Chihiro to Sen no Kamikakushi

Se você ao menos lembrasse


A mente de Sen trabalhava tão rápida e desorganizadamente que a menina quase sentia energia sendo liberada em forma de calor, fritando seu cérebro. À sua frente estava o garoto, ou melhor, o homem que ela desejou ver por tantos anos e ele sequer lembrava-se dela. Isso era maravilhoso em quesitos estratégicos, pois, se Haku não lembrava, ninguém deveria se lembrar. Portanto, não haveria possibilidade de alguém a entregar por acidente. Mas perceber que Haku não se lembrava dela era doloroso demais.

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Apesar de já saber o que aconteceria depois, ao entrarem no elevador, Sen tentou falar com Haku.

— Com licença, Haku...

— Não fale comigo desnecessariamente. E, em casos de necessidade, refira-se a mim como senhor Haku. — Sen suspirou ao ouvir a resposta. Era exatamente igual à de anos atrás. Se ele não a tivesse esquecido, a menina poderia acreditar que ele estava brincando com a cara dela.

“Pelo menos, parece não ter mudado...” Suas palavras de conforto não produziam o efeito desejado, mas ao menos concediam certa esperança. O antigo Haku ainda estava ali. Seu protetor, seu amigo, seu...

Os pensamentos de Sen foram interrompidos quando Haku gritou seu nome mais uma vez. A menina havia entrado em algum estado de transe que a desligou de tudo o que estava acontecendo. Haku estava enfurecido de tanto chama-la.

— Perdão, senhor Haku. — Juntos, saíram do elevador e seguiram para a recepção. Assim como da última vez, o jovem bruxo perguntou se havia trabalho para Sen em algum lugar. Quando questionado sobre quem Sen era, aprendiz apenas respondeu:

— Mercadoria. Um presente enviado ao mestre. E o mestre não devolve presentes. Por isso, encontrem trabalho para ela.

As maçãs do rosto de Sen ficaram vermelhas e contraídas com o esforço feito para conter as lágrimas. Mas o esforço foi em vão. A dor já estava grande demais até aquele momento. Ouvir Kohaku falando dela como uma mercadoria apenas a tornou insuportável. Assim, lágrimas começaram a rolar desenfreadamente pelo rosto de Sen, criando duas correntes de pesar que manchavam sua face.

O tempo pareceu congelar. Todos os presentes, fossem clientes ou funcionários, pararam para observar. Todos ali foram capazes de sentir toda a dor, pesar, ressentimento, angústia, todos os sentimentos que Sen expulsava através daqueles soluços descontrolados. Sem forças, caiu de joelhos no chão e pôs as mãos no rosto.

Em meio ao desespero, porém, sua mente teve um vislumbre de clareza. Lembrou-se de algo que chamou sua atenção antes de sua visão ficar deturpada demais. Lembrou-se de algo em Haku. A lembrança era confusa e talvez inexistente, mas provocou tal inquietação em Sen que a jovem subitamente parou de chorar. E olhou para cima.

A expressão de Haku era quase inacreditável. O jovem exprimia, como um livro aberto, um turbilhão de sentimentos tão devastador que até mesmo Sen foi capaz de sentir. Era possível ver, em seu rosto, que ver a menina daquele jeito causou grande dor à Haku; ao mesmo tempo, era possível ver que ele não entendia o por quê disso. Confusão, dor e angústia o possuíam mais a mais a cada instante que tudo aquilo parecia mais inexplicável para ele.

Toda essa informação foi captada por Sen em alguns segundos, pois assim que seus olhares se encontraram, Kohaku forçou a retomada de sua postura fria e calculista. Mas o jovem ainda estava visivelmente abalado, pelo menos para a garota. Em poucos instantes, funcionários e clientes voltaram para seus serviços, e o ambiente ficou silencioso.

Talvez tenha sido mero anseio por respostas ou apenas porque mais ninguém se prontificou. Não importa o motivo, nada muda o fato de que as palavras seguintes de Kohaku foram:

— Você será minha aprendiz.

