Você percebe o quanto um dia pode ir de mal a pior quando está em um hospital a mais ou menos duas horas andando de um lado para o outro esperando alguma noticia.

Minha cabeça dói e minha garganta está seca. Eu preciso tomar um ar. Sento-me na cadeira de plástico ao lado da minha mãe e começo a repassar do dia detalhadamente na minha cabeça, tentando encontrar alguma explicação para aquilo ter acontecido.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Eu havia acordado tarde com a minha mãe batendo na porta do meu quarto. Eu tinha dormido por cima da mala entreaberta, já que no dia seguinte iriamos viajar para a Califórnia. Eu não queria levantar.

– Hope, você está bem? – Minha mãe perguntou e eu resmunguei algo me remexendo e batendo minha cabeça nas rodinhas da mala. – Já são três da tarde, Hope. Por que você ainda não acordou?

Apertei os olhos com força, sentia que havia ficado horas e horas hibernando. Havia ido dormir de madrugada por estar trocando mensagens com Tyler e tentando inutilmente separar minhas roupas para a viagem.

– O jogo de Henry será em trinta minutos. Seu pai disse que você deveria ir.

Eu não queria ir. Eu odeio jogos de basquete. Mas eu precisava, Ethan e Charlie me encheriam o saco até a próxima reencarnação se eu não fosse, ainda mais por ser final de campeonato. O time de basquete da Walter sempre foi considerado uns dos melhores da região.

Eu gemi um “tudo bem” e me arrastei para fora da cama. Talvez eu tenha demorado tempo demais no banho, pois meu pai começou a bater na porta impaciente e me chamar aos berros. Eu estava cansada e com fome, por isso fazia tudo lentamente.

– Nós já vamos! – Mamãe gritou do segundo andar e eu corri pelas escadas segurando minha York no braço direito. Ela havia crescido alguns centímetros em uma semana. O nome escolhido foi Muffin, mas não havia contado para Henry ainda por medo dele não aprovar.

A quadra estava lotada e com uma iluminação ofuscante. Meu rosto inchado e marcado pelo sono era notável a quilômetros de distancia. Eu fiquei em pé na arquibancada perto das minhas amigas, ao meu lado Sophia usava uma blusa preta escrita “Henry Adams é o melhor!” e usava pompons a todo o momento os sacudindo e gritando “Vai Walter!”

O problema foi que os meninos começaram perdendo. De alguma maneira parecia que eles não queriam ganhar o jogo ou estavam desmotivados para tal ato. Meu pai parecia que havia envelhecido alguns anos a mais, xingando e apontado pro placar.

Charlie torceu o tornozelo no segundo tempo e eu comecei a ficar desesperada sacudindo Muffin. Minha garganta estava rouca de tanto gritar o nome dos meus amigos e do meu irmão. Sem Charlie o Henry ficava sozinho e a dupla imbatível do time era acabada.

Estávamos no terceiro tempo. A Walter perdia por cinco cestas, dez pontos e Sophia parecia estar entrando em desespero. Ethan havia deixado de ser ala direita para ser pivô e Henry continuou no posto de capitão, ele era ótimo naquilo, apesar de ser muito preguiçoso. O clima estava tenso, Callie e Jassie haviam montado uma pequena torcida e gritavam com os rostos pintados. Lília estava do outro lado da arquibancada, ao lado de Anna Palmer, que tirava fotos e preparava a próxima matéria do jornal escolar sobre o jogo.

Faltando apenas trinta segundos para finalizar o jogo tudo estava em completo silêncio na quadra. A Walter perdia, com uma cesta empatava, com duas ultrapassava. Apenas quatro pontos. Minha mãe estava aflita ao meu lado com os dedos cruzados. Meu pai olhava fixamente para Henry e Sophia havia se juntado na torcida, com uma esperança estampada nos olhos brilhantes. Eu estava quieta segurando Muffin e fazendo uma prece silenciosa para o time conseguir virar.

Apenas trinta segundos.

O treinador pediu um tempo, mas ao contrario dos outros jogadores Henry e Ethan não foram ouvir as táticas para o jogo, eles ficaram lado a lado fazendo gestos com as mãos. As veias saltavam do pescoço de ambos, parecia que eles estavam gritando um com o outro.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

O apito soou. Os jogadores voltaram para a quadra. Ethan colocou uma mão no ombro de Henry e cochichou no seu ouvido, meu irmão assentiu e por um milésimo de segundo olhou para a arquibancada, diretamente para mim. Aquilo me fez gritar seu nome e pular de um lado para o outro.

