Camp Paradise - Interativa

Capítulo X: PARTE III - Como a morte não poderia parar para mim, eu gentilmente parei para ela


Elizabeth Naomi Manson Schneider, Effy

‘’Vagando entre dois mundos, um morto

O outro impotente para nascer,

Sem um lugar para descansar minha cabeça

Como eles, na terra eu espero aflito’’.

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— A menina submersa, memórias.

(Sábado, início da madrugada).

Uma mentira que sempre conto é sobre o motivo que me levou a ir ao Acampamento pela primeira vez. Quando questionada sobre isso, sempre falo que minha mãe surgiu com a ideia quando eu tinha onze anos e que eu, como uma pessoa caseira e da cidade, achei tudo ridículo, mas que acabei aceitando depois de várias discussões com a promessa de que se não gostasse poderia voltar para casa. Que me apaixonei perdidamente pelo Acampamento assim que coloquei meus pés na propriedade e que entre as opções de voltar para casa e ficar entediada por dois meses ou permanecer no Acampamento, preferi a segunda por livre e espontânea vontade.

Eu nunca falo que meus pais surgiram com a ideia quando eu tinha onze anos, mas não como uma sugestão. O tema Acampamento surgiu em forma de missão e a primeira coisa que aprendemos na minha Família é que você nunca pode recusar uma tarefa. Nunca falo que não sou caseira ou da cidade porque isso não meu foi permitido, ou seja, a permissão para descobrir se esses termos se encaixam ou não a minha personalidade não me foi dada. Arrancada do berço para viver numa floresta, depois viajando o mundo com a Família e mais tarde fazendo-o sozinha graças as missões que geralmente me levam como destino final a um acampamento militar afastado de tudo, nunca tive a chance de ficar mais de um mês no mesmo lugar para avaliar se poderia chamar algum lugar de casa. Se preferia sair ou permanecer no quarto. A vida agitada da cidade grande ou a tranquilidade do campo.

Nunca falo que mesmo quando as pegadinhas começaram, quando eu quase morri afogada e liguei para os meus pais de madrugada chorando, implorando para voltar para onde quer que fosse, eles me chamaram de fraca, me culparam e ameaçaram dizendo que eu sabia muito bem as consequências de falhar numa missão. Que odiei o Acampamento com todas as forças assim que coloquei meus pés no trem porque ele representa tudo aquilo que minha Família é: um bando de pessoas podres com seus segredos tóxicos escondidos pela fachada rica e bem cuidada.

Não, eu nunca falo nada disso. Na verdade, eu nunca falo realmente o que estou pensando.

Até mesmo porque quando falo, minha opinião geralmente é descartada com muita facilidade. Um exemplo disso é minha tentativa frustrada de fazer os Deallor ficarem no Acampamento e permitirem que eu siga viagem sozinha. Apesar de não terem agido como minha Família, que geralmente faz que não me ouviu ou simplesmente faz um gesto com a mão como se espantasse uma mosca, eles não ouviram todos os ótimos argumentos que eu tenho para manter qualquer um longe da minha Família.

Suspiro contrariada enquanto pego o telefone e ligo para Alexander. Como o avião usa qualquer satélite que esteja perto da aeronave, o rastreamento é praticamente impossível de modo que tento não me preocupar muito. Missa já havia me dado alguns comprimidos e checado meus machucados há algumas horas atrás. A viagem dura quase 12 horas o que significa que no horário de Aentriv chegaríamos ao nosso destino às sete da manhã. Porém, com o fuso horário de sete horas, os Deallor, Missa e eu estamos sobrevoando o Canadá de madrugada, pousando em Ottawa meia noite em ponto, se tudo der certo.

Bem, aparentemente falhei na missão de voltar para o Acampamento no sábado, porém como esta tarefa foi dada por Stephan que tentou me matar, ao que tudo indica, sem motivo, eu não poderia me importar menos. Apesar de chegar ao solo canadense nos últimos minutos do sábado, não chegarei ao Acampamento primeiro que os raios de sol que iniciam a manhã de domingo.

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Antes que eu possa divagar mais, Alex atende.

— Amiable.

— Enamor – falo. – Qual é a situação?

— Nossa! Obrigado pela preocupação, eu estou bem e você? – ele fala irônico.

— Alex – solto num suspiro cansado.

— Desculpe, não estou acostumado a ter conversas formais com você – ele fala sem conseguir conter a risada, mas então pigarreia. – Certo. Seu primo chegou não muito depois que você se foi e está em ótimas condições. Estamos na casa do vovô e para sua alegria, consegui ter uma conversa particular com ele hoje quando caminhávamos pelos jardins. Espero que esteja sentada porque você pode se surpreender com as informações.

‘’Fiorella e Heinz receberam muito bem William, mas só pude informar a real intenção da visita quando andei pela plantação de uvas hoje pela manhã. Disse a Heinz que você mandou o pequeno Manson para nossas garras com a intenção de que nosso avô o treine para ser Capo ou seja lá como os ingleses chamam. Heinz aceitou visando, é claro, que no futuro William lembre disso e se torne um aliado’’.

— Então Will será preparado, mas você informou Heinz que os outros Manson não sabem e são contra isso?

— Sua falta de confiança em mim é comovente – ele fala debochado. – Sim, informei e na verdade Heinz achou tudo muito divertido e irônico. Enfim, William já foi informado que será treinado e terá nossa proteção enquanto se manter na propriedade e for fiel a Família.

— É claro.

