entre avisar a Clava para o perigo iminente ou então enfrentarmos o Valentine com a Taça em nosso poder.

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E depois vem a questão da Clary e do Valentine, sem falar da Jocelyn. Se eu contar algo acerca disso, nem preciso de contar os segundos que vão demorar para o Alec avisar a Clave e expulsar a Clary do Instituto para não falar que ainda a poderia entregar ao Inquisidor para que ela fosse castigada por causa do pai.

— Bem, vamos deixar a princesa descansar. – Diz o Alec, parecendo mesmo a Briana que eu até olho para ela depois de ele terminar de falar pensando que é ela, e vendo-a a sorrir-lhe de orelha a orelha. – Amanha é um novo dia.

— Que bom! Um novo dia de trabalho. – Resmungo, num tom tão sarcástico que nem me reconheço.

A Briana volta a rir assim como o resto do grupo mas acabam por se levantarem e andarem em direção á porta. Ambos, os irmãos Lightwood, se despedem de mim á distância mas a Wayland para ao chegar á porta e recua até ficar frente a frente comigo.

— Eu não vou-lhes contar nada, prometo. – Ela estende-me o mindinho da mão direita e eu agarro-lho com o meu. – Promessa sagrada.

— Promessa sagrada. – Ela sai do meu quarto calmamente e eu suspiro.

A minha cabeça parece estar em água nesta confusão toda. Há dois dias, eu era uma Caçadora das Sombras comum, talvez uma das melhoras, com uma habilidade de clarividência apurada que lhe transmitia informações em antemão, que vivia num Instituto, numa família adotiva, com duas irmãs e três irmão, que detestava o mentor por julgar que este era o responsável pela morte dos pais, o que pode até ser verdade, e que ia a uma secundária dos mundanos para interagir com eles. Ah, e que tinha uma paixão não reciproca por um vampiro. E agora, tudo parece ter sido virado do avesso.

Descobri-mos que nas sombras da nossa própria casa se encontra um espião a ajudar um homem que pretende destruir do mundo, qualquer vestígio de resíduo demoníaco mas ele mesmo é um monstro, e que a única maneira de o conseguir parar é encontrando uma Taça importantíssima para nós, capaz de criar caçadores apenas bebendo o sangue que nela cai, mas que também pode ser perigosa nas mão de alguém como o Valentine, que a irá usar para o mal caso consiga colocar as mãos nela.

Que vida mais ativa eu tenho.

Sei que talvez não seja a única que se deve estar a aperceber destas mudanças todas que andam a ocorrer á nossa volta, desde que o véu foi levantado, e que também não devo ser a única a estar a reagir a isso. Parece que a cada dia que passa, crescemos mais e transformamo-nos em algo mais adulto, mais sério, algo que não teme o que vai para vir e que tem plena consciência do dever em que consiste a missão da nossa vida.

A nossa vida deve ser entregue de corpo e alma em libertar o mundo dos demónios, que corrompem e destroem tudo aquilo em que lhes é permitido tocar, mas ás vezes, gostaria de ser uma mundana como levava a vida quando em criança, em que não temia pela minha própria vida e a daqueles que amo. Mesmo podendo estar desprotegida, crescia ao meu ritmo e sem medo de que uma decisão imprudente pudesse trazer problemas, senão mesmo o fim.

Mas isso mudou. Claro que tinha de mudar, e claro que eu tinha que ficar com a memória dele gravada na minha memória. “Ele” de quem eu, talvez, nunca venha a conseguir apagar da minha mente por ter tido uma ligação tão forte com ele, uma ligação que foi rapidamente quebrada quando descobri quem eu realmente era e o dever que tinha para cumprir mas que, mesmo com a distância e o esquecimento, continua a fazer-se presente no meu dia-à-dia.

— Se ao menos eu te pudesse esquecer. – Penso em voz alta. – Talvez fosse o suficiente para eu olhar em frente e me esquecer do passado…

Amar um mundano…Agora entendo um pouco como o Jace se sentiu quando conheceu a Clary: indecisão, ansiedade, desejo de apagar da mente dele mas, por outro lado, de a continuar a ver repetidamente.

— Mas o que estou para aqui a pensar! – Exclamo esfregando o cabelo com as unhas. – Eu estou com o Raphael. O Raphael, o vampiro sexy por quem eu fiquei apanhada quando o vi pela primeira vez e que está, finalmente, a namorar comigo.

Deixo cair os braços. Por que é quer ser uma adolescente tem de ser tão difícil. Se não fossem os meus amigos, nem sem onde estaria agora.

Afasto um pouco os lençóis e o cobertor para conseguir colocar-me confortavelmente debaixo deste. O quente da cama faz-me ficar sonolenta mas ainda demora até que eu comece a ter dificuldade em manter a pálpebras abertas.

Na minha mente, os pensamentos encontram-se em um rodopio confuso, como numa montanha russa, e nem me dou ao trabalho de os tentar organizar, pois não me encontro com paciência para tal. Em vez disso, permito que ele sigam livremente dentro do interior da minha cabeça, quem sabe assim eu possa sentir-me mais descontraída. Mas é isso que, na realidade e infelizmente, me traz sonhos.

