...

Hyoga percebeu que ela se segurava para não chorar, mas lágrimas escorriam e pingavam em seu rosto. Se via forçando fechar os olhos tão forte que parecia espremer laranja e saindo seu suco, lágrimas no caso. Nem o cabelo em seu rosto escondia mais que chorava.

— Você está sendo egoísta em pensar só em si mesmo, a morte não é tão simples assim como se pensa. Seu... Egoísta! Egoísta, egoísta!

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Sua voz saia falhada e anasalada, e dava os mais fortes socos que conseguia no peito e ombro de Hyoga

— P-pare. - Pediu o rapaz.

— Parar? Você está me dizendo a um bom tempo que não pediu pra nascer e nem pediu pra viver a vida que tem, enquanto isso eu do seu lado chorando porque não pedi pra morrer. Eu faria de tudo, eu daria tudo em troca pra mudar de lugar de você e continuar vivendo a vida que eu tinha antes... - Ela soluçou bem forte. - Eu tinha meu pai, minha mãe, eu tinha música para cantar e dançar. Por conta de uma escolha errada eu sofri e perdi tudo. Tudo, eu tinha tudo na minha vida, e agora não tenho mais nada... Eu nem sei se meus pais sabem se eu morri, eles devem me odiar... Eu morri com eles provavelmente me odiando.

— ... Mas eu morreria com eles, da minha família me odiando.

— Não é a mesma coisa! Eu fiz uma coisa horrível, eu roubei deles e os desobedeci. Eu roubei de meus próprios pais. O que você fez? Arruinou o seu casamento? Você se casa de novo com outra pessoa, mas continuará vivendo, eu não!

Ele ficou calado por momentos vendo-a desabar de chorar encima de si. Não sabia que suas palavras poderiam machucar ela dessa forma, se sentiu a pior pessoa do mundo, nunca soube como conversar direito com alguém, e quando achou que conseguia agora, acontece isso.

Seu olhar caiu sobre a mão esquerda da noiva que limpava constantemente as lágrimas do rosto, o anel de ouro ainda estava ali, e ela percebeu.

— Eu achava que você iria querer ficar comigo pra não me deixar sozinha, de novo... Mas você só quer ficar aqui porque quer morrer e sair de sua vida.

— Não é verdade...

— É verdade sim! Você só está pensando em si mesmo esse tempo todo. Você só pensou em si mesmo... Esse tempo todo.

— Não...

— Queria eu ter a oportunidade de escolher se quero viver ou morrer, você a tem e escolhe morrer, você por acaso sabe o que é morrer?

Ele ficou em silencio.

— Eu fiquei presa na escuridão, sem saber das horas que se passavam, se era dia ou se era noite. Eu clamava, rezava, chorava, todo tempo para alguém me salvar e me tirar daquele lugar. Eu não dormia, eu não descansava, era como se eu estivesse acordada todo o tempo... Eu achava que eu estava constantemente presa naquele dia... Naquele dia... Eles...

Eris se levantou para se ajeitar-se no chão longe de Hyoga, encolheu-se no chão abraçando suas pernas como um cão encolhido de medo. Ainda murmurava sobre aquele dia. Hyoga se ajeitou ainda deitado no chão para mirar melhor a noiva. Não negava que tinha curiosidade sobre a vida e morte da loira, mas ao mesmo tempo sentia que não deveria perguntar sobre.

Éris...

Ele percebeu que suas mãos tremiam, ela estava envolta de medo. Deve ter sido muito assustador o dia de sua morte.

Hyoga...

— Estou aqui.

— Eu não... não vou negar que fiquei feliz em saber que você queria ficar aqui comigo... Mas agora não quero mais, não quero, eu não quero que você morra. Aquele homem disse que eu queria te matar...Mas eu não quero que isso aconteça.

— Que homem...?

— Aquele de cabelo vermelho que estava com você.

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— Camus.