— É claro. Falar que meu pai tentou te matar foi um pouco mais difícil porque como ambos sabemos, Heinz prioriza a Família e ter que basicamente acusar meu pai de tentativa de assassinato não foi uma das tarefas mais fáceis. Mas como sabemos também, você é a neta preferida, então vovô quase surtou quando eu disse que você era a vítima. Sério, eu achei que ele ia morrer caído em cima da plantação de uvas* e eu só ia perceber depois porque estava andando na frente.... Enfim, ia ser péssimo se eu matasse vovô. De qualquer forma, ele pareceu verdadeiramente surpreso e furioso para mim, então acho que a atitude do meu pai foi algo isolado.

— Não tenho tanta certeza.

— O que quer dizer com isso?

Tamborilo com os dedos no braço da cadeira.

— Aentriv foi atacada enquanto eu estava lá. Os Deallor são aliados e me ajudaram a escapar, mas eu pude avistar alguns alemães no meio dos maltrapilhos... Assim que me encontrei segura, meu pai entrou em contato com meus contatos informando que quer me ver imediatamente. É estranho.

— Talvez ele ache que você está no Acampamento...

— Nós dois sabemos que isso é impossível. Com Mickey e Richard, que aliás devem estar uma fera porque basicamente fugi deles, eu indo para a propriedade em Lake Tahoe... É impossível meu pai não saber que eu estou fora da propriedade.

— O que quer dizer com isso? Acha que o meu pai e o seu estão juntos nisso?

Permaneço em silêncio por alguns segundos, pensando no que dizer.

— Os homens são mais perigosos que os lobos – falo antes de finalizar a ligação. – Preciso ir Alex. Mantenho você informado.

Fito o telefone por alguns minutos, aproveitando o fato de que Mika está dormindo depois de chorar de preocupação com os pais. Kairo acabou caindo no sono, sentado na poltrona ao lado da irmã, depois de segurar a mão da mesma e tentar acalma-la. Alec me deixou a sós na cabine do piloto e foi procurar algo para comer tem alguns minutos. Por fim, não vejo Missa desde que ela parou de pegar no meu pé com relação a repouso, curativos e remédios.

Permito que minha mente divague e vá para o último 14 de fevereiro, um sábado. Na época, Mavis não estava brava comigo e eu havia me aproximado do seu grupo de amigos do colégio uma vez que passei boa parte do ano letivo em Ottawa. Fomos para a aula pela manhã e em vez de cada uma ir para sua casa às 15 horas, nos reunimos na casa da May onde passamos o resto da tarde conversando, vendo filmes e comendo besteiras. Lembro que ajudei cada uma a se vestir, fazer o cabelo e a maquiagem para seus respectivos encontros.

Depois de muita timidez e enrolação, após dois anos Zippy e Olivia finalmente estavam namorando e aquele seria o primeiro dia dos namorados do casal. Alessia ia num encontro duplo com uma amiga do teatro e estava na esperança de que o cara fosse no mínimo interessante. Robert havia se assumido gay há quase um ano e por isso ele, Mavis e Chantel iriam a uma balada no centro da cidade em busca de algumas bocas desconhecidas.

Antes que o horário do encontro de algumas delas chegasse, uma buzina foi ouvida e Mavis correu para a janela do seu quarto, abrindo a cortina e fazendo uma cara desanimada enquanto se virava para nós três.

— Seu príncipe no cavalo branco chegou – Mavis falou para mim.

Sorri com seu biquinho e fui abraça-la.

— Não se preocupe May, vou na balada com todos vocês outro dia.

— Sei, sei – ela falou me abraçando de volta.

— Você fala como se não visse ela todos os dias – Alessia falou passando a mão em seus cachos enquanto eu pegava minha mochila e minha mala do lado da cama.

— Dylan também vê ela todo dia, essa viagem é desnecessária!

— Você fala isso, mas se fosse o Jason chamando você para viajar não seria nem um pouco desnecessária – falei abrindo a porta e acenando.

Lembro-me de que desci os degraus rapidamente e abri a porta da frente podendo avistar Dylan em pé apoiado no porta malas do carro, que de fato era branco, olhando para o chão. Ele sorriu para mim quando ergueu os olhos azuis da grama, fazendo minhas pernas amoleceram igual aconteceu na primeira vez que recebi aquele sorriso tenho ‘’32 dentes perfeitos’’. Fechei a porta e caminhei em sua direção enquanto ele abria o porta malas e estendia a mão para minha mochila.

Depois que tudo estava em seu devido lugar e nós estávamos sentados no banco do carro ouvindo uma rádio qualquer, fazendo planos para nosso final de semana em Avonlea, rindo e comendo o saco de batatinhas que Dylan havia comprado, fingindo que éramos dois adolescentes normais que estavam namorando e indo fazer uma viagem juntos, jamais imaginaria que meses depois eu teria matado o irmão dele.

Suspiro quando Alec abre a porta e desvio meu olhar parado do telefone e encaro a vista, vendo a cidade se avolumando ao longe. Alexandre começa a falar que tem algumas coisas comestíveis no frigobar, mas para quando senta na cadeira de copiloto e me encara.

— Está tudo bem?

Tento tirar a cara de enterro do rosto e lhe lanço um olhar bravo.

— Você demorou, eu preciso fazer xixi! – exclamo falsamente brava, soltando meu cinto e tirando o fone da cabeça.

Alec ri.

— Desculpe, estava fazendo um sanduíche.

Lanço um olhar para o enorme sanduiche que ele mostra ao desembrulhar o papel enquanto me levanto.

