Castelo de Vidro

Olhos intensos e nebulosos


# Narração Erica (ON):

Crianças nascidas em berço de ouro sempre possuem tudo a seu favor, estudam nas melhores escolas, conhecem as pessoas "certas", elas parecem ter a vida perfeita para quem olha de fora, mas eles também passam por turbulências em suas vida, onde todo o glamour vira pó. A maioria dessas crianças possuem relacionamentos familiares frustrados, onde muitas vezes esses laços são desfeitos.

Nada substitui o amor e os efeitos que só ele pode produzir na construção de um indivíduo.

Em muitos anos trabalhando diretamente com essas crianças descobri que muitas vezes eles só querem ser normais. Muitas vezes as pessoas acham que ter dinheiro é o essencial pra ter uma vida feliz, mas o essencial é invisível para os olhos.

A cúpula em que eles vivem é totalmente tóxica, uma vez dentro sua forma de enxergar os fatos são modificados. Sempre mantive meu filho Bernardo longe desse mundo, mas dessa vez foi impossível, tive que me mudar pra dentro da "cúpula", precisava ficar mais perto dos meus pacientes.

Certas horas me pergunto se o quê eu fiz foi o certo, sei que meu filho é diferente, possui uma cabeça forte e um coração gigante e caloroso e não vai se deixar mudar.

Ele tinha saído a pouco tempo para encontrar uma amiga, no começo estranhei principalmente porque ele estava muito apressado.

Em menos de uma semana ela já estava chamando alguém de amigo. Quando perguntei quem era ele tentou desconversar, mas desistiu e me falou o nome da pessoa. Anna Júlia Konkovic, conhecia esse nome de algum lugar, principalmente por causa do sobrenome super famoso, a única coisa que consegui dizer pra ele antes de ele sair foi que ele não deixasse a menina o esperando muito tempo.

Nesse momento estava curiosa pra por um rosto no nome, ele tinha dito que viria com ela aqui pra casa, isso me aliviava, pois assim saberia rapidamente quem é essa garota.

Estava perdida em meus devaneios e nem escuto a porta abrir, somente acordei quando meu filho me chamou.

– Mãe... Essa aqui é a Anna Júlia Konkovic, a amiga que eu falei que ia encontrar e trazer aqui. - Bernardo apontava pra uma garota de aproximadamente 1,75 m que tinha cabelos medianos de cor castanho acobreado e um olhar intenso

– É um prazer conhecê-la Dona Erica. - ela me estendeu a mão e possuía um sorriso no rosto

Essa então era a tal Anna Júlia Konkovic, só de olhar pra ela conseguia enxergava aquela aura de garota problema, seus olhos eram intensos e nebulosos me lembrava vagamente os olhos de Capitu, acho que até a definição dos olhos de Capitu cairiam bem nela. Olhos de cigana oblíqua e dissimulada, os famosos olhos de ressaca.

– Também é um prazer conhecê-la.

– Mãe se a senhora nos dá licença vamos nos retirar.

– Fiquem a vontade.

Bernardo a levou até o seu quarto e escutei ele falando que já voltava. Ele parou na minha frente e me lançou aquele olhar mais do que conhecido, ele queria saber se ela tinha a minha aprovação.

– E aí mãe, o que você achou dela?

– Quer que eu fale como mãe ou psicóloga?

– Tanto faz, pode falar como os dois, é meio difícil separar essas duas partes. - ele deu de ombros

– Ela é simpática, mas os seus olhos são intensos e nebulosos, eles me remetem vagamente a Capitu. - não sabia se ele tinha entendido a referência

– Que bom que você gostou dela, vou emprestar uns livros pra ela, afinal dizem que ela ama ler assim como eu, talvez ela até me ganhe. - ele estava entusiasmado

Era bom ver meu filho assim, feliz, principalmente depois de saber que ele tem uma doença incurável e que ela traz muitas complicações, sorri levemente com essa cena. Ele viveria experiências totalmente diferentes e com certeza ensinaria algo para as pessoas com quem convivesse. Se ele estivesse feliz eu também ficaria.

