Claridade cegava-me de dentro da barraca, que estava aberta para o vento quente da manhã e para os barulhos dos animais despertos da floresta ao nosso redor, mas eu parecia ser o único ser ali que não estava disposta a acordar para aquele dia quente, que já fazia gotículas de suor se acumularem em minha nuca.

Um resmungo fugiu de meus lábios, ao mesmo tempo que remexia-me no saco de dormir para encontrar uma nova posição confortável e voltar para o meu sono revigorante, mas assim que me virei de lado, senti algo muito gelado tocando meu nariz, fazendo com que eu risse fraco e me arrepiasse.

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Meus olhos se abriram preguiçosamente, apenas para encontrar um par de olhos dourados e felinos me observando atentamente, e a grande cabeça de meu tigre negro pendia curiosamente para o lado, a centímetros do meu rosto, e eu sabia qual era a pergunta que passava pelos seus olhos de pirata.

“Como você consegue dormir tanto? ”

Aquilo me fez rir baixinho, sendo intercalado por alguns longos bocejos, ao mesmo tempo que eu me contorcia em uma espreguiçada, voltando meus olhos para Kishan que ainda me observava, mas agora com um olhar divertido.

− Está um dia tão bonito para dormir. – Mais uma vez solto uma risada baixa, sabendo que naquele momento, Kishan estaria revirando os olhos para mim, mas tudo o que o tigre fez foi bufar e balançar a calda freneticamente. – Você é um tigre tão ranzinza.

Uma ideia maldosa se formou em minha mente, enquanto eu fazia um falso biquinho para Kishan, esticando os braços para mais um bocejo, mas surpreendendo o tigre em um movimento rápido, passei um de meus braços pelo seu pescoço, puxando-o para que deitasse ao meu lado, pegando-o se surpresa e fazendo-o rugir, enquanto cambaleava para perto de mim, como um gatinho desengonçado.

Minha gargalhada reverberou pela barraca, enquanto eu me arrastava até ficar deitada no torso do meu tigre, que bufava aborrecido para mim.

− Quem é o maior predador agora, hein, Vossa Alteza? – Perguntei, ainda rindo e acariciando seu pelo eriçado antes de rolar de volta para meu saco de dormir, fechar os olhos e sentir minha barriga doer devido minhas gargalhadas frenéticas.

Ainda de olhos fechados, senti uma respiração quente perto do meu rosto, e sabia que Kishan estava em cima de mim enquanto eu ria, e quando voltei a abri-los, encontrei-o em sua forma humana, me encarando com um olha predador e um sorriso malicioso.

− Você não deveria ter feito isso, Mia. – Ele sussurrou, aproximando nossos rostos até que tudo o que nos separavam eram alguns centímetros.

− O que você vai fazer, tigre? – Perguntei desafiadora, com o resto de coragem de me sobrava, apertando os olhos para Kishan e tentando segurar a risada, mas ele havia levado aquilo bem a sério, e agora me encarava como sua presa.

Com seu rosto tão perto do meu, podia perceber cada parte do rosto perfeitamente esculpido de Kishan, fazendo com que minha mente perdesse completamente o rumo da nossa conversa. Eu podia ver manchinhas pretas tão singelas nas suas írises douradas, e o começo de uma barba por fazer que o deixava mais lindo que o normal, e o formato de seus lábios carnudos.

− Você está em minhas mãos agora, bilauta. – Ele sussurrou próximo ao meu ouvido, fazendo-me voltar a realidade ao sentir um beijo molhado ser depositado em meu pescoço.

− Nunca irei me render! – Gritei em meio a risada que já escapava de meus lábios, tentando encenar algo dramático, ouvindo uma baixa risada nasal de Kishan.

Comecei a me debater como louca, apenas para entrar na nossa encenação matinal, sentindo dores musculares em minhas bochechas, que se alargavam com as risadas, e aposto que qualquer pessoa que me olhasse agora diria que eu havia me drogado.

Mas eu não me importaria, pois já não me recordava de como era estar tão verdadeiramente feliz como estava naquele momento.