— Ta, ta – falo dispensando o comentário com a mão. – Só não derrube nada nos controles.

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E com isso, saio da cabine. Apesar da desculpa dada a Alec para ficar novamente sozinha, assim que fecho a porta da cabine a vontade de urinar vem com força e me encaminho para os fundos do avião com passos apressados, abrindo a porta de supetão e quase matando Missa de susto.

— Opa, desculpe – falo fazendo força para não corar. – Eu não sabia que você estava...

Deixo minha voz morrer quando finalmente reparo o estado da enfermeira que no susto, não teve tempo de esconder o rosto molhado pelas lágrimas. Pisco algumas vezes, clareando a mente enquanto Missa seca o rosto com força nas mangas do vestido, olhando para o ponto mais longe de mim. Sem pensar duas vezes, forço minha entrada no banheiro do jato que é maior do que o esperado e fecho a porta as minhas costas, trancando-a.

— O que pensa que está fazendo? – ela exclama furiosa, mas a voz fanha devido ao nariz cheio de meleca destrói a imagem.

— Eu que pergunto – falo cruzando os braços e encarando-a, a vontade de fazer xixi colocada em segundo plano.

— Não é óbvio? – ela pergunta e pelo seu tom de voz somada a raiva em seu olhar percebo que Missa é uma pessoa orgulhosa, portanto ser encontrada aos prantos é uma das últimas coisas que ela deseja.

Penso por alguns segundos antes de perguntar:

— Você tem medo de altura?

— O que? – ela pergunta e parece verdadeiramente confusa.

— Você não está ferida, então quero saber se está chorando porque tem medo de altura.

— Eu não tenho medo de altura.

Nesse ponto da conversa, Missa parou de chorar, mas seus olhos e nariz continuam vermelhos. Ainda sentada sobre o assento do vaso sanitário, ela pega um pedaço de papel e assoa o nariz e algo no olhar que me lança informa que ela esperava que eu ficasse com nojo do seu ato e saísse dali.

Esse pensamento me faz pensar que Missa não gosta de mim. É claro que levando em conta que nos conhecemos há algumas horas e que nem conversamos, isso é totalmente compreensível. Achei que seu mal humor na enfermaria fosse devido ao fato de que ela preferia trabalhar num turno pouco movimentado e silencioso, à noite quando os pacientes estão dormindo, por exemplo, e o fato de eu estar acordada a irritou. Na festa, pensei que novamente sua personalidade antissocial fez com que ela ficasse com uma carranca o tempo inteiro. Talvez eu estivesse certa sobre isso, mas a questão é que olhando Missa nesse momento percebo que ela não gosta de mim e não faz questão de mudar isso, provavelmente porque, assim como a maioria das pessoas, ela me julga pela carcaça e não pelo interior.

Ou talvez Missa não goste de mim por qualquer outro motivo. Independentemente disso, tentar faze-la me contar a razão de suas lágrimas é a mesma coisa que tentar tirar leite de pedra: um trabalho duro e com resultado impossível de ser atingido. Suspiro e pensando na minha vontade de fazer xixi que aumenta conforme os segundos passam, dou de ombros e falo simplesmente:

— Bom, seja lá porque está chorando, sei que não vai me contar porque não gosta de mim e sinceramente, não te julgo por isso. Vou deixa-la com suas tristezas, não porque não me importo, mas porque ficar aqui e tentar consola-la é um trabalho inútil uma vez que não quer ser consolada por mim.

Missa me encara abaixando lentamente o papel cheio de ranho em direção ao colo, me olhando como se eu fosse um alienígena e por um momento me lembro de Oliver. Pensar no garoto rabugento atacado pelos lobos me faz chegar a uma rápida conclusão, por isso solto as seguintes palavras antes de abrir a porta e me retirar.

— Sei que os ataques são violentos e muitas pessoas morreram. Não sei se estou certa, mas algo me diz que está chorando porque a sensação de segurança que o Palácio passa foi quebrada hoje, mostrando que de certa forma é falsa. Essas coisas nos fazem pensar que se nem no Palácio estamos seguros, onde estaremos? Bom, vou informar-lhe agora para evitar lágrimas num futuro próximo, Missa. A resposta é em nenhum lugar. Estamos seguros em nenhum lugar.

Com isso, me retiro e fecho a porta para, enfim, deixar Missa sozinha com suas lágrimas. Entro no banheiro defronte ao outro para finalmente me aliviar e passar uma água em meu rosto para me acalmar. Por mais que tenha tentado esconder dos Deallor, estou nervosa com o chamado de meu pai. Perguntando-me a razão disso, se ele é amigo ou inimigo, apesar de não acreditar que as pessoas possam ser dividas nesses dois grupos e muito menos com facilidade.

É aquele ditado: mantenha seus amigos perto e seus inimigos mais perto ainda.

Saio do banheiro e em vez de voltar para a cabine vou em direção do frigobar onde tomo uma garrafa de água em alguns goles e como uma maçã na tentativa de acalmar meu estomago nervoso. Como algumas bolachas salgadas para evitar que minha pressão baixe ainda mais e tento ignorar minhas dores, desejando um lugar calmo com uma cama macia para repousar.

Minutos depois, quando enrolei o suficiente e meus pensamentos começam a correr em direção a Dylan e o Acampamento, retorno a cabine onde Alec está sentado em seu assento num silêncio contemplativo. O sanduiche já fora consumido e o suco também, restando nada além de um copo vazio e alguns guardanapos.