# Narração Erica (OFF):

# Narração Bernardo (ON):

Depois de falar com a minha mãe entrei silenciosamente no meu quarto e percebi que Anna observava os meus livros com uma cara de quem estava tentando achar uma relação entre eles.

– Achou algo interessante? - ela deu um pulo com o susto que tomou

– Ai garoto não me assuste assim!! - ela apertou os punhos

– Desculpa, prometo não fazer isso outra vez.

– Certo. Você me perguntou se eu achei algo interessante e a minha resposta é sim.

– Então me fale as suas conclusões, eu to curioso.

– To tentando entender como você lê livros sobre a segunda guerra mundial e também lê a saga crepúsculo, sabe não faz sentido nenhum. - ela ficou com uma cara super engraçada e eu não aguentei e comecei a rir - Tá rindo do que? Quero ver você ler quando eu pegar todos os seus quadrinhos do Batman.

– Nem pense em chegar perto deles! Espera aí você gosta do Batman?

– Gosto sim.

– Nunca diria que você gosta, se me pedissem pra apostar eu perderia.

– As pessoas não sabem muito sobre mim, elas acham que sabe, mas a verdade é que elas só sabem o que eu quero que elas saibam.

– Você gosta de joguinhos né?

– E quem não gosta? Muitos jogos são interessantes.

– É bom te ver assim rindo, me faz até esquecer que a pouco tempo você estava apática.

– É bom esquecer certas coisas, nem que seja somente por um momento.

– Faz bem desabafar, manter seus problemas guardados pode te corroer.

– Não tenho o costume de desabafar, não é por falta de pessoas para me escutar, mas sim porque temos que aprender a lidar com a nossa dor.

– Mas muitas vezes você sente essa dor sem motivo algum.

– A dor é importante as vezes, ela alimenta seus monstros internos e te faz mais forte.

– Ainda acho que você deveria por para fora as suas frustrações, seus medos, suas angustias, te garanto que no final você vai se sentir mais leve.

– Não entendo porque todos falam isso, sinto que vocês tentam me consertar mas eu não estou quebrada.

– Não é questão de você estar quebrada e precisar de conserto, só estamos tentando demonstrar que você não está sozinha e pode contar com a gente pra enfrentar os seus problemas.

– Tudo bem... Você me convenceu. - ela olhou para um canto e seus olhos estavam vazios e distantes - Minha mãe e eu não nos vemos tem muito tempo e o Lucas descobriu que ela tem conversado com o meu tio e muitas vezes pergunta sobre mim, então ele resolveu buscar algumas informações e me mostrar no intuito que eu a procurasse, mas a única coisa que eu quero é continuar mantendo distância dela, porém ele continuou insistindo e eu explodi com ele.

– Eu acho que você deveria dar uma chance pra ela, porque se ela pergunta sobre você ela se preocupa.

– Se preocupa tanto que preferiu ir pro exterior e nunca dar nenhuma notícia. To vendo o tamanho da preocupação dela, é tão grande que me assusta! - ela ria debochada

– Ela pode ter mudado, já se passou bastante tempo. Por que você não conversa com a minha mãe, sabe ela pode te ajudar melhor que eu. Com toda certeza ela vai ter algum conselho pra te ajudar e eu sei que você vai se sentir melhor depois de escutá-la. Se você tiver com medo de falar com ela sozinha eu posso ir contigo. - dei o meu melhor sorriso a incentivando

– Dispenso o seu conselho principalmente na parte de falar com a sua mãe sobre os meus "problemas", não tenho vocação nenhuma e nem saco pra conversar com uma terapeuta, até porque eu não preciso. Não preciso de ninguém tentando me regular, eu sempre soube me virar sozinha e isso ainda não mudou. Não tente me convencer do contrário porque você não vai conseguir. - ela ficou irritada e saiu andando

Fiquei petrificado com a sua reação, ela foi embora, só deu tempo de escutar a porta principal batendo e em menos de dez segundo entra a minha mãe no meu quarto feito um furacão.

– O quê aconteceu? - ela estava preocupada

– Estávamos falando sobre um assunto delicado e eu acho que passei dos limites.

– Como assim?

– Ela não gosta de desabafar e quando a convenci acabei sugerindo algo que ela não gostou muito e meio que ela se irritou um pouco.

