No dia seguinte levantei cedo sem querer, quando abri meu e-mail dei de cara com uma mensagem vinda do orfanato. Soraya queria me contratar.

Um arrepio subiu pela minha espinha mas sabia que precisaria enfrentar meus medos.

Depois de tentar me vestir de uma forma social e colocar todos os meus disfarces peguei um táxi e quase tremendo fui em rumo ao meu futuro local de trabalho.

CH

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A quantidade de casas da pequena rua em que o orfanato se encontrava aumentou um pouco com o passar dos anos mas as cores tristes ainda predominavam por ali.

Cheguei e dei duas batidas na enorme porta, não tinha porteiro nem campainha então logo passei pelo portão enferrujado. Ouvi passos rápidos e meu coração acelerou, a porta se abriu e me deparei com uma menina negra de dentes salientes, seus cabelos estavam cheio de trancinhas e usava um vestido verde que parecia não caber mais nela.

—Bom dia_ falei _Gostaria de falar com..._o nome ficou preso em minha garganta.

— Soraya? _ disse a garotinha com uma voz nem um pouco infantil.

Balancei a cabeça confirmando.

— Hum... vou chamar ela. Você não quer entrar?

— Claro.

Queria e não queria. A menina sumiu e eu fiquei sozinha na sala, o orfanato poderia estar caindo aos pedaços mas Soraya priorizava seu luxo com certeza, logo observei sofás de couro e uma mesa de centro, sem TV ou livros, uma sala sem graça.

Olhei para cima e vi uma outra garotinha, branca de cabelos cacheados, suas bochechas encostavam no parapeito, ela estava me observando. Também usava um vestido idêntico ao da outra garotinha negra e quando percebeu que eu a encarava de volta saiu correndo.

Voltei a ouvir passos rápidos no corredor e quando olhei a garotinha retornava correndo. Ao passar por mim falou:

— Ela já vem.

E saiu em disparada escada acima, provavelmente o andar das meninas como era antigamente. A acompanhei com o olhar até que ela sumiu também, enquanto olhava a escada meus pensamentos estavam a anos atrás, eu via Tia Carlota descendo os degraus, assim como eu e Tiago brincando de pira-pega nas escadas.

Até que ouvi um barulho. Um som que me faria estremecer em qualquer lugar que eu estivesse. O barulho dos saltos dos sapatos de Soraya, um por um, um passo de cada vez, se aproximando e aumentando, até parar bem atrás de mim.

CH

Meu coração batia alucinadamente, parecia que ia sair pelos ouvidos, meus pés não queriam me obedecer e virar, minhas mãos suavam. Não sabia que tudo isso iria acontecer comigo.

— Bom dia querida.

A voz de Soraya me fez arregalar os olhos mas ao mesmo tempo consegui reunir forças e virar para olhá-la.

Permanecia a mesma. Batom vermelho e um vestido azul social, sapatos pretos de salto. Algumas rugas já queriam aparecer ao redor de seus olhos, seus cabelos provavelmente eram cortados todo o mês pra permanecerem na altura dos ombros. Um sorrisinho se formava em seus lábios e seus olhos....

Os olhos continham o mesmo abismo de sempre, desde quando os vi pela primeira vez, um buraco negro, infinito, me dava náuseas.

— Surpresa?

— Ah... Bom dia, er... sim, muito surpresa, não sabia que a dona do orfanato era tão jovem. _ dei um sorriso amarelo, eu era falsa às vezes mas agora isso estava sendo insuportável.

Soraya sorriu.

— Ora, mas que coisa... preparada pra trabalhar?

— Sim, sim, com certeza.

— Bem, então venha, vou lhe apresentar o orfanato.

Não. De novo não.

Soraya começou a subir as escadas. A cada degrau que pisava eu me sentia cada vez menor, já no segundo andar eu parecia ter nove anos novamente e me via cercada de crianças andando atrás de uma psicopata pra conhecer nosso novo lar.

Soraya apresentou os quartos e todo o resto, nem me ligava em suas palavras, eu já conhecia tudo aqui, vez ou outra alguns rostinhos apareciam pelas portas, curiosos com a nova visitante mas eu não via os rostos das crianças em geral, via os rostos das minhas amigas, e eles não estavam felizes.

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CH

Depois de Soraya falar por mais de quinze minutos sobre a rotina das crianças e o espaço da casa me levou até o escritório pra mostrar o lugar onde eu trabalharia, perto dela, que maravilha.

O escritório continuava o mesmo, apenas a mobília foi trocada e um armário foi colocado no canto da parede de fundo, estava trancado. Soraya me mostrou sua mesa enorme e me indicou uma pequena escrivaninha do lado oposto, lá eu ficaria.

—Bom, então aqui estamos nós. _ disse ela sentando em sua confortável cadeira giratória. _ Você começa a trabalhar na segunda, já que hoje é sábado. Mas não se preocupe com nada, você só precisa estar aqui às sete horas da manhã, terá o intervalo para o almoço e continuará o serviço à tarde desde às duas às cinco e meia. Ok?

— Hã... ok.

— Muito bem. _ disse ela se levantando da cadeira.

— Devo dizer que me sinto muito honrada por poder trabalhar aqui, nesse orfanato tão reconhecido e com a senhora que possui uma alma tão caridosa.

Eu queria vomitar.

Soraya inclinou a cabeça como uma criança que quer alguma coisa, com um sorrisinho no rosto.

— Ah minha querida... obrigada pelas palavras. Devo admitir que foi muito difícil pra mim chegar até aqui, mas valeu a pena todo esforço.

— Ouvi dizer que sua mãe era dona daqui antes da senhora.

Soraya pigarreou.

— Não me chame de senhora por favor, pode me chamar de Diretora. E sim, minha mãe era dona daqui, após a morte dela eu herdei a responsabilidade de dirigir o orfanato.

— A senho... não tinha irmãos?

— É... o meu passado não é uma coisa que eu goste de estar relembrando senhorita, muito menos falando.

— Desculpe, só tenho curiosidade sobre sua história de vida, deve ter sofrido muito, a admiro por sua persistência e...

— Entendo querida. Só que falar do meu passado não vai sanar suas dúvidas. Se quer se espelhar em mim terá os próximos meses para me observar. E digo observar porque não gosto de conversas paralelas durante o trabalho.

— Tudo bem.

— Bom, então, assine esses papéis e nos encontramos na segunda.

Soraya me entregou algumas folhas e eu me apoiei na mesa para assinar o nome que ganhei quando fui adotada, ainda bem que ela não ficou me encarando porque minha mão estava tremendo.

Seria bem difícil arrancar alguma coisa de Soraya, precisaria de provas concretas, e elas estavam ali mesmo.

Depois que saí do orfanato o Sol já tinha esquentado bastante, peguei um táxi e quando dobrei a esquina meu olhar seguiu a direção do orfanato e viu quem eu menos esperava.

Tiago.