Assim que entro e fecho a porta Alec olha para mim e sorri, mas posso ver a preocupação e nervosismo em seu olhar. Sabendo que não aguentarei seus olhos castanhos escuros sobre mim durante os minutos restantes da viagem, penso numa forma gentil de manda-lo passear e é nesse momento que Missa me vem à mente novamente.

Não sou boba, por isso quando Alexandre disse que conheceu Missa na manhã anterior, quando eu estava na enfermaria, não acreditei. O comentário feito pelo meu amigo quando avistou a moça só poderia ser feito por alguém que conhece e tem intimidade, portanto seria impossível de ser feito se a versão da história de Alec fosse verdadeira.

Juntando o útil ao agradável, comento como quem não quer nada:

— Encontrei Missa chorando no banheiro.

Eu poderia muito bem estar olhando para Ottawa quando solto a frase, mas ver a expressão surpresa e preocupada de Alec e sua tentativa fracassada de tentar disfarçar com certeza foi melhor, pois só comprova minha teoria.

— É mesmo? E por que?

Dei de ombros ainda encarando seu falso semblante de descontração.

— Não sei, ela não confia em mim então não falou nada. Imaginei que você poderia ir falar com ela.

— E por que eu faria isso? – Alec pergunta, pela primeira vez me encarando, parecendo estar entre a surpresa e o nervosismo.

— Você é o príncipe do país dela, oras. Deve mostrar preocupação com seus súditos, sem contar que se você ordenar que ela lhe conte o motivo de suas lágrimas, Missa não poderá negar.

Alexandre ri.

— Você sabe que eu jamais farei isso.

Dou de ombros novamente.

— Seja um bom príncipe Alexandre e vá ter com Missa. E na volta, acorde seus irmãos porque estamos chegando.

Alec suspira, mas levanta e pega seu lixo antes de sair da cabine e me deixar só novamente.

Não tenho certeza se ficar sozinha com seus demônios é uma boa ideia – Enamor fala ressurgindo das cinzas.

— Calada – falo entre dentes, colocando o avião no modo manual na esperança de que a possibilidade de matar todos se eu me distrair impeça que eu deixe meus pensamentos me dominarem.

Você realmente não sabe porque seu pai lhe chamou?

— E você sabe, sabe tudo? – pergunto com raiva.

Tenho quase certeza de que alguém te informou que algumas Larvas descobriram a existência de Soph e a ligação dela com você. Sem contar que você saiu do Acampamento sem permissão ou motivos importantes para sua Família. Está causando problemas com os Black...

— Já entendi, a lista de meus erros é extensa – falo pensando que talvez colocar o avião no manual não tenha sido uma boa decisão porque estou quase nos tacando no solo apenas para calar Enamor, o que é idiotice uma vez que ela sou eu e, portanto, eu deveria conseguir cala-la.

Você sabe que as coisas não funcionam assim. Sou como sua consciência, a voz que fica na sua cabeça enquanto você lê, pensa... Não pode me calar.

— Se você é como minha consciência está fazendo um péssimo trabalho – falo focando toda minha atenção em pilotar.

— Regras foram criadas para serem quebradas.

— Como eu disse, péssimo trabalho.

Com isso entro em contato com a torre pedindo permissão para pousar na propriedade do Primeiro Ministro e enfrentar seja lá o que for. Alguns minutos depois tiro o fone e meu cinto, levantando-me com dificuldade graças a minha coxa machucada – com certeza a parte mais dolorida do meu corpo –, mas ignorando isso como fiz todas as outras vezes.

Saio do cabine e encontro Mika e Kairo acordados, se espreguiçando, assim como Alec e Missa sendo que a última parece estar com uma cara melhor, apesar de ser possível ver pela sua face inchada o choro de alguns minutos atrás. Todos estão pegando suas armas e facas, Missa arrumando o kit de primeiros socorros.

— Parem o que estão fazendo – falo com minha voz de Líder e sou obedecida imediatamente, apesar dos olhares questionadores. – Deixem todos os pertences no jato. Deixarei a chave do mesmo com Alec e quero que você feche a porta quando todos sairmos e não abra para ninguém que não esteja dentro do jato agora.

‘’Não sabemos por que estamos aqui, se as pessoas lá fora são inimigas ou não. Minha Família é perigosa e quero que todos pisem na propriedade com isso em mente. Não olhem torto para ninguém, não mexam muito as mãos ou a cabeça, evitem olhar para tudo. Mantenham os olhos abertos, os ouvidos atentos e o corpo preparado para correr. A primeira ordem minha, me obedeçam sem questionar. Se eu disser para correr sem olhar para trás, corram. Se eu mandar entrarem no jato, entrem. Se eu falar para salvarem suas vidas e me deixarem para trás, vocês obedecem’’.

— Não podemos fazer isso! – Mika exclama. – Não vamos deixa-la para trás e ainda mais sem sua única forma de fugir.

— É apenas uma possibilidade Mika. Pode ser que meus pais sejam aliados, mas devemos estar preparados – falo. – Me deixar para trás é a única chance que vocês têm de se salvar. Vocês são importantes e necessários, não apenas por serem a esperança de seu país como as únicas testemunhas do ataque a Infrante que podem chegar ao Acampamento e alertar os outros. Eu sou substituível, vocês não.

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— Você sabe que isso é totalmente mentira.

Fecho os olhos com força assim como as mãos por estar com raiva de Enamor, mas os Deallor e Missa interpretam isso como raiva direcionada a eles.

