Chamas Azuis

Um Lugar Que Não Existe


I

A mulher puxa meu braço com tamanha força que sinto como se seu aperto estivesse queimando minha pele. Sou arrastada pelo piso frio violentamente sem poder fazer qualquer coisa para evitar. Não consigo gritar, me debater ou xingar. Sou apenas levada contra minha vontade... Me sinto tão impotente.

As paredes cinzentas ao meu redor começam a descascar. Como se a argamassa estivesse contorcendo-se e em seguida rasgando-se. O ar é abafado e coberto por uma grossa nuvem de neblina escura. Diversos sons diferentes contornam os corredores emanando choros, gritos e, algumas vezes, risadas... Não risadas de alegria... Estas são histéricas e conturbadas.

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São risadas que ocultam uma dor tão intensa que é quase indescritível. É como se a mente daquela pessoa estivesse desfazendo-se aos poucos... A sanidade que um dia esteve presente, agora perece ter sido drenada completamente e, em seu lugar, apenas uma psicose houvesse restado.

Ouço arranhões atrás de portas pesadas de ferros, todas parecidas umas com as outras, como se eu estivesse passando sempre na frente da mesma, presa em um loop infinito. Os sons lembram garras afiadas roçando sob o metal, como se houvesse algo preso no interior que estivesse desesperado para sair.

Quanto mais sou levada para dentro daqueles corredores, mais percebo a familiaridade daquele lugar... Eu estou no S&K ainda. Tenho certeza disso. Esses corredores, já estive neles antes... Dirijo meu olhar para as mãos que me arrastam pelo corredor e vejo marcas profundas e vermelhas que estendem-se por elas, como se algo grande e pontiagudo as tivesse perfurado.

Os cabelos loiros da mulher, sempre presos, agora estão manchados com o vermelho intenso de seu sangue e sua pele está tão cinza quanto a de todos os outros cadáveres que já vi. Grizelda... Concluo silenciosamente.

Imediatamente, seu aperto se desfaz. Sinto meu corpo flutuando para longe dela e parando, logo em seguida, há alguns metros de sua imagem pútrida. Grizelda continua andando corredor adentro, como se ainda estivesse me arrastando, sem perceber que não estou mais ali.

— Ela é uma perdida... — ouço a voz calma de uma mulher dizer em meu ouvido.

Seu toque frio encontra meus ombros e consigo ver com o canto dos olhos seus longos cabelos negros escorrendo feito cascatas. Seu cheiro adocicado e azedo ao mesmo tempo invade minhas narinas. Não tenho coragem de virar-me para encara-la, portanto mantenho meu olhar fixo na abastema loira à minha frente.

— O que isso quer dizer? - pergunto.

— Ainda está presa à sua vida miserável - continua a mulher -, sem perceber que já se foi há muito tempo. Mas isto não é sua culpa, com certeza é melhor que encarar a triste realidade...

— Não entendo o que isso quer dizer... - respondo sentindo minhas mãos começarem a tremer.

— É claro que não - a mulher desliza sua mãos para longe dos meus ombros, ouço seus passos afastando-se -, afinal você ainda está viva...

Dito isto, viro-me para encara-la, porém tudo que consigo ver é uma tênue neblina negra flutuando próxima à uma porta. Posso jurar que parecia haver um rosto desaparecendo em sua superfície... A porta parece enferrujada e quase que petrificada, como se não fosse usada há anos.

— Não deveria estar aqui... - a voz continua entoando, porém, embora eu procure por todos os lados, não consigo encontrar ninguém. - Deveria ir embora enquanto pode.

— E o onde é aqui? - contesto analisando as paredes... É como se o som de sua voz viesse de todos os cantos, ecoando dentro da minha cabeça.

— Esse lugar não tem nome - responde a mulher -, não tem tempo... Não há nada, é apenas um vazio. Um limbo para onde aqueles que não aceitam morrer são mandados. Ninguém pode chegar aqui, pois é impossível encontrar aquilo que não existe...