Enquanto eu tentava freneticamente me soltar de Kishan, uma de suas mãos voaram em direção aos meus pulsos, prendendo meus braços no alto de minha cabeça, e apertando suas pernas contra as minhas coxas, me deixando totalmente sem movimento.

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− Pronta para se submeter única e exclusivamente para mim? – Ele perguntou com um tom jocoso na voz, fazendo seus lábios esbarrarem nos meus.

− Nunca! – Gritei, mostrando-lhe a língua a voltando a me remexer embaixo de seu corpo musculoso, que fazia minha pele vibrar com aquele pequeno contato, me deixando arrepiada.

Kishan soltou uma longa risada rouca e grossa, enchendo meu rosto com beijos leves, indo em direção ao meu pescoço, enquanto eu retomava minhas gargalhadas, sentindo sua mão livre passeando pela minha cintura.

Nossas risadas se misturavam, enquanto nossa estranha brincadeira prosseguia, ao mesmo tempo em que eu remexia meu corpo contra o dele, tentando sem sucesso me soltar, fazendo com que a mão que prendia meus pulsos pressionasse mais aquela região, causando uma leve dor onde estava meus curativos, fazendo-me soltar um ofego.

− Kishan, meus machucados. – Gemi, enquanto sentia seu corpo saindo de cima do meu, percebendo que sua expressão brincalhona havia se tornado preocupada.

− Mia, me desculpe, mas eu simplesmente... – Ele começou a dizer, passando as mãos nervosamente em meus pulsos, olhando-os com nervosismo, deixando dois beijos onde as gazes cobriam as feridas.

− Está tudo bem. – Murmurei, segurando seu rosto e sorrindo para o meu tigre, sentindo-me tão bem pelo jeito como ele me protegia, até de si mesmo. – Foi apenas uma fisgada, não sinto mais nada, acho que aquela pomada tinha alguma coisa mágica.

Abri um sorriso fraco, apoiando-me em meus braços para conseguir me sentar ereta, sem fazer nenhuma careta de dor, apenas para mostrar à Kishan que eu estava como nova.

Não satisfeito com a minha demonstração, meu tigre sentou-se ao meu lado, desfazendo a atadura da minha coxa para examinar a pior das ferroadas. Olhei para a grande bola vermelha e inchada em minha perna apenas para constatar que o machucado feio de ontem já praticamente não estava visível.

− Tem certeza que está bem para continuar a caminhada hoje, bilauta? – Ele pergunta, tombando a cabeça e me olhando curiosamente do mesmo jeito de quando me acordou, hoje mais cedo.

− Me sinto bem como uma rocha. – Não era totalmente verdade, mas também não era totalmente mentira. – Apenas preciso trocar de roupa e comer alguma coisa, e já podemos continuar andando.

− Certo. – Kishan parecia um pouco impaciente e até agitado, o que me deixou muito intrigada. −–Vou deixar você se trocar, mas venha conversar comigo quando terminar, ok?

Suas mãos seguraram meu rosto ternamente, antes de depositar um longo beijo quente em minha testa, que me fez fechar os olhos e soltar um longo suspiro. Quando voltei a abrir os olhos, Kishan já não estava mais na cabana, e eu me encontrava sozinha.

Estendi meus braços até a mochila jogada em um dos cantos, e comecei a procurar por roupas limpinhas, incluindo peças íntimas para substituir as minhas encharcadas. Coloquei no corpo o primeiro short desfiado e a primeira regata preta que encontrei, calçando mais uma vez meus coturnos molhadas, colocando por fim uma jaqueta militar desgastada, mesmo sendo um dia quente.

Penteei meus cabelos com os dedos e os coloquei em uma trança por cima do ombro, suspirando pesadamente uma vez antes de sair da barraca, sendo cega pela claridade do dia. Encontrei Kishan em sua forma de tigre, sentado ao lado de algumas garrafas de água, barrinhas de cereais e qualquer tipo de comida que Nilima conseguiu colocar, a vácuo, em um saquinho.