— Se Elizabeth está dizendo para agirmos assim, nós obedecemos. Estamos no território dela, nós devemos obediência e não ordens. Se ela diz que nossa maior chance é correr e deixa-la para trás, nós corremos e a deixamos. Vamos para esse tal Acampamento e buscamos ajuda, quem sabe assim consigamos voltar e resgata-la – a voz, agora mais clara, de Missa soa pelo jato.

Abro meus olhos e para minha surpresa, encaro Missa que me encara de volta. De todas as pessoas da aeronave, ela era a última que achei que fosse me dar apoio. Aceno em agradecimento.

— Mas pode ser tarde demais! – Kairo exclama. – E não me venha com o papo de que você é substituível, Effy. Missa não sabe o que sabemos. Você é o Corvo, se tem alguém aqui que não pode ser substituída esse alguém é você.

Levanto a mão em sinal de basta.

— Está decidido. Eu mando, vocês obedecem e ponto final. Como disse Kairo, eu sou o Corvo então se tem alguém aqui que pode ficar para trás porque suas chances de lutar e sobreviver são maiores esse alguém sou eu. Portanto, apenas me obedeçam.

Encaro cada um individualmente para ter certeza que entenderam minhas palavras e só então abro a porta do jato para encarar Mickey e Robert. Suspiro e desço as escadas com todos atrás de mim. Sem sermões, sem desculpas, sem nem mesmo me dirigir a palavras, meus antigos guarda costas revistam todos nós a procura de armas antes de nos guiarem para a mansão.

Subo a grande escadaria que leva a pista de pouso até a entrada dos fundos onde meus pais estão parados a nossa espera. Sob seus olhares críticos tento não fazer caretas ou mancar apesar de que cada vez que levanto ou uso minha perna direita de apoio parece que estou levando uma facada na coxa. Com o jardim ao redor da mansão – que parece um castelo dos livros de contos de fadas – e meus pais vestidos impecavelmente como sempre, eu automaticamente me sinto preparada para ser atacada por estar com meu vestido preto de baile amassado, assim como meu penteado arruinado pela corrida e pela luta.

Suspiro e congelo o sorriso em meu rosto antes de apertar a mão estendida do meu pai e beijar as bochechas da minha mãe sem encostar os lábios nelas.

— Não esperávamos que você trouxesse companhia, Enamor – meu pai fala apertando a mão de Kairo. – Mas sempre é um prazer receber os Deallor.

Por algum motivo, ouvir a palavra Enamor dos lábios do meu pai é diferente do que fora outrora e diferente de ouvir da boca de Alexander, por exemplo. Talvez seja o fato de que descobri que Enamor é um alter ego, então parece que eles estão falando com a voz na minha cabeça e não comigo. Talvez seja o fato de que descobri como Enamor veio parar na minha cabeça. De qualquer forma, não gosto como soa.

Por um momento me pergunto se todos os membros da minha Família possuem um código em seus nomes como eu porque todos têm um alter ego, mas antes que eu possa me distanciar do momento Alec fala.

— Decidimos fazer companhia a nossa amiga.

— Vejo que estão em trajes de gala – minha mãe fala abraçando Mika. – Não precisavam sair de uma festa apenas para acompanhar Enamor.

— Ontem foi aniversário de Mika – falo apenas, lançando um rápido olhar a todos para impedirem de falar que o Palácio foi atacado. Estendendo o braço em direção a menor do grupo em sinal para que ela se aproximasse, prossigo – Essa é Missa, amiga da família real.

Evito falar que ela é enfermeira com medo do olhar de desdém que meus pais podiam lançar a ela. Enquanto eles cumprimentam Missa, penso que se meus pais, sempre tão informados, não sabem do ataque à Infrante, ou fingem não saber, é porque tem caroço nesse angu. De qualquer forma, somos conduzidos para dentro do imóvel e logo Jane Benett aparece com seu sorriso calmo para levar os Deallor e Missa – que apesar dos meus conselhos não consegue evitar de olhar para todos os lados – a sala de chá do térreo, com passagem para o jardim dos pavões.

O nervosismo aumenta quando percebo que serei separada dos outros, mas sorrio calmamente quando eles me encaram antes de seguir Jane para a sala enquanto eu sigo meus pais para o escritório. Mickey e Richard sumiram em alguma curva de corredor e por um breve momento me pergunto se eles foram punidos depois que me perderam de vista, mas imediatamente me lembro de Mickey me reiniciando em Londres e decido que não me importo.

Meus pais andam alguns passos na minha frente sem olhar para trás ou falar entre si, como dois robôs. Eles entram no escritório e deixam a porta aberta para mim e de repente a fé que eles têm em acreditar que eu vou segui-los como um cachorrinho me irrita principalmente porque, nesse momento e em praticamente todos os anteriores, é verdade. Eu era a fiel seguidora do casal Manson-Schneider. Era.

Suspirando como se estivesse prestes a ser enforcada em praça pública, inspiro minha última leva de oxigênio com gosto de liberdade e entro no cômodo, fechando a porta atrás de mim com pesar. O escritório do meu pai é diferente do Gabinete esteticamente falando, mas a atmosfera sufocante é a mesma.

Da porta dupla de madeira pesada, a direita estão as estantes de livros e arquivos, a mesa de madeira escura juntamente com a poltrona de couro. Atrás da mesa um quadro com Albert e Leona no dia da posse do meu pai está pendurado ocupando boa parte da grandiosa parede, a pintura no estilo que os grandes reis tinham no dia de sua coroação. As janelas grandes que permitem que a luz natural entre ficam de frente a porta, com cortinas que vão do chão ao teto num tom claro de marrom. Naquela parede há apenas uma mesinha com algumas bebidas e copos.