Aconteceu o seguinte: O time rival não teve a chance de contornar a quadra, pois Travis roubou a bola e atravessou para o outro lado, em seguida jogou a bola para Henry. Três brutamontes tentaram ir para cima dele, e parecia que Henry e Ethan haviam combinado alguma jogada. Foi muito rápido, Henry jogou a bola para Ethan, que atravessou pelo garrafão e fez uma bandeja. A torcida foi a loucura. Estávamos empatados.

Quinze segundos.

A bola foi para o time rival e novamente Travis conseguiu roubar. Eu achei que ele iria passar para Henry, mas ele tocou para Michael, eles ainda estavam no lado de defesa, Henry correu e atravessou para o meio da quadra, Michael passou para ele.

Cinco segundos.

Eu gritei aflita: Passa pro Smith! Mas Ethan estava marcado. Henry se posicionou na linha de três e jogou a bola no ar. Eu prendi minha respiração e fechei os olhos.

O apito soou, finalizando o jogo. Senti algumas pessoas pularem ao meu lado e ao abrir os olhos novamente olhei o placar.

St. Louis 48 X 51 Walter.

Eu comecei a gritar e as pessoas invadiram a quadra comemorando. Ethan e Henry estavam abraçados segurando o troféu de primeiro lugar e posando para uma foto do jornal escolar. Fiquei parada na arquibancada vendo meu pai dar tampinhas orgulhosos nas costas de Henry, minha mãe tinha um sorriso e Sophia pulava de um lado para o outro.

Já na saída, dentro do carro, peguei a medalha de Henry e fiquei brincando com ela entre meus dedos. Meu irmão não ria mais, na verdade ele estava com uma expressão fechada.

– Cadê o Tyler?

– Eu não sei. – Fui sincera, a última vez que falara com Tyler fora as quatro da madrugada.

Henry não parecia decepcionado, ele só assentiu, passou o sinto de segurança e pegou a York no colo.

– Escolheu um nome?

– Muffin.

Muffin? – Me olhou confuso e eu assenti. Juro que vi a sombra de um sorriso em seus lábios, apesar dele ainda continuar sério. – Eu gostei.

– Sério? – Aquilo havia me pegado de surpresa, Henry nunca concorda com minhas escolhas. Ele assentiu e eu ri. – Obrigada.

O mau humor de Henry continuou até que chegamos em casa. Ele subiu as escadas rapidamente e minha mãe foi preparar o jantar. Eu estranhei quando comecei a ajudá-la e não encontrei nenhuma faca disponível, parecia que todas haviam sumido. Meu pai estava na sala olhando para as notas bimestrais de Henry e comentando o quanto ele havia melhorado, mas em química ele parecia enfrentar um problema em cobrir a nota.

Eu senti que alguma coisa estava errada. Desde cedo. Desde quando Henry não reclamou da minha demora no banho, ou dos meus berros no jogo e muito menos do nome escolhido para Muffin. Ele parecia estar determinado a agradar as pessoas.

Eu lembrei de relance da nossa conversa no gramado, sobre ele estar cansado. Então eu percebi. Percebi que ele não queria agradar, ele queria se livrar.

– Mãe. – Chamei-a aflita já subindo as escadas, esperava que ela estivesse me seguindo, e bati na porta do quarto de Henry. Estava um silêncio ensurdecedor. – Henry? Você está aí?

Nenhuma resposta. Agachei-me e espiei debaixo da porta. E luz estava acesa, cadeira fora do lugar e papeis jogados no chão. Bati mais uma vez, sentindo um aperto no peito.

– Henry! – Gritei batendo com mais força. – Henry, fala comigo, por favor! Henry!

Meus pais haviam se juntado a mim e batiam na porta. Minha mãe chorava e meu pai tentava atrapalhadamente abrir, ele se jogou três vezes contra a madeira fria e na quarta as dobradiças quebraram.

Então eu vi. Vi o corpo de Henry suspenso no ar. Vi com horror minha mãe se jogar no chão e meu pai gritar. Eu estava estática olhando para seu rosto pálido, olhos fechados e lábios roxos. Eu nunca havia dito a ninguém antes, mas achava Henry bonito, lindo até, com aqueles cabelos dourados e olhos brilhantes cor de avelã, e ele ficava ainda mais bonito sorrindo. Mas naquele momento, Henry estava horrível.