O espanto fez com que Ogino ficasse colada ao chão. Jamais teria pensado na possibilidade de trabalhar com Haku durante a missão. E ela não tinha muita certeza se estava contente com o fato.

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— Ande, levante-se e faça utilidade de si mesma. Não temos o dia todo. Ande.

— Sim, senhor Haku.

Enquanto iam para a cobertura, onde outrora fora o andar onde ficava os aposentos de Yubaba, Haku explicou ser um mestre de feitiçaria, mas que nunca teve um aprendiz. Explicou que Sen o ajudaria a executar as tarefas mágicas que o mestre ordenasse e a resolver qualquer problema na casa de banhos. O trabalho pareceu tranquilo, mas a menina não se deixaria enganar. Kamaji a alertara dos perigos de ser aprendiz de bruxa. Ou, no caso, bruxo.

Depois de pensar em Kamaji, Sen não conseguiu tirá-lo da cabeça. Estava preocupada com o que havia acontecido, o velho ficava nas fornalhas até quando dormia. Não foi capaz de resistir muito mais e, sem nem perceber se Haku estava falando ainda ou não, a jovem resolveu interroga-lo.

— Senhor Haku, o que aconteceu com o homem que trabalha nas fornalhas? — Haku questionou-a com o olhar e a menina se apressou a explicar, com medo de cometer algum erro. — Quando eu cheguei aqui, acabei indo parar nas fornalhas, mas não havia ninguém lá. Imaginei que um homem trabalhasse lá.

— Sim, um homem trabalhava lá. Seu nome era Kamaji. Não tenho notícias dele há anos.

Sen balançou a cabeça em afirmativa, demonstrando que entendeu. Estava a ponto de chorar novamente, mas Haku pareceu não perceber.

Depois de uma longa escadaria em caracol, os dois chegaram a seu destino. Somente quando alcançaram os antigos aposentos, Sen percebeu que o escritório havia sido movido para um andar mais baixo. Faria mais sentido se os aposentos descessem, mas a cobertura possuía uma espécie de sacada onde Haku poderia levantar voo mais facilmente.

Os aposentos de Yubaba não eram como no passado. Na realidade, era impossível dizer que uma bruxa já havia morado ali. A decoração e arrumação eram diferentem, até a estrutura do lugar mudou. O quarto do bebê estava extinto, como se cada traço da existência de Yubaba houvesse sido minuciosamente apagado.

Haku guiou Sen para um pequeno quarto no fim do corredor. Era simples e delicado, como se houvesse sido cuidadosamente preparado para uma garota. A cama estava bem arrumada e havia uma muda de roupas em um pequeno armário. Junto à cama, havia uma pequena mesa de cabeceira. No centro, havia outra mesa, com papeis e tintas.

Ignorando qualquer classe e refinamento, a menina correu até a cama e se jogou no colchão. Ela não dormia na maciez de uma cama há meses.

Haku, soltando uma espécie de suspiro bem humorado — aparentemente, a cena de uma criança de dez anos pulando em uma cama era divertida para o rapaz —, desejou a Sen uma boa noite e lembrou-a que trabalhariam logo ao amanhecer.

Agradecida, a jovem acenou e mergulhou nos lençóis, pronta para adormecer. Porém, as lágrimas vieram no lugar do sono, e, dessa vez, Sen se permitiu chorar livremente, mas sem soluços.

“Hoje foi um dia difícil. Mas amanhã será melhor. Com certeza, amanhã será melhor...”

Depois de meia hora, a menina desistiu de dormir e sentou-se junto à mesa de centro. Pegou as tintas, pincéis e papeis e começou a desenhar, lembrando-se das alegrias e das inúmeras tristezas do dia.

Em algum momento, Sen acabou adormecendo sobre os rascunhos e rabiscos. Quando ela foi capaz de distrair-se, o cansaço a dominou, e os sonhos substituíram, enfim, as lágrimas. No dia seguinte, a menina nem se lembrou de ter dormido. Só recordava um resquício de pensamento:

“Se você ao menos lembrasse...”