Do lado esquerdo da porta estão os sofás aconchegantes e poltronas com almofadas, a mesinha de centro com um objeto decorativo de ferro sobre o vidro. Me encaminho para o lado direito da sala, me sentando no sofá de modo que a mesa de centro e as poltronas perto da mesa, assim como os espaços vazios separem eu de meu pai. Albert senta-se em sua poltrona de couro preto defronte à mesa de madeira enquanto Leona fica de pé ao lado da mesa de bebidas, enchendo um dos copos.

O clima fica mais pesado enquanto esperamos alguém começar a conversa e apesar da minha vontade de sair correndo, não serei a primeira a ceder de modo que mantenho minha coluna ereta e as mãos sobre o colo observando minha mãe levar a bebida até meu pai, querendo gritar várias perguntas para ela. Desvio meus olhos verdes azulados da minha figura materna para identificar que a figura de ferro sobre a mesa de centro é na verdade uma mulher com os olhos vendados.

— Pois bem Enamor – meu pai começa. – Apesar de você ter cometido várias infrações nos últimos dias, acredito que seus hematomas já foram o suficiente para sua punição por isso não irei me estender muito nesse assunto e sinceramente não me interessa as razões de suas ações. Contanto que você conclua a missão que lhe dei em maio, posso esquecer suas aventuras da última semana.

Depois de tantas experiências de vida relacionadas a minha Família, eu sei que as palavras de Albert são apenas um disfarce para a realidade. Ele não está me poupando porquê de repente ficou caridoso, mas provavelmente no futuro vai querer algo em troca desse favor que eu sequer pedi. Por isso, em vez de perguntar o que realmente meu pai quer, forço-me a soltar um agradecimento mesmo acreditando que ele sabe dos meus hematomas – que não podem ser vistos com o vestido – porque ele está do lado do meu tio.

— Obrigada, pai. Garanto-lhe que aprendi com meus erros.

— Ótimo. Sua mãe e eu lhe chamamos aqui para te contar uma novidade antes de contar ao resto da Família.

— Como nossa filha mais velha, acreditamos que isso é o certo a se fazer – minha mãe diz, se expressando pela primeira vez. – Você terá um irmão.

Franzo o cenho confusa.

— Perdão? Vocês vão adotar uma criança?

— Não seja tola Elizabeth – minha mãe fala ralhando comigo. – Eu estou grávida. Seu irmão irá nascer por volta de novembro.

Passo meus olhos de Leona para Albert várias vezes ainda confusa. Não é como se meus pais tivessem feito uma cirurgia para não terem mais filhos ou algo do tipo. Estou confusa porque não entendo a informação. Apesar de saber muito bem de onde as crianças vêm – melhor do que gostaria, para ser sincera –, e ser algo totalmente natural, imaginar meus pais tendo, ou melhor, desejando, querendo outro filho não me parece certo.

Depois do que li na ficha roubada de Stephan, onde descobri que minha mãe estava lá na noite em que fui deixada na floresta, descobri como Enamor foi criada, a forma como eles me tratam desde que retornei da floresta não consigo evitar de me perguntar se eles querem outro filho porque acham que eu sou uma experiência defeituosa. E tirando o foco de mim e colocando em Tommy, não entendo porque meus pais querem um filho quando trataram tão mal Thomas ao ponto de ele ter depressão aos sete anos de idade.

Talvez seja o vazio causado pela morte de meu irmão, mas eu duvido muito. Leona não pareceu triste nem arrependida por ter abandonado Tommy em vida, muito menos após a morte dele. Sendo péssimos pais, não entendo porque Leona e Stephan querem outro filho, apesar de nenhum deles expressar o menor resquício de alegria antes, durante ou após me dar a notícia.

— Por que? – não consigo evitar que a pergunta me escape dos lábios, ainda olhando de um para o outro confusa.

— Por que o que, Elizabeth? – minha mãe pergunta de forma seca e sei que ela não está feliz pela forma que me chama.

— Por que vocês querem outro filho?

Meu pai suspira e toma um gole de sua bebida, antes de levantar da poltrona com o copo em mãos e caminhar em direção a uma das estantes.

— Entendo que a morte de Thinker te afetou, mas já fazem seis anos que ele morreu Elizabeth. É preciso seguir em frente e é o que todos estão fazendo, menos você. Eu tolerei por tempo demais seu drama. Lhe compramos remédios, levamos a médicos, mas agora chega. Você tem que superar a morte de Thomas de uma vez por todas. Ele não vai voltar.

A última frase dita pausadamente por meu pai foi como um soco no estômago. Talvez um soco no estômago tivesse doído menos. Olhando de meu pai para minha mãe ainda confusa e com as novas informações sobre minha vida em mãos, me lembro da última vez que estive tão confusa na presença de meus pais e não tive que fazer esforço. O chamado ao Gabinete de Albert em maio logo me veio à mente.

Até ontem eu acreditara que fiquei confusa enquanto meu pai falava sobre minha missão devido ao conteúdo da minha tarefa. Agora, acredito que isso aconteceu porque ele não falava comigo, mas sim com Enamor.

— Ora, ora temos um Sherlock Holmes aqui – Enamor fala debochada.

— Porque você não me falou isso antes? Que meu pai me reiniciou quando passou a missão e você aos poucos a passou para mim de modo que eu acreditasse que era minha ficha caindo aos poucos? – penso.

Certos passos você tem de dar sozinho.