Encontro-me num corredor escuro. As cores á minha volta são uma mistura de cinzento e negro. Não consigo distinguir nada á minha volta para além de sombras e mais sobras a dissolverem-se ao meu redor. Apercebo-me pela forma destas que parecem pessoas mas mesmo assim, não consigo distinguir quaisquer traços que me permitem distingui-las.

É então que vejo, num momento todas as sombras se encontram sossegadamente calmas e, no outro logo a seguir, aparecem outras. São duas e parecem ser homens, talvez pela altura ou então por causa do comprimento dos ombros.

— Ajuda os outros. – Consigo reconhecer a voz em qualquer canto do mundo. – Eu trato do Valentine.

A primeira sombra salta para o chão e só então consigo entender que, onde quer que me encontre neste preciso momento, não é um agora muito menos um lugar qualquer.

As sombras que se encontram á minha frente afastam-se e deixam a outra passar. Quando a sombra do Jace passa por mim, solto um suspiro arfante por ele ter passado mesmo pode mim, e não no sentido literal da palavra. Ele caminha para o exterior e então ouço gritos do lado de fora e uma confusão de negro acontece. Há várias sobras humanas a defrontarem-se umas às outras mas depois existem também outras, muito maiores ou de formas estranhas, a circundarem o campo de batalha.

Vejo muitos humanos a caírem ao chão, provavelmente sem vida, no entanto, não consigo sequer mover-me para impedir o que quer que seja, além que mesmo que o conseguisse fazer, nem mesmo sei qual é o lado bom ou mau.

Duas das sombras atraem me continuamente. Duas raparigas, com a mesma estatura feroz mas cuidadosa que se encontram a lutar contra algo parecido com um demónio. Elas parecem uma só a lutarem e não me transmitem qualquer sensação de medo, apenas de irmandade.

— Briana, vamos acabar com esta porcaria de uma vez por todas. – A minha voz é me irreconhecível, pois parece que passei de adolescente para adulta.

— Entendido, Lou. – O tom trocista da Bri continua o mesmo de sempre, mas se eu o repetir continuamente na minha cabeça, parece mais maturo e também cansado. – Hum, Jordan, às três horas!

Só o nome já é o suficiente para colocar-me o coração aos pulos de um modo incontrolável. Olho na mesma direção da sombra da Briana e vejo um rapaz a lutar contra um homem e um demónio de nível um pouco mais fraco. Os movimentos dele são firmes e precisos e não é só isso que me surpreende. O que mais me faz ficar a observa-lo é o modo como ele se concentra na batalha á sua frente, destemido e concentrado.

O demónio tenta acertá-lo de lado mas ele consegue desviar-se a tempo, graças ao aviso da Briana, mas mesmo assim, acaba por ficar desprevenido e o homem com quem lutava transfere-lhe um pontapé que o faz recuar três metros até ele bater contra uma trave na vertical, que se encontra pregada ao chão.

— Jordan! – O meu grito soa tão agudo que parece agulhas no meu peito.

E então fecho os olhos com força, ao mesmo tempo que tapo os ouvidos com ambas as mãos para não ouvir nada ao meu redor. O tempo passa e quando dou por mim, sinto uma explosão, mesmo por debaixo dos meus pés, a qual me faz estremecer o corpo como se este fosse algum junco a ser forçado a ir e vir com a brisa do vento.

Algo liquido e frio alcança-me os pés e percebo que é agua. Esta continua a subir, quando me alcança os tornozelos, já á sombras a sair do local onde antes lutavam, deixando os inimigos e os cadáveres para trás, com raras exclusões. Os demónios também parecem estarem confusos com o que se está a passar e alguns chegam mesmo a atacar-se uns aos outros no meio da confusão.

Eu por outro lado, continuo incapacitada de me mover e permaneço em pés, sentido o nível da água a aumentar até alcançar a minha boca e eu já não conseguir respirar mais. Os meus pulmões queimam-me de uma maneira intensa e, cada vez mais, sinto mais dificuldade em me manter acordada. O meu corpo começa a ficar dormente e já nem sequer me esforço para conseguir respirar ou para buscar oxigénio para os meus pulmões, apenas deixo que a água me acalme, fazendo-me caricias e deixando-me tão sonolenta que quando vejo uma luz clara a aparecer-me á frente, não faço qualquer movimento para a alcançar, deixando-me por fim, sozinha no meio do silêncio e da solidão.

O som ribombante da porta de entrada a bater soa de maneira tão sonora que dou um salto da cama, com tamanho susto que levo. O sol já nasceu e eu nem sequer me apercebi disso, talvez por o meu cansaço de ontem á noite em conjunto com o meu pesadelo super estranho tenham feito com que eu nem sequer fosse capaz de acordar.

O meu ombro já não me dói como na noite passada mas mesmo assim, encontra-se dormente e não possuo a mesma força do costume no braço esquerdo graças a isso. No entanto, não posso resmungar muito pois se o Hodge não tivesse tomado medidas rápidas para que o veneno não se alastra-se, eu poderia estar agora bem pior, se é que também não poderia ter um braço.

