O relógio bateu três horas da tarde e finalmente o último barco subiu para as copas das árvores. Raira tinha usado a varinha para fazer sua cadeira flutuar até a varanda, sem que precisasse andar. Sentia-se cansada, apesar de constante melhora. O sol esquentava sua pele, mas ela não quis voltar para dentro. Ruben estava escorado na parede, à sombra e longe do alcance do sol. Os dois observaram o último barco fazer seu percurso antes dele tomar a liberdade de falar.

— O garoto não é especial.

— Isso é o que nós vamos descobrir — ela respondeu.

— Eu não preciso olhar mais do que duas vezes para ter certeza. Os errantes não são os mais poderosos entre a nossa espécie.

Raira soltou uma risada cansada.

— Eles não são diferentes de mim ou de você.

— Diretora, eu entendo sua preocupação.

Ela parou de sorrir no mesmo instante. Então ele entendia, não era para menos.

— Você está preocupada com o que se esconde na floresta — ele disse quando ela não respondeu.

— Sim, é verdade. Mas não acredito que o que me preocupa não está mais escondido. Pelo menos não mais.

— Raira, se você acha que fomos diretamente atacados...

— E você não acha? — Raira encarou-o, firme. — Vários meses de controle e nenhuma morte! Eu vi o suficiente dessa criatura para saber que se ele quisesse um de nós morto, já o teria feito há tempos. El Tunchi não queria se alimentar, Ruben, e virar a escola inteiramente contra mim, a diretora, era seu principal objetivo. Eu não tenho dúvidas de que eles acordaram. Nunca tive. A nossa maneira de vida está sob ameaça há anos, Benedita mesma percebeu isso.

— Eu não estou dizendo que duvido — Ruben tentou se explicar. — Mas do que adiantaria educar um errante em atemporalidade? Por que por um conhecimento já esquecido nas mãos de um garoto ignorante?

— Porque ele pode ser o único que terá forças o suficiente para ver o que está por vir. Eu não darei as costas para a nossa única esperança, Ruben. Você tem que me prometer que o ensinará da forma certa.

Ficaram vários segundos em um silêncio desagradável, Raira o fitando intensamente. Então ele disse:

— Você tem a minha palavra.

Ruben se retirou e deixou Raira ainda pensativa encarando a floresta.