Cartas para Timóteo

O ombro de Deus


Deus, o que fizestes de mim? Por que me cavastes tanto? Por que me jogara a lama e permitiu-me amar novamente? Por que permitiu que meu caminho de cor estivesse Nele? Por que permitiu que caminho à Timóteo nascesse sem mapas? Por que?

Eu havia sido traído por Deus. Meu pai havia permitido em campanha o que neguei em minhas orações, orvalhando a árvore de meu peito e com felonia me persuadindo a seguir minha cura no caminho de cor com trajetória impossível – e aflamado eu permanecia desferido à ele, ao rapaz tímido e alvitado, com timidez poética que me dificulta a busca pelo mapa de sua estrada sem placas.

Eu estava perdido em um caminho desconhecido, andando em linha reta e implorando a adentrar a estrada do rapaz franzino e pálido, que jamais revelou-se ao mundo: eu muito sabia sobre sua corriqueira vida, mas pouco o conhecia, pouco o via e jamais o tocara.

Eu não sabia o que pensar, nem em que pensar, nem o porque da privação do pensamento. Só ele estava em minha mente.
Só ele me pertencia agora e eu estava completamente apaixonado por Timóteo, embora isso não fosse algo inadmissível a mim, algo que jamais cogitara viver, mas que hoje tornara-se realidade.

Eu estava completamente entregue a ele. Eu havia virado humano e humanizado ao máximo minha vida.

O que fazer agora? Eu estava com a visão focada, mesmo que isso significasse algo incompreensível, uma forma ao nada. Uma integração da própria desintegração.


Eu estava todos os dias, ao mesmo horário, no mesmo lugar. Olhava aflito de um lado ao outro mas não o via. Ele era alguém imaginário e eu torcia e me forçara a acreditar nisso, mas tinha medo de começar a fazer sentido e estar apaixonado por minha criação.


Eu teria de usar meu desprotegido coração para falar o nada ao ninguém, uma analogia infantil de uma criança que pensa ao nada. Mas eu era medroso e corria o risco de ser esmagado por um choque de realidade ao acaso.

Ele apareceu novamente.

Um súbito choque de compreensão me revelou a gota de incompreensão que me afligia. Me perdi em pensamentos. Trocamos uma ou duas palavras e minha total ignorância sentimental palpitou-me ao coração. Soube o que não pude entender, um perigo esquecido.

Sua única aparição me causara danos irreversíveis. Eu podia me sentir humano. Podia sentir o sangue em minhas veias e podia ouvir minha respiração: eu era real e Timóteo também era. Eu podia tocar-lhe, podia dar-lhe a mão e definir algo que sempre esperei da alegria.

Ele não era mais sonho, estava nos mundos dos visíveis e fálicos, algo muito maior que a fantasia, algo que não possui definição concreta e...

Seria o amor o que estou sentindo? Um amor tão cego que é cru aos olhos comuns? Um amor inalcançável? Um amor que não possui fim ou meio, apenas se inicia? Que permanece incompleto e termina ao amargo de um café mal adoçado e fraco? Será esse meu destino? Será essa minha dor de conhecer a estrada com cor mas jamais caminhar sobre ela? Será Timóteo um...

Não tenho mais nada a dizer ou indagar-me: junto-me ao silêncio da sala e retiro minha mente da nuvem de caos que ela habita: ela não tinha perdão, havia sido traída por seu único pai e estava jogada ao vale de todos os esquecidos.

Minha mente precisara urgente de descanso.

E meu coração, de alimento.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.