– Entendo... Ela passou que nem uma bala pela sala, só deu tempo de escutá-la agradecendo pela hospitalidade antes da porta bater.

– Mãe o quê devo fazer?

– Deixe-a esfriar a cabeça e depois você a procura, afinal se você for agora a situação pode ficar até mais complicada.

Faria o que minha mãe me aconselhou, esperaria um tempo até falar com ela novamente.

Eu achava que ela era simplesmente uma garoa, mas no fundo eu sei que ela realmente é um grande furacão.

Por trás daqueles olhos intensos e nebulosos existe muita dor, eu desvendaria essa dor e tiraria aquela máscara que ela usa. Só tenho medo de descobrir que ela usa tanto uma máscara que ela nem lembra mais que usa uma.

Em menos de uma semana ela revirou a minha vida de uma certa maneira que eu não consigo mais me afastar, preciso ajudá-la e eu nem sei qual é a magnitude do problema.

Eu quero estar em tua vida,
Cuidar de ti e te dar todo o meu amor,
Compartilhar contigo do teu dia-a-dia,
Viver contigo e participar da tua alegria.
Vou te consolar na tristeza e na dor

# Narração Bernardo (OFF):

# Narração Daniel (ON):

Estava na pracinha na companhia de Luiza, o dia estava lindo para ficar no balanço, logo anoiteceria e ficaríamos vendo as estrelas enquanto comentávamos trivialidades.
Vimos Anna Júlia passando transtornada e Luiza que não gosta nem um pouco dela não conseguiu segurar o seu comentário maldoso.

– Olha lá a Anna Júlia ela parece sem rumo, quem sabe assim ela enxerga que aqui não é o lugar dela e pega o caminho certo dessa vez e some daqui.

– Que horror, Luiza. Cala a boca por favor!

– Não acredito que você não vai me deixar zoar a imbecil!

– Tudo bem você não gostar dela, mas hoje ela não fez nada pra você e além do mais a garota não está bem.

Luiza ficou me olhando atônita e isso me deixou irritado, levantei e fui em direção a Anna, ela só percebeu que eu estava ali quando a chamei, estávamos a mais ou menos três casas da sua.

– Ei garota misteriosa! - ela olhou para trás rapidamente e me ignorou - Ei, Anna eu estou falando com você!

– O que você quer? - sua voz estava embargada

– Tá tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

– Por que você quer saber? Até parece que você se importa com o quê acontece comigo! - seus olhos de vazios passaram pra raivosos

– Porque mesmo você não querendo eu quero ser seu amigo.

– Não to bem, mas vou ficar. - ela deu um sorriso fraco - Agora se você me der licença eu quero ir pra casa.

– Deixa eu te acompanhar, faço questão.

– Ok.

– Sabe eu não sei o que aconteceu e provavelmente você não quer comentar sobre isso, mas eu acho que você não deveria ficar enfurnada em casa.

– O que eu deveria fazer então?

– O que você acha de tocarmos uma música.

– Tudo bem, eu acho uma boa ideia, mas eu não queria chegar perto do piano.

– Então vamos lá em casa, tocamos violão e cantamos.

– Beleza, mas você toca o violão, porque se você me colocar pra tocar não vai dar certo. - ela riu

– Ué por que?

– Simplesmente eu não sei tocar violão.

– Então já sei o que vamos fazer, vou te ensinar a tocar.

Entrelaçamos nossos braços e fomos lá pra casa, quando chegamos minha mãe abriu um sorriso enorme e abraçou Anna.

– Anna querida que bom revê-la!

– É bom revê-la também Sra. Fernandez

– Não precisa ser formal, Anna. Me chame de Adriana.

– Ok.

– Mãe qualquer coisa estamos lá no quarto ok?

– Ok. Minha querida sinta-se em casa.

Fomos para o meu quarto e eu peguei um dos violões e entreguei pra ela enquanto eu pegava o outro. Comecei a explicar os acordes básicos pra ela e ela foi pegando rápido.

Em mais ou menos 1 hora ela já arranhava algum som no violão. Estávamos nos divertindo muito é algo muito bom estava desabrochando. Aquilo era o começo de uma nova amizade.

# Narração Daniel (OFF):