Nas histórias de ficção normalmente o momento que o personagem acorda é abrupto e inesperado, introduzido por coisas do tipo despertadores ou pais escandalosos. Isto sempre me deixava intrigada, podia ser apenas eu, mas quando acordava eu tomava meu tempo, tudo era bem devagar e calmo, pois eu sempre acordava sozinha. Eu demorava bastante até entender que a vida continuava e que minhas seis horas, ou menos, de sono teriam de ser interrompidas.

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A primeira coisa que fiz foi olhar pela janela, ver se o céu ainda estava negro caso eu ainda pudesse dormir, mas estava rubro então me levantei, com pouco entusiasmo. Abri meu armário, peguei uma camiseta aleatória, que logo fui perceber que era minha blusa verde de Zelda com o símbolo da triforça estampado em cima, o que me fez sorrir pois era uma de minhas roupas preferidas. Ela acompanhava uma calça jeans meio gasta como era previsível de meu uniforme pessoal, já que a escola não oferecia nenhum.

Minha ida para escola era sempre a mesma coisa, quinze minutos de fone de ouvido ouvindo música clássica do século XIX fingindo escutar seja lá o que meus pai estejam falando. Normalmente estão me perguntando se as pessoas que costumavam falar comigo três anos atrás ainda eram meus amigos, se eu tinha dinheiro para almoçar ou se eu estava com o celular carregado. As respostas na maioria das vezes eram não, sim e não, respectivamente. Eu não comia muito, não por que eu me preocupasse com meu peso ou qualquer coisa assim, eu só não sentia fome muito frequentemente, então eu sempre tinha dinheiro o suficiente. Quanto ao meu celular, eu o carregava muito raramente, porque eu sempre perdia meu carregador e eu nunca me incomodava em procurar.

Às vezes eu gostava de fechar os olhos dentro do carro e fazer o caminho na minha mente para ver se eu acertava. Eu sempre ganhava este joguinho interno, de tão acostumada que estava com a viagem de quinze minutos, e então abria os olhos ao ouvir minha mãe me mandando acordar porque nós já tínhamos chegado.

Então saí do carro e adentrei a escola, assim de uma vez só como se estivesse engolindo remédio ou arrancando band-aid.

Lembrei-me então da carta que escrevi para Daniel no dia anterior, sorri internamente zombando de mim mesma. Tudo o que eu fazia era rotina, eu nem sequer me dava o trabalho de mudar, eu mesma escrevi para Dan “Se acostumar é obrigatoriamente uma coisa ruim”.

Abri meu armário e tirei minhas coisas de dentro de minha mochila, por último coloquei o boneco de pano lá dentro. Eu trouxera comigo na escola para ao menos fingir que ainda era a mesma coisa e que eu ainda podia contar com minha imaginação. Fechei e tranquei a porta do armário com meu novo, velho, cadeado e então sussurrei o resto do que escrevi para Dan, baixinho apenas para que eu pudesse ouvir.

– Já é tarde demais para mim.

– Quem é você para julgar isso? – Alguém me respondeu.

Eu congelei, fiquei torcendo para que eu tivesse me enganado e que eu só tivesse escutado alguém conversando passando pelo corredor. Então me virei devagar só para ter certeza, e como eu queria não ter certeza.

Eu esperava ao menos ver alguém que eu conhecia. Mas não, era um garoto que eu nunca vi na vida. Nem na minha sala, nem sequer na escola inteira. Não tive certeza se eu era baixinha ou se ele era alto demais, pois precisei erguer a cabeça de leve para olhar diretamente para ele. A primeira coisa que vi foram seus olhos, de um castanho tão claro que quase não tive certeza da cor. O cabelo alinhado era mais escuro, sua franja quase lhe caia aos olhos e me fez questionar mentalmente se ele não cortara estrategicamente para evitar isto. Suas mãos estavam dentro dos bolsos das calças e ele sorria para mim, confirmando minhas suspeitas de que era comigo com quem ele falava.

– Olá, Alex. – O garoto me cumprimentou, sua voz parecia ter um tom zombeteiro natural que provavelmente me irritaria se eu passasse muito tempo a escutando.

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– A gente... A gente se conhece? – Hesitei antes de perguntar porque não quis parecer grosseira, mas eu realmente não conhecia aquele ser e era um pouco estranho ele saber meu nome.

Ele pareceu não saber se aumentava seu sorriso ou se o fazia desaparecer, então fez um de cada vez.

– Alex? Jura? Tudo bem que a gente não se fala já faz um tempo, mas vamos lá. –Ele insistiu, como se tivesse certeza de que uma hora ou outra eu iria me lembrar dele.

Tudo o que eu fiz, e pude fazer, foi desviar o olhar e dar de ombros. O garoto suspirou como se estivesse cansado e apontou para si mesmo com o indicador.

– Daniel. – Ele se introduziu.

Engoli o seco, olhei para o menino da cabeça aos pés, era um garoto perfeitamente normal, poderia andar pelas ruas de Brasília e encontrar cinco sósias no caminho de casa, mas sim, ele era parecido com meu Daniel. “E o Daniel é parecido com qualquer outro garoto”, disse a mim mesma, “Sem chance, né?”.

– Bem, é um prazer, – Respondi enfim. – parece que você já sabe meu nome então é inútil tentar me apresentar. –Fiz uma pausa. – Mas posso saber como você sabia?

Ele suspirou de novo, tentando se fazer parecer ainda mais cansado.

– Vamos tentar de novo, Alex. – Ele então apontou para si mesmo novamente. – O Daniel. O Caro Daniel. O Dan.

Então eu o encarei por alguns segundos, ele parecia realmente desapontado comigo e eu não quis expressar nenhuma reação. Me virei e comecei a andar para fora do corredor e fingir que nada tinha acontecido. Teria dado certo se Daniel não tivesse começado a me seguir.

– Aonde você vai? – Ele me perguntou.

– Você não é o Dan. Como você sabe sobre ele? –Eu respondi, mas não à pergunta que ele me fez.

– Eu sou o Dan. – Ele ainda me seguia, me respondeu sem a menor falha na voz.

– Você... Ele não é real. – Eu relembrei prontamente – É um personagem. Um amigo imaginário.

– Eu sei, eu sei. Estou tão confuso quanto você.

Chegamos na frente da sala aonde eu teria aula assim que o sinal tocasse, até lá sempre era o espaço mais vazio da escola. Deixei a mochila cair em frente a porta e olhei para Daniel nos olhos, ele não estava mentindo para mim. Eu fiz que não com a cabeça, eu não sei se eu estava parecendo tão assustada quanto eu realmente estava.

– Isso é impossível. – Foi a única frase que consegui formular.

– Bem, eu estou aqui, então acho que impossível não. – Ele deu de ombros – Só extremamente improvável.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.