− Você assaltou nossa mochila para fazer esse piquenique para a gente? – Perguntei, rindo, ao mesmo tempo que o tigre soltava um rugido contente.

Um grande tronco foi posto sugestivamente em frente a toda pilha de comida, servindo como um banco, e não tardei a jogar meu corpo em cima dele.

Peguei uma garrafinha de água para mim, e um saquinho que continha o que parecia um sanduiche de creme de amendoim e geleia, colocando o plástico ao lado de Kishan e deixando que um pouco de água se acumulasse ali, para que ele pudesse beber.

− Parece que esse sanduiche é de peito de peru – Murmuro, com a boca cheia do meu próprio lanche. – Não sei se é a comida favorita dos tigres, mas parece muito bom.

Deixei-o tentando comer na minha tigelinha improvisada com saquinhos de sanduiche, enquanto comia minha segunda barrinha de cereal, percebendo quão faminta eu estava. Lavei minhas mãos com o que restou de água da minha garrafa, pronta para guardar o restante da comida de volta à mochila e começar a desmontar a barraca.

Infelizmente, eu não era muito coordenada para aquele trabalho, então quebrei inúmeras varas de sustentação, pensando comigo mesma onde eu iria dormir se tivéssemos que passar mais uma noite na floresta.

− Você podia ser um cavalheiro e me ajudar com isso, não é, seu tigre preguiçoso? – Bufei, enrolando sem paciência a lona da barraca, olhando para meu folgada tigre que se encontrava esparramado no sol. – Pensei que príncipes eram mais educados com uma dama.

− Acho que você está um tanto longe de ser uma dama, Mia. – A voz brincalhona de Kishan, chegou até meus ouvidos, fazendo com que eu fechasse a cara para ele e jogasse em sua direção uma das varetas quebradas, a qual ele desviou-se com facilidade.

− Muito engraçadinho você. – Resmunguei, dando uma risada forçada enquanto tentava fechar o zíper estufado da mochila, antes de sentir mãos firmes em minha cintura, fazendo-me virar para encarar Kishan.

Minha raiva se esvaiu com muita rapidez, quando eu me derreti pela milésima vez com seus olhos.

− Mia, eu quero te dar uma coisa que eu já estava pensando há um tempo. – Ele murmurou, levando a mãos para dentro da camisa preta, tirando de dentro um dos pedaços do amuleto de Damon. – Devia ter dado antes de começarmos com isso, mas achei que não teria necessidade, mas depois do ataque com as abelhas, percebi que você precisa mesmo de uma proteção a mais.

Ele passou o cordão por seu pescoço, estendendo o pingente em frente ao meu rosto por alguns segundos, antes de colocá-lo em mim, deixando-o se acomodar entre o vale dos meus seios, fazendo com que uma onda quente tomasse conta de meu corpo.

− Mas Kishan, isso é uma herança dos seus pais, não sei se devo... – Comecei a protestar quando fui silenciada pelos lábios de Kishan, com um selinho rápido, antes de ele se afastar e começar a brincar com minha trança.

− Sua segurança é mais importante para mim nesse momento, o amuleto tem poderes de cura como Kadam já constatou, e eu não preciso deles, já que a maldição me cura de qualquer ferimento. – Ele sorriu e acariciou minha bochecha rapidamente, antes de tocar o amuleto com os dedos. – Fica bem mais bonito em você de qualquer forma, e não pense como um presente se não quiser, pense em uma forma de evitar mais machucados de abelhas.

A simples menção aos insetos zumbidores me fez arrepiar, apenas por pensar em mais algumas picadas daquelas na bunda. Finalmente aceitei o pequeno presente de Kishan, fazendo uma promessa para mim mesma de cuidar como minha vida daquele pequeno objeto.

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− Obrigada. – Apertei-o contra mim, em um abraço rápido, antes de pegar nossa mochila do chão, arrumando as alças. – Mas agora acho que é melhor você voltar para a sua forma de tigre, pois temos uma longa caminhada pela frente.