Havia uma corda em seu pescoço que ia até o lustre. Facas acima da escrivaninha e copias da chave do seu quarto. Estava tudo planejado. Ele não queria ser salvo.

De alguma maneira meu pai conseguiu desfazer o laço do seu pescoço e eu liguei para a ambulância. Eu chorava tanto que não conseguia dizer palavras coerentes para a atendente do outro lado da linha. Minha mãe estava em choque sentada na cama balançando o corpo de Henry e perguntando a si mesma: Por quê?

Não demorou muito para o socorro chegar, um enfermeiro checou o pulso de Henry e disse que ele ainda estava vivo, mas não sabia se ele suportaria a jornada até o hospital. Eu não tive paciência e força para comunicar alguém, apenas Sophia, que não acreditou quando eu lhe contei o que havia acontecido.

Eu ainda não acredito no que aconteceu. Fico me perguntando seus motivos. Fico me questionando seus pensamentos. Era para Henry estar feliz, ainda mais com as suas notas e o resultado do jogo. Eu simplesmente não entendo porque ele tentou cometer...

Eu não consigo dizer a palavra. Ela está lá, no fundo da minha mente, em letra cursiva e florescente. Fica presa na minha garganta e deixa um gosto amargo na minha boca.

Quando as pessoas que aos poucos chegam no hospital perguntando o que aconteceu eu não consigo dizer.

Uma única palavrinha.

Suicídio.

....

Sophia parece que morreu mil vezes nas últimas horas, seu rosto está abatido e ela fica olhando com expectativa para a porta da sala de espera, aguardando alguém entrar e dizer a situação de Henry.

Quando isso acontece eu sou a primeira a levantar e caminhar em sua direção. Minha mãe parece ter perdido a voz e entrado em estado vegetativo. Ela assente diante das palavras do médico, mas sei que ela não está realmente aqui. Ela está perdida na nossa casa, no quarto de Henry, revivendo aquela cena.

As noticias foram boas. Henry ainda continua vivo e respirando normalmente. Nós já temos permissão para entrar.

Meu pai está no canto do quarto e minha mãe se inclina sobre Henry, tocando-o no rosto. Sua aparência melhorou consideravelmente, seu rosto está mais corado e ele respira de maneira lenta, mas respira.

Pego sua mão e a trago em direção aos meus lábios, está tão fria que eu sopro rajadas de ar quente para aquecê-la. Ele está dormindo e espero que nunca saiba das coisas que estou prestes a dizer.

– Olha, eu sei que não sou a melhor irmã do mundo. Sei que você me odeia. Mas eu te amo. Claro que você é um insuportável, mas eu consigo superar. – Eu começo a gaguejar e minha mãe sorri timidamente para mim, aperto sua mão com força e me inclino sobre ele. – Você me assustou, não faça mais isso, por favor. A vida é uma merda, eu sei, mas é bela. Por favor, eu imploro, nem ao menos pense em fazer isso novamente.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Eu beijo sua testa, que ao contrario de sua mão, está quentinha. Alguns fios do seu cabelo grudam em meus lábios, mas eu não me importo.

Quando me afasto Henry está com os olhos abertos e uma expressão confusa. Encara-me diretamente nos olhos por algum tempo, eu não consigo decifrar nada no seu olhar, depois ele desvia o olhar para nossas mãos entrelaçadas e volta a me encarar. Sorrio.

– Bem vindo de volta.

Henry revira os olhos e passa a observar o quarto, parando demoradamente na maquina de batimentos cardíacos. Depois olha para nossos pais e volta a fechar os olhos.

– Eu acho que ele vai ficar bem. – Minha mãe sussurra parecendo tentar convencer a si mesma. – O médico sugeriu um programa hospitalar que ajuda as pessoas depressivas e... – Ela perde a voz por um momento. – Ele vai ficar bem! Nós vamos ajuda-lo, seja com o que for. Não podemos cancelar a viagem de amanhã, temos que fazer o possível para animá-lo. – Cassie vem até mim e aperta meus ombros com força. – E eu preciso da sua ajuda. Você pode me ajudar com isso, não pode? Você pode! Henry é um garoto complicado, mas ele tem salvação. Você vai me ajudar!

Ela me sacode e eu assinto, mesmo sem saber exatamente com o quê ela quer ajuda, mas vou fazer o possível e o impossível para manter meu irmão salvo. Salvo do mundo e de si mesmo.