— Se nada disso existe, como eu posso estar aqui? - pergunto tentando controlar minha voz e manter a calma.

— Gostaria de saber a resposta... - a voz responde. - Diga-me você, Jane. Como encontrou este lugar? Por que pode me ouvir... Por que uma mortal como você consegue fazer tais coisas?

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— Acredito que saiba tanto quanto eu.

— Acredita? - ela repete a palavra em tom divertido. - Ora, vamos... Com certeza deve ter uma resposta melhor que essa.

Sinto seu toque gélido deslizar pelos meus cabelos e viro-me para encara-la, assustada, porém não vejo nada. Sua risada ecoa, distraindo-me outra vez, como que brincando comigo.

— Tem medo de mim - ela parece quase cantarolar... -, pequena Jane? Não a culpo, todos costumam ter... Vivos ou mortos.

— Você não é um deles? - pergunto, porém não recebo uma resposta. - Se não, quem é você? Como chegou aqui?

— Não está fazendo as perguntas certas... Chega a ser decepcionante.

— Se não vai me dizer nada sobre você... - continuo hesitantemente. - Ao menos, diga-me como sair daqui.

— Quer mesmo ir embora? Pense em como estava antes de vir: triste, machucada e sozinha... Quer mesmo voltar para o que há além deste mundo? Para junto daqueles ratos?

Suas últimas palavras ficam marcadas em minha mente. "Rato" foi assim que Alastor se referiu a Jared.

— Disse-me para sair enquanto ainda havia tempo - repondo secamente.

— Eu disse, não disse? - Desta vez, o tom da voz muda drasticamente, parecendo irritada, de certa forma. - Porém ainda está aqui... Isso deve querer dizer alguma coisa.

— Não me importo - continuo determinada. - Quero voltar. Ainda tenho que tirar Carter e Camélia daquele lugar...

— Apenas os dois? - A suavidade de seu tom de voz volta subitamente. - Não está esquecendo-se de alguém?

Abro os lábios para dizer qualquer coisa, porém as palavras ficam presas em minha garganta mais uma vez. Penso no corpo de Jared atirado sob aquele piso frio e lágrimas involuntárias começam a surgir em meus olhos.

— Ele não... - digo mordendo os lábios. - Não posso mais salva-lo.

— Salvar? - Outra gargalhada ecoa, uma tão alta que faz meus ouvidos doerem. - Não havia sido você quem o condenou? Acha mesmo que vai conseguir tirar aqueles ratos daquele lugar? Você? Não, pequena Jane... Sua sina não é esta. Não pode salvar pessoas, não nasceu para isto...

— O que sabe sobre mim?

Pergunto indignada, mas novamente não obtenho resposta alguma. Suspiro exausta após alguns segundos de silêncio levando minhas mãos a cabeça. Creio que ela não irá me dizer...

— Eu quero sair daqui - grito para qualquer coisa que possa me ouvir -, agora!

De repente, ouço o som estridente de algo batendo atrás de mim. Dou um salto virando-me para encarar o que é. Vejo a porta, que a pouco estava trancada, completamente escancarada, revelando apenas um breu intenso do outro lado.

— Vá! - Ordena a voz. - Veja o que há ali dentro...

— Por que eu deveria escuta-la? - repondo, porém caminho lentamente na direção daquela escuridão.

Não há resposta. Sinto como se estivesse sozinha, pela primeira vez. Uma densa neblina começa a surgir ao meu redor. Ocupando todo o espaço atrás de mim... Como se estivesse empurrando-me para dentro daquele breu. Cerro os punhos, tentando conter meu nervosismo, e entro na sala escura.

II

Ao entrar, tudo se ilumina. Revelando as diversas formas ao meu redor. Ouço o som da porta batendo violentamente atrás de mim e, ao mesmo tempo, sinto o toque gelado, o mesmo de outrora, em meus ombros. Então os cabelos negros da abastema caem mais uma vez sob mim. Penso em me afastar, porém meu corpo fica congelado no lugar.