Hyoga se lembrou do seu mentor, de seu melhor amigo. Jurou de verdade que não havia se lembrado dele e nem de Isaak. Seus melhores momentos de vida foram ao lado deles. Isaak, seu melhor amigo e companheiro. Era com ele que se divertia, conversava e agia como uma pessoa normal, sem restrições, sem etiquetas e regras. Isso desde criança. Pensou pela primeira vez o que Isaak faria se ele morresse, Camus também. Ele era mais como um pai para ele do que seu próprio pai. De todas as vezes que chorava com a tristeza e saudade de sua mãe, era Camus que o confortava, era Camus que o ajudava.

Éris tinha razão, estava sendo egoísta nesse aspecto se esquecendo deles dois.

— Eu não sou um monstro do que ele me chamou... Não sou

— Você não é.

— O que ele é para você?

— Camus? Ele é meu professor, meu mentor.

— Ele te ensina o que?

— Ensina tudo, desde educação, ler livros, etiqueta, e um pouco de piano, embora eu já sabia tocar piano antes de conhecer ele... Ele tem um irmão mais novo que é meu melhor amigo, o Isaak. Eu os conheço desde que eu era uma criança...

Eris não tinha mais lembranças de sua vida, fora aquelas que ela recobrou de sua família. Nada mais, mas acreditava que tinha vários amigos, professores... Mas não lembrava de nada. Era como se houvesse um abismo entre suas memórias.

Estava mais calma agora, afastara as lembranças ruins de sua morte, agora estava uma calmaria na igreja enquanto algumas velas se apagavam deixando o lugar um pouco mais escuro.

Éris... Posso te perguntar uma coisa?

— Fale.

— Você vai se magoar...?

— Como saberei se vou?

— Tudo bem... Melhor não perguntar.

Iria perguntar como foi a sua morte, não negava que ainda tinha curiosidade, mas achou melhor não fazer a pergunta.

Momentos em silencio ela quebrou a calmaria.

— Você perguntaria sobre como eu morri, não era?

— Não, não é isso.

— Então o que era que você perguntaria?

— Minha mãe... Eu queria saber se era possível eu encontra-la com ela depois que eu... For.

— Sua mãe? - Ela virou contra ele, não estava entendendo nada.

Eu perdi minha mãe quando eu era muito criança... E eu ainda sinto falta dela até hoje... Éris, eu não vou negar, eu queria morrer para também me encontrar com ela. É um desejo que eu tenho desde que eu era criança... Encontrar com ela novamente, sentir o abraço dela, o perfume dela. Ouvir a voz dela e o sorriso dela...

Hyoga começava a lacrimejar.

Eu sinto tanta sua falta... Eu queria ter ficado naquele barco com ela. Era para eu ter morrido naquele dia junto com ela... Esses anos todos, todos esses anos, todo esse tempo...Mesmo que ela estivesse morta, ela sempre foi minha única força e fonte de consolo. Mesmo que ela não estivesse mais aqui.

Agora era a vez de Hyoga desabar no choro e Éris assistir.

Eu não, em momento algum fui egoísta... Eu apenas não queria mais viver num mundo onde não existe mais a minha mãe... Mesmo se passando vários anos, anos de terapia, não adianta. Eu sempre volto à estaca zero e começo a chorar que nem no dia do náufrago...

Ele parou de falar quando se sentiu envolto em um abraço pela noiva com sua cabeça apoiada acima de seus seios. Um abraço terno, delicado e tão... Frio.

Não havia calor no corpo de Éris.

Por momentos Hyoga continuava soluçar no colo da noiva e ela apenas afagando seu cabelo. Nenhum deles percebeu que a borboleta morta no chão estava com as asas esfarelando com bolor, corrompendo suas asas lentamente e caindo no chão, as poucas velas acesas ainda queimavam seu pavio.

O ambiente estava tão frio que saia uma pequena fumaça da boca do loiro enquanto ele chorava e apertava mais o abraço, suplicando entre o choro por um pouco de afeto.

Desde criança ele sempre foi tão carente de afeto que nunca era recebido, nunca era compreendido.

Tinha muitos medos, muitas camadas de gelo em seu coração.