Em um piscar de olhos, o tigre negro já estava em minha frente, e pusemo-nos a caminhar pela longa mata fechada, e eu só esperava que Kishan soubesse exatamente o caminho explicado pelo senhor Kadam até a casa do ancião.

Perdi a conta de quantas horas estávamos caminhando naquela quente floresta, que fazia eu me sentir em uma sauna natural, suando alguns litros das muitas garrafas d’água que eu já havia bebido.

Kishan seguia o caminho lentamente ao meu lado, as vezes me empurrando com seu corpo para fora da trilha que havia se formado há alguns quilômetros, as vezes se esfregando em minhas pernas apenas para me fazer perder o equilíbrio.

− Você é um tigre muito malvado, sabe disso? – Perguntei, bufando enquanto me sentava na grama úmida, quando já devia ser começo de tarde e finalmente paramos para descansar.

Acariciei seu pelo, enquanto o tigre repousava deitado em cima de meus pés, ao mesmo tempo em que eu bebia a última garrafinha de água, agradecendo por estarmos perto de um rio, para poder enchê-la novamente.

O calor me dava vontade de simplesmente deitar da relva e tirar um cochilo, mas minhas ataduras começavam a incomodar minha pele devido ao sal do meu suor, e eu não via a hora de arranca-las.

− Como é possível esse lugar ser tão quente? – Perguntei para Kishan, pronta para tirar minha jaqueta, quando percebi-o de pé, tenso em minha frente, com os pelos eriçados e os olhos cravados em um ponto atrás de mim.

Levantei da pedra com um salto, e quando olhei ao redor, percebi que um outro enorme tigre nos espreitava a alguns metros, passando entre as árvores com seu inconfundível pelo laranja rajado. Instantaneamente senti meu corpo se contrair, e olhei para Kishan, que ainda encarava o tigre.

Os dois pareciam em uma batalha silenciosa por território, e eu não entendia como o outro tigre tinha coragem de enfrentar o animal negro e duas vezes maior que ele. Kishan chegou ao meu lado sorrateiramente, e começou a me rodear antes de rugir para o felino laranja que se aproximava, fazendo com que meu coração saltasse do peito.

Queria muito que a troca de rugidas significasse: “ Sinto muito, ela é minha, por que você não procura outra garota para devorar? “

Mas acho que tudo aquilo se tornou muito mais complexo, quando o alaranjado começou a correr em nossa direção, e Kishan virou-se para mim e rugiu, fazendo com que eu interpretasse como um pedido para que eu me escondesse.

A adrenalina que corria por meu corpo, foi a responsável por fazer minhas pernas correrem para longe dos dois tigres, que agora saltavam e duelavam com garras e dentes entre si. Minha respiração ofegante fazia com que eu suasse mais do que o normal, e minha cabeça parecia em pane, além de eu não saber exatamente para onde eu estava correndo, pois todas as árvores pareciam iguais.

Ouvi um rugido alto de dor ecoar pela floresta, afugentando alguns pássaros, e virei instantaneamente minha cabeça para trás, rezando baixinho para que Kishan não tivesse se ferido, mas infelizmente tudo o que consegui encontrar foram árvores e mais árvores.

Parei quando senti minhas pernas gritaram por causa das dores musculares, e meus pulmões buscavam bolsadas de ar a cada inspiração. Meus ouvidos captaram um barulho mínimo de farfalhar de folhas, e virei meu corpo para o som, na esperança de poder ver meu tigre negro saindo de trás dos arbustos.

Mas quando percebi que o tigre que se aproximava possuía a coloração alaranjada, tudo o que consegui fazer foi me afastar assustada enquanto gritava o único nome que meus pensamentos conseguiam processar.

− Kishan!

Não percebi quando tropecei em uma grande pedra que estava em meu caminho, e antes de cair no chão e bater a cabeça em um grosso tronco de árvore, um vulto preto pulou em minha frente, e um rugido furioso que reverberou por toda a floresta foi a última coisa que ouvi antes de fechar os olhos para a escuridão.

Continua...