— Olhe... - diz a mulher em tom autoritário. - Reconhece este lugar?

Obedientemente, dirijo meu olhar às formas ao meu redor. Vejo as paredes infestadas de bolor, o chão úmido e mofado... E logo depois, as pessoas. Meus olhos caem sobre a garota morena maltratada sob a cadeira de madeira velha.

— Camélia! - digo e tento correr até ela, porém a mulher cinzenta me detém.

— OLHE! - Ela repete em tom mais grave, enquanto deixa seu aperto mais forte.

Contrariada, a obedeço mais um vez e, ao fazê-lo, percebo que algo parece errado... Tudo esta silencioso e imóvel. É quase como se eles estivessem petrificados. Sinto um calafrio subir pela minha espinha e o medo volta a tomar conta do meu corpo. Camélia não está aqui, não de verdade pelo menos... Eu ainda estou presa neste lugar

Dirijo meus olhos mais uma vez aos outros dentro da sala. Vejo o rapaz moreno e surrado amarrado em sua cadeira amordaçado; Alastor em pé sobre um poça de sangue negro... Meu coração dói somente de lembrar-me da figura caída ao seu lado. Embora não queria vê-lo daquela forma outra vez, forço-me a encara-lo. Tenho que fazer isso, afinal sou a única culpada de ter acabado desse jeito.

Quase perco o fôlego quando meus olhos caem sobre o corpo degolado no chão. Envolto a todo aquele sangue, estava o rapaz, estirado sobre o piso frio. Seus cabelos loiros pareciam ruivos, encharcados pelo líquido escarlate. Seu rosto, o mesmo que me atormentara, agora parecia estar sem vida. Aprisionado em uma expressão aterrorizante. Seus olhos, tão claros quanto mel, permaneciam abertos, porém toda aquela intensidade que via neles a pouco, desapareceu completamente... Aquele, não é ele.

— Não é ele - repito, desta vez em voz alta -, Jared não está ali...

— Então onde está? - ela pergunta em um sussurro.

— Ele... - começo, porém perco as palavras ao ver a imagem que surge diante mim.

Petrificada, há apenas alguns metros de mim, vejo minha própria imagem moribunda encarando-me. Os cabelos brancos desgrenhados, imundos, estão encharcados de suor. O vestido ainda exibe as mesmas manchas que lembrava. A aparência doentia e quase esquelética de meu corpo está bastante nítida sobre o tecido fino... Aquela sim, sou eu. Não esta imagem que tenho agora...

Um brilho tênue sob minha garganta surge compondo a cena. "A adaga" concluo. Vejo meus lábios rachados movendo-se, mas não escuto o que digo. Meu olhar está concentrado no garoto atrás de mim. Seus olhos azuis brilham de forma desafiadora atrás da franja negra que os cobre levianamente. Seus braços estão envolta de mim, prendendo-me contra seu corpo, enquanto segura a lâmina contra meu pescoço.

— Jared! - exclamo atônita.

— Não adianta gritar... - a voz da abastema entoa, parecendo satisfeita com isso - Ele não pode ouvi-la, pequena Jane.

— Ele está vivo...? - digo. - Como isso é possível? E por que ele...

— Ainda sabe tão pouco sobre essas pessoas - ela continua, ignorando minhas perguntas. - E ainda sim, pretende salva-las? Patético. Se soubesse a verdade... Não escolheria este caminho.

— Eu não me importo - respondo. - Eles tentaram me salvar, é meu dever fazer o mesmo.

Dever — ela cospe a palavras. - Não deve nada a eles. Seu lugar não é com essas pessoas. Você é muito mais que isso... Vale mais que qualquer um deles.

— Está errada - protesto sentindo as lágrimas voltarem. - Eu não sou alguém valioso, sou uma maldição.

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— Maldição... - A mulher ri. - Palavra estranha para descrever-se, apesar de não estar totalmente errada, não é culpa sua. É apenas mais uma inocente... No meio de tudo isso. Os verdadeiros culpados estão bem na sua frente.