Muitas inseguranças, muitas outras coisas.

Queria morrer para reencontrar sua mãe, era isso que queria o tempo todo, mas não queria ser morto, não queria causar sua morte.

Se ele ficasse ali, naquele lugar, ele não voltaria mais a ver a luz do sol.

Nem mesmo a noiva sabe o que aconteceria com ele se ele continuasse naquele mundo cheio de neblina, sem cor, sem sabores.

Éris... Eu quero ficar com você...- disse ainda com o rosto afagado em seu colo.

— Não pode Hyoga... Você não pertence a este lado do mundo.

— Você foi a única que me deu isso, me deixou chorar em seu colo... Me deu um ombro amigo.

— Eu não podia deixar você sozinho se lembrando das coisas tristes... Você ainda está vivo Hyoga, você ainda tem muito que viver.

— Eu quero viver com você... Eu quero morrer e ficar vivendo com você. - Ele se levantou. - Você não entende essa dor no meu peito... É desejo de não continuar mais vivo, eu perdi toda a vontade de continuar vivendo, estou com pressa para partir, mas estou a tanto tempo esperando por isso.

— Hyoga...

— Se eu ficar aqui, nem eu e nem você, ficaremos sozinhos...

Ela apoiou a mão no rosto do loiro

Hyoga, desde que você colocou essa aliança em meu dedo e me tirou da escuridão, eu devo tanto a você. Agora eu posso sair daquele lugar, andar e até mesmo falar com você... Mas eu não posso ficar com você. Eu entendo a história que você não quis me contar, você estava noivo de outra pessoa antes de mim, e esse anel de ouro não me pertence.

Ficar aqui não trará sua mãe de volta, só vai deixar outras pessoas tristes que você nem sabe. Da mesma forma que eu não posso voltar para minha familia, por mais que eu quisesse...

Eu queria muito que no dia da minha morte, fosse apenas um roubo, eu queria muito que me deixassem viva, mesmo que tivesse me violado toda... Eu voltaria para casa, choraria, mas eu teria minha mãe comigo, meu pai comigo. Teria alguém em casa me esperando, mesmo que ainda estivessem com raiva de mim... Mas isso não aconteceu. Minha vinda se findou naquele dia.

Foi só uma desobediência, só uma em minha vida...

Hyoga, entenda... Você ainda tem tempo para voltar para casa, se desculpar pelo que você fez e continuar vivendo.

Viva a vida que eu queria continuar...

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— Mas se eu for embora, você vai ficar sozinha.

— Tudo bem Hyoga, eu estive sozinha esse tempo todo... Eu vou esperar a hora certa.

— Que hora certa é essa?

— É uma promessa. - Ela tirou a mão de seu rosto e pegou uma das mãos do rapaz e entrelaçou os dedos. - Nem eu e nem você ficará sozinho.

— Éris...

— Hyoga, não quero te deixar só, e nem eu mesma quero voltar a ficar sozinha... Eu não queria que você me deixasse aqui, mas também não quero que você fique comigo.

Éris... Não vou te abandonar, e nem me afastar de você. Não importa o que houver tentarei te salvar. Eu vou te tirar desse escuro, desse vazio.

— Vamos fazer uma promessa, Hyoga. Eu também não quero te deixar sozinho em sua vida, queria tirar toda dor de sua alma. Não depois de tudo que você já passou.

— Eu não vou soltar nunca sua mão Éris...

— Nem eu a sua, Hyoga...

A mão de Éris encolhia, a pele descascava e voltava a ficar esqueleto. Os lindos cabelos que antes estavam ressecados agora pareciam estar num aspecto de cerda de vassoura de palha. O seu rosto transmudava e ela escondeu abaixando-se.

Haviam três velas já se apagando, as asas da borboleta não existiam mais, eram como cinzas ao redor do corpo do inseto. Agora a última vela se apagava e deixava tudo mais escuro impossível de enxergar nada.

Uma escuridão desapareceu com os dois amantes.

...

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Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.