Não consigo me controlar e rio de forma debochada enquanto balanço a cabeça em negação, me levantando do sofá e dando a volta no mesmo para encarar o rosto sério dos meus pais.

— Vocês realmente querem que eu acredite nisso? Que vão ter um terceiro filho porque superaram a morte de Thomas? Depois de tudo que Tommy e eu passamos, depois de tudo que eu descobri?!

— O que você descobriu? – meu pai pergunta ainda mais sério dando um passo para a frente.

Mesmo com meu sensor de perigo dando sinal de vida, empino o queixo. Meu pai falando que me ajudou quando comprou minhas pílulas é um ótimo combustível para minha raiva. Ele não estava querendo me ajudar, mas sim me dopar com as Happy Pills de modo que eu nunca descobrisse a existência de Enamor.

— Eu li a ficha Albert. Eu sei sobre a área 51, as experiências. Eu sei de tudo.

Por um momento é como se o mundo parasse. Tudo fica em completo silêncio. Meus pais me encaram antes de se entre olharem. Então minha mãe me lança um último olhar antes de sair da sala e fechar a porta atrás dela enquanto Albert termina de beber e deposita o copo na mesa. Meus músculos estão tensos e a adrenalina corre em meu sangue, mas eu não me mexo.

— Onde você achou a ficha?

— Que diferença isso faz? – falo rudemente.

Uma pequena parte de mim esperava uma reação diferente dos meus pais, até mesmo uma negação. Mesmo com Enamor falando comigo há alguns dias e as provas dos crimes em minhas mãos, eu não esperava que eles admitissem com tanta facilidade.

— Você tem razão. Não faz diferença nenhuma.

Ele vai tentar reiniciar você.

Albert caminha em minha direção e penso nas formas que posso evitar ser reiniciada igual um robô. Apesar de Enamor estar falando comigo não sei se está do meu lado de modo que não sei se ela tentará não obedecer às ordens de meu pai, se é que posso chama-lo assim depois de tudo.

Ao contrário do que a voz em minha cabeça disse, Albert não faz nada enquanto se aproxima, meus músculos cada vez mais tensos.

— Então você ficou confusa com a notícia porque acha que sua mãe e eu vamos fazer com seu irmão o que fizemos com Thomas e você – Albert fala me encarando contemplativo e nesse momento não sei se ele coloca Tommy e eu no mesmo barco porque também fez experiências com meu irmão ou porque nós dois fomos tratados pior que lixo. – Não vamos levar esse menino a sua própria destruição, sua morte ou loucura se é isso que está pensando. E sabe porquê? Com Thomas morto e você provavelmente seguindo por este caminho muito em breve, esse bebê é nossa esperança de um Herdeiro. Mesmo morta você ainda terá sido o Corvo e, portanto, esse menino será o Herdeiro legítimo.

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Poder, é claro. Tudo gira em torno do poder. Meu estômago revira diante das palavras de Albert. Sua indiferença com a morte de Thomas e meu possível enterro, a forma fria como ele e Leona calculam a vida dos filhos como se eles fossem peças num enorme jogo de xadrez e não crianças que precisam de amor e carinho faz com que a raiva ferva meu sangue. Eu sei da existência desse bebê tem nem meia hora. Não sei seu nome e não tenho certeza se é menino. Uma parte de mim sente ciúmes e até mesmo raiva dele, pois não é Thomas e pela forma como meus pais falam é como se a função desse bebê fosse substituir Tommy.

Mesmo assim me forço a lembrar que é isso que meus pais querem, não necessariamente o que vai acontecer. E jamais vai acontecer se depender de mim. Assim como não permitirei que minha missão destrua meus amigos e o Acampamento, não permitirei que meus pais destruam a vida de alguém que ainda nem nasceu.

— Você não vai arruinar a vida desse bebê – falo com raiva e determinação.

— E quem vai me impedir? Você? Estará morta antes que o inverno chegue – Albert fala com deboche. – Esse menino vai ser o que eu quiser que seja e ninguém vai me impedir.

— Você parece estar muito confiante com minha morte – falo.

Albert se aproxima ainda mais e percebo que ele está com um objeto em mãos, algo da decoração. Ele passa de uma mão a outra e é assim que reconheço a figura da justiça que antes estava localizada na mesa de centro.

— Estou confiante porque não vou fracassar igual meu irmão. Stephan teve você em mãos duas vezes e até entendo que na primeira você tinha uma missão para concluir, levar a cabeça do filho dos Black de volta para casa. Mas na segunda foi estupidez.

Prendo a respiração quando o significado dessas palavras me atinge, mas antes que eu possa fazer algo ou dizer algo a respeito, Albert atinge minha nuca com a estátua de ferro. Caio sob o sofá e forço minhas pernas a se moverem, de modo que eu faça uma cambalhota e caía no tapete entre o sofá e a mesa de centro. Minha cabeça dói e eu estou confusa, mas a adrenalina em meu sangue me impede de desmaiar.

Antes que eu possa sentar ou fazer alguma coisa, Albert está em cima de mim pressionando minha garganta recém curada. A falta de ar me toma junto com o desespero, mas a voz de Enamor gritando na minha cabeça faz com que uma parte de mim se mantenha sã o suficiente para levantar meu quadril desequilibrando Albert o suficiente para precisar afrouxar o aperto em meu pescoço.

Coloco minhas mãos em seu peitoral e forço as pernas para cima de modo que Albert voe sobre a minha cabeça. Sento-me rapidamente e me coloco de pé no mesmo momento que meu agressor. Uma vez que ele não levou um golpe na nuca e também não foi sufocado, seus sentidos estão mais rápidos. Antes que ele chegue perto demais, chuto a mesa de centro em sua direção fazendo-o cair, erguendo a saia do meu vestido.