— Não - respondo imediatamente -, Jared e os outros não têm nada haver com isso. Estavam aqui para me salvar...

— Tenho certeza de que acredita nisso... - continua ela em tom sereno. - As mentiras deles costumam ser muito convincentes, mas eu lhe ofereço a verdade... Posso tira-la deste lugar se quiser. Leva-la para longe de todos esses roedores mentirosos. Tudo que precisa fazer é confiar em mim e...

— Como posso confiar em alguém que nem mesmo mostra seu rosto? - digo interrompendo-a. - Se quiser minha confiança, primeiro diga quem é!

— Ainda não é o momento - ela responde para minha frustração. - Mas farei outra coisa. Já que quer tanto salvar esses ratos imundos, eu a ajudarei desta vez. Vou tirar todos deste lugar, assim como quer... Deixarei que veja por si mesma quem eles são de verdade.

— Fara mesmo...? - pergunto incrédula.

— Até breve, minha pequena Jane... - É tudo que ela responde antes de seu toque desaparecer mais uma vez.

III

Sinto o meu corpo ficando leve novamente, exatamente como me senti antes de ir para aquele limbo... Como se estivesse sendo levada pelo ar. Mas, desta vez, não estou sendo levada em direção ao breu; tudo torna-se mais sólido e as figuras ao meu redor voltam a se mover lentamente. Enquanto a lucidez invade-me.

Quando dou por mim, estou mais uma vez nos braços do enfermeiro de olhos âmbar. Como se tivesse apenas despertado de um sono profundo. Todas as dores voltam simultaneamente, junto com o cansaço e a maldita febre alta. Não consigo conter um grito fraco de dor ao retomar o fôlego. As imagens que vi a pouco continuam rondando minha cabeça... "Aquilo foi real?" pergunto-me, enquanto tento absorver tudo.

Meus olhos dirigem-se para o chão imediatamente, procurando por Jared. Uma sensação estranha me envolve quando vejo seu corpo mais uma vez... "Não..." respondo minha própria pergunta. "Não poderia ser".

— Acha mesmo que pode chantagear a mim? - escuto a voz estrondosa de Alastor urrar. - Eu sou um Deus perto de você!

— Você não é nada— a voz de Alec responde em contrapartida e, de repente, mais uma explosão surge, essa muito mais perto que qualquer outra. Sinto as mãos de Alec tremerem contra meu peito, como se soubesse exatamente o que iria acontecer -, não mais...

— Jared! - desta vez, para minha surpresa, é a voz de Carter que pronuncia-se.

Dirijo meu olhar para o moreno e encontro seus olhos verdes por apenas um segundo. Eles estão vibrados no homem atrás de mim. As bandagem que cobriam sua boca estão caídas no chão e os pulsos estão roxos com marcas de luta. Ele conseguiu soltar-se... Mas quando?

— Não há mais tempo! - ele continua, direcionando seu olhar para mim porém.

— Eu sei - reponde Alec firmemente, mas posso sentir o medo por trás de suas palavras. - Pegue Camélia, leve-a daqui...

— NINGUÉM SAIRÁ DAQUI! - Alastor grita de um modo tão amedrontador que sua voz parece rasgar meus ouvidos. - Peguem todos eles, agora!

Os enfermeiros acatam as ordens e seguem em direção a Carter e a mim... Alec faz um movimento rápido com a adaga e sinto-a cortar-me mais uma vez. O corte é mais profundo desta vez, posso sentir, o sangue que flui dele alcançar meus seios, deixando uma marca bastante nítida sob o tecido do vestido. Em contraste, vejo uma mancha escura surgir sob o casaco de Alastor... Todos param no mesmo instante.

— Alastor - diz o garoto mantendo o mesmo tom sério que lançou para Carter -, se não nos deixar ir agora, não seremos os únicos a morrer... Sabe que não.

Alastor engole em seco, sentindo-se quase impotente.