Ignoro esse facto e começo a sair da cama lentamente, uma vez que o frio da manha ocupa o meu quarto de tal forma que as minhas pernas sentem logo a diferença entre o calor confortável da minha cama e a baixa temperatura da casa. Assim que me levanto, agarro num lenço azul claro, que costumo utilizar nos dias de mais calor na escola dos mundanos, e faço-lhe um nós com as pontas para o poder usar como suporte para o meu braço esquerdo, ao menos assim não terei de colocar tanto esforço na ferida.

Atravesso o corredor descalça e chego até ao elevador, sem conseguir ver mais ninguém pelo caminho.

Assim que chego á entrada, é o que parece uma confusão total. O Alec encontra-se ajoelhado ao lado do Jace e o Simon está apoiado pela Clary, á direita destes está a Briana e a Izzy e o Hodge encontra-se a aproximar-se do grupo.

— Mas o que se passou por aqui? – Pergunto, ao mesmo tempo que teto perceber o que aconteceu.

O Jace, o Simon e a Clary encontram-se arranhados e sujos de sangue, para não falar que o Simon encontra-se a coxear, e o mesmo deve estar a acontecer com o Jace mas, como ele está sentado no chão da entrada, é óbvio que eu não posso ter certeza disso. No entanto, as roupas dele encontram-se esfarrapadas e empapadas de sangue para não falar que está arranhado numa das bochechas. A Clary parece ser a que sofreu menos danos embora também esteja com marcas na cara e nos braços, agora expostos depois de ela ter tirado o casaco de cabedal que a Izzy lhe emprestou. O Simon, e que sinceramente eu esperava que a esta altura já tivesse aprendido que meter-se em assuntos aos quais ele não pertence e muito menos tem alguma experiencia, encontra-se sem óculos e em perfeito estado de condição, exceto pela roupa amarrotada mas de resto está ótimo.

Cerro os punhos quando eles desviam a atenção para mim. Sinto a raiva a aflorar-me a pele pelo modo como sinto as bochechas a ferver e finco as unhas na pele das minhas mãos. Eu nunca senti tanta raiva de um mundano como sinto agora, mas sei que se me afirmar agora, com a Clary presente e do lado do Simon, poderia ser levado como ser demasiado cruel em relação a ele enquanto ele está traumatizado por ter sido transformado num rato. E depois vem o facto de o Jace ter arriscado a vida dele imprudentemente e sem sequer nos ter avisado, mentindo-nos descaradamente.

Ninguém me responde á minha questão, pelo menos não diretamente, pois o Wayland deixa claro que eu vou-me passar com ele, caso me explique os sarilhos que ele foi arranjar para aparecer com este aspeto á porta da nossa casa.

Aproximo-me então da Briana, que continua impassível a fixar o irmão e o Simon, que entretanto, não demonstra nenhum sinal de dor mas sim alivio por a Clary estar ao lado dele. Acho que não é a primeira e não será a ultima vez que reconhecerei aquele brilho nos olhos castanhos dele como sendo a prova incondicional que ele está completamente apaixonado pela Clary e que, embora o mostre em todos os seus gestos e palavras, ela ainda não percebeu isso. E porquê? Porque ela só tens olhos para o Jace, mesmo que no seu o interior o negue.

Que o Anjo me proteja por estar a pensar nisto com tantas pessoas aqui que são contra isso, penso eu, com um pouco de humor que logo se dissipa no meu interior, sem sequer deixar vestígios.

Vemos o Hodge a aproximar-se deles e a examinar com atenção, os ferimentos do Jace enquanto profere uma dúzia de sermões para este, que pura e simplesmente o ignora discretamente, para o castigo dele não ser ainda maior.

Só de ver o nosso tutor, com o seu cabelo cinzento cuidadosamente penteado e com apenas as calças de moletom negras e a camisa branca do seu smoking, com as mangas arregaçadas para que não se sujem de sangue ou com a água castanha que cobre as roupas do Jace, sinto como se a minha espinha estivesse a sofrer uma onda de arrepios.

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— Achas que devemos dizer alguma coisa? – A Loira, que entretanto tinha chegado ao meu lado, sussurra-me bem baixinho estas palavras.

Observo o Hodge a tratar do pouco que pode, no hall de entrada, no Jace e revejo a minha decisão.

— Por agora, é melhor não. – Digo, decidida. – Se causarmos desconfianças agora, podemos ficar bem enrascadas. Quem sabe se não conseguimos usar algo a nosso favor se nos mantivermos em silêncio.

— Referes-te ao elemento-surpresa? – Pergunta ela e eu aceno com a cabeça afirmativamente. – Hum, gosto da tua ideia.

Continuamos ali até levarem o Jace para a enfermaria, juntamente com o resto do grupo atrás. A Briana também vai, mas eu permaneço no mesmo lugar e a pensar que passo devo traçar a seguir para garantir que a Taça é recuperada e que o Valentine é detido.