— Deixem que partam com a adaga - ele reponde por fim, quase cuspindo as palavras. - Mas a garota me pertence, deixe-a aqui.

Os enfermeiros entreolham-se parecendo desaprovar as ordens de Alastor, porém nada fazem.

— Não irei sem ela - afirma o rapaz.

— Esqueça isso - Carter protesta. - Já cumprimos a missão, temos que ir.

— Já lhe disse para pegar Camélia e fugir enquanto podem. Não posso deixa-la aqui, prefiro vê-la morta do que outra vez nas mãos destes demônios.

— Se é assim - diz Carter -, também não iremos.

Vejo-o cerrar os punhos em aflição, parece com tanto medo quando o rapaz que aponta a adaga para mim.

— Senhor - a voz familiar de um dos enfermeiros, Bélior, pronuncia-se -, quais as ordens?

Alastor permanece imóvel, sem saber o que fazer. Seus olhos encontram os meus e vejo terror em seu olhar.

— Matem... - ele começa, porém hesitante. - Matem todos eles.

Um sorriso macabro surge no rosto de Bélior, assim que Alastor dita as ordens. Sinto o aperto de Alec desfazer-se de repente, enquanto ele afasta a lâmina de minha garganta. Meu peso cai sobre meu próprio corpo fazendo com que eu desabe sobre os joelhos.

— Tarde demais - ouço a voz cansada, porém firme de... Jared!

No mesmo instante, antes de qualquer um poder fazer alguma coisa, o som de mais uma explosão eclode. Uma muito maior que todas as outras, mais intensa. Tudo treme como se estivesse desfazendo-se em pedaços. Um calor súbito começa a invadir o lugar, enquanto as pedras brutas das paredes são arremessadas para todos os lados... O teto quebra-se em duas partes sobre nossas cabeças, enquanto desaba sobre nós revelando a luz vermelha de fogo vivo.

Os gritos aterrorizantes ecoam por todos os lados e a única coisa que consigo sentir é a dor agoniante das vozes. Tudo parece acontecer em menos de um segundo. A princípio, não entendo o que está acontecendo, porém a resposta vem rápidamente a minha mente... O S&K está queimando.

— Não! - ouço minha própria voz gritar enquanto vejo a cortina de fogo caindo sobre todos dentro da sala.

IV

Fecho os olhos e levo as mãos ao rosto tentando de alguma forma impedir que as chamas me alcancem... E elas não o fazem. Tudo silencia-se de repente, como se a explosão fosse interrompida. Abro os olhos, ainda tremula. Sinto uma corrente envolta de meus braços, uma energia fluindo por eles... E isso causa uma dor, intensa e ainda sim suportável.

Encaro o teto, prestes a desabar sobre nós, as chamas vermelhas que o envolviam, as mesmas que estavam prontas para queimar-nos, estavam completamente imóveis a minha frente... Como se estivem, de algum jeito, encarando-me... O tom escarlate abandonara sua luz e foi substituído por um anil claro e intenso. O fogo estava tão azul quando o céu...

— O que... - ouço a voz confusa de Carter, não muito distante. Ele não termina a frase. Dirijo meu olhar para seu rosto. Seus olhos verdes estão vidrados em mim, ouço sua voz em minha cabeça... Palavras confusas que não entendo. É como se estivesse invadindo minha mente apenas com aquele olhar, vasculhando qualquer resposta que eu possa dar.

"Não entendo..." digo sem desviar o olhar.

O calor do fogo, parece estar percorrendo meu corpo. Dançando em meu interior assim como as chamas azuis ao meu redor. Sinto como se estivessem dentro de mim, mas sem me queimar... Acho que poderia até mesmo toca-las.

— Estava certo sobre a garota... - a voz rude de Bélior ressoa mais uma vez, roubando minha atenção.

Ele dirige-se a Alastor, que encara-me fascinado. Sinto os olhares de todos caindo sobre mim. "Eu estou fazendo isso?" tento perguntar, porém as palavras não saem. Não querem sair....

— Senhora... - Diz Alastor sem tirar os olhos de mim, enquanto faz uma reverência. - É um prazer revê-la após tantos anos.

— Fez um bom trabalho durante minha ausência, Alastor - ouço minha própria voz dizer e sinto meus lábios moverem-se, porém não sou eu quem está dizendo isso. - Mas ainda não é o suficiente. Esse corpo não está pronto...

— Perdoe-me, Senhora - ele continua.

Senhora... — desta vez é a voz de Jared que pronuncia-se, repetindo a palavra. - Quem é você?

Uma risada sai de meus lábios, enquanto volto-me para trás. Espero encarar o rosto de Alec... Porém não é ele quem está trás de mim. Sinto as lágrimas formarem-se em meus olhos e fico aliviada de ainda ter um certo controle sobre mim mesma.

Eu quero gritar seu nome e abraça-lo... Aliviada por vê-lo de pé, vivo, bem na frente dos meus olhos. Seus olhos, da mesma cor das chamas que iluminam o lugar encaram os meus, os meus olhos, não os de quem quer que esteja dentro de mim.

— Você não é ela... - ele diz ainda encarando-me com o mesmo olhar voraz de sempre. - Diga-me quem é você ou não terei piedade.

Seus dedos cerram-se envolta da adaga em suas mãos.

— Você é exatamente como ela — digo com desdém para o rapaz que encara-me tão atônito quanto Carter o fizera. - Tão impaciente e impetuoso... Posso ver o que a atrai. Jane é tão tola por se importar com ratos como você e os outros demonicidas. Pergunto-me qual será sua reação ao descobrir a verdade...

— Calada! - É tudo que ele diz.

Um sorriso forma-se em meus lábios enquanto encaro o olhar frio de Jared. Seu rosto está tão devastador que chega a me assustar... Ele sente um ódio evidente. O que acontece a seguir, é confuso demais para que eu consiga discernir.

Lembro de vê-lo empunhando a adaga e logo depois, descendo contra meu peito... Lembro da dor de sentir a lâmina cortando minha carne. Mas, mais importante, lembro de ver seu olhar assassino segundos antes de apunhalar-me...

Não escuto as ordens que Alastor grita aos enfermeiros ou quando Carter corre até Jared... Tudo em que consigo pensar é naquele olhar.

— Não! - ouço-me gritar para Alastor e os outros, quando recobro a consciência. - Deixem que saiam com a garota... Fiz uma promessa de que permitiria que fossem e costumo cumprir minhas promessas.

– Mas, Senhora, isso... - Alastor começa, porém é imediatamente interrompido por mim.

— Isso é necessário - digo. - Ela precisa ver por si mesma. Este é o único jeito. Não house me desafiar.

— Certo... - Alastor concorda obedientemente. - Façam o que ela diz.

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Os enfermeiros param imediatamente, ainda relutantes. Jared e Carter mantém seus olhares fixos em mim.

— Não pode impedir isso, garoto - digo, desta vez, para Jared, enquanto sinto o sangue chegando em meus lábios. - Já começou...

Dito isto, toda aquela força e energia que flui dentro de mim desaparece subitamente. Sinto apenas meu corpo fraco caindo de uma vez por todas. A luz azul ao meu redor começa a desaparecer, enquanto um breu toma seu lugar. Ao meu redor, as figurar sombrias de Alastor, Bélior e os outros enfermeiros parecem dissiparem-se e sumir de repente.

Não há mais fogo ou explosões, todos os sons acabaram... Tudo que resta é um vazio frio e obscuro. Consigo sentir algo envolvendo meu corpo e erguendo-me do chão. A lembrança de estar nos braços de meu pai à beira da praia naquela noite, invade minha mente. O calor do corpo contra o meu aquece-me e me dá alguma esperança... Porém esse sentimento é substituído por horror, quando a voz daquela mulher surge em meio ao limbo:

"Veja quem eles são de verdade, somente aí estará pronta para seguir seu destino, minha doce Jane..."