Corro para a saída, mas percebo que a porta está trancada. Começo a gritar mesmo sabendo que ninguém virá em eu socorro. Logo Albert está atrás de mim me dando um mata leão. Levanto minhas pernas até a altura do queixo e as jogo para baixo com tudo, fazendo com que ele se incline para frente e eu encoste no chão para lhe dar uma cotovelada na barriga e uma cabeçada no queixo.

Sabendo que a porta é inútil, corro para a janelas pensando que a queda não será tão ruim. Escancaro a janela e coloco um pé sobre o parapeito, mas Albert me levanta pela cintura e me joga no chão fazendo com que eu solte um gemido de dor quando o ar sai dos meus pulmões graças ao impacto. Não satisfeito, ele começa a me chutar na altura das costelas fazendo com que eu me encolha, totalmente sem ar. Albert me pega pelos cabelos e fala:

— Eu não vou mais lidar com você. Corvo ou não, você é a única que pode causar minha ruína e por isso merece morrer.

Seus lábios escorrem sangue devido ao golpe no queixo e ele está tão perto do meu rosto que posso sentir gotículas salpicando minha face. Estou com dores demais e sem ar para fazer alguma coisa. Meu peito dói quando tento respirar, minha cabeça gira e vários pontos do meu corpo tentam chamar a minha atenção ao mesmo tempo.

Eu vou assumir o controle — Enamor fala, mas eu simplesmente berro um não, tanto para ela quanto para Albert ao mesmo tempo em que ele faz minha cabeça encontrar a mesa de bebidas várias vezes.

— Senhor Schneider – alguém chama na porta e meu pai imediatamente para de bater minha cabeça na mesa.

— O que é? – ele vozeira ainda segurando meus cabelos.

Meus sentidos estão totalmente confusos. Não posso dizer se minha cabeça está sendo usada de martelo há alguns segundos ou há muitas horas. O mundo gira, minha vista está embaçada, minha cabeça e costelas doem assim como minha coxa sem contar todos os outros pontos do meu corpo. Sinto o sangue escorrer pelo meu pescoço e molhar minhas costas, assim como as gotas que não entram nos meus olhos graças as sobrancelhas

— O Parlamento está lhe chamando – a pessoa fala e reconheço o pai de Jane pela voz.

Albert suspira e me puxa para perto de sua boca de modo que possa falar em minha orelha:

— Nós terminamos quando eu voltar.

Então me joga com tudo no chão. Não me mexo e a única coisa que consigo fazer e fechar os olhos na esperança de que o mundo pare de girar. Erro meu, com isso não posso prever o tapa que Albert me dá no rosto que faz sangue sair da minha boca. Viro o corpo para o lado tossindo, tentando não me afogar com meu sangue até a morte.

— Não acredito que estou sendo chamado a essa hora da madrugada – Albert fala mal-humorado.

Ouço os passos dele se afastando e mexo minha cabeça minimamente em direção a porta onde vejo o Primeiro Ministro passar sendo seguido de perto pela figura de vermelho encapuzada. Por um momento, a mulher da capa vermelha para na soleira da porta e olha sobre o ombro, me lançando um longo olhar antes de seguir os passos de Albert. O Sr. Bennet que me encara horrorizado e com pena, mas não se move em meu auxilio.

— Me ajude – falo mexendo apenas os lábios.

— Vamos Bennet! – meu pai grita, fazendo o homem de 60 anos pular assustado.

— Estou indo senhor! – ele exclama antes de desviar os olhos dos meus e sair.

Fecho os olhos e começo a chorar o que apenas aumenta minha dor na altura das costelas e minha ardência na garganta, mas não posso conter. Meu rosto arde com as lágrimas que rolam sobre meu rosto esfolado. Minha cabeça dói tanto que parece que vai se partir ao meio. Levo minhas mãos tremulas a minha testa e sinto o pegajoso do sangue escorrer até encontrar o machucado em meu pescoço e juntos encharcarem minhas costas.

Respirar torna-se difícil, o mundo gira muito rápido e sinto que Albert não precisará acabar comigo quando voltar, estarei morta antes disso. Ouço passos no corredor e correndo o risco de ser meu agressor e imaginando a dor que irei sentir grito numa tentativa desesperada de me salvar.

— Socorro!

Meu pulmão expande para o grito sair e sinto uma pontada tão forte na região que me encolho. Pontos de luz aparecem em minha visão e posso ouvir alguém correndo no corredor.

— Effy! – a voz exclama e fico aliviada por ser Alec. – O que aconteceu com você? Kairo, vá chamar Missa! Agora!

Ouço Kairo sair correndo e abro meus olhos com muito esforço.

— Olhe para mim! – Alec exclama e sinto o desespero em sua voz.

Faço força para focar meus olhos no vulto em minha frente e logo percebo que estou encarando o cabelo bagunçado do príncipe.

— Meu... meu pai... – falo com muito esforço. – Vai... me... matar...

— Effy, fique comigo! – Alec pega em minha mão, mas logo à solta e não muito depois sinto um tecido ser colocado contra minha testa. – Onde dói?

Faço menção de responder, mas tomar ar para fazê-lo quase me faz desmaiar de dor de modo que me encolho e abraço minha caixa torácica. Entendendo a origem do meu sofrimento, Alec delicadamente tira minhas mãos de cima do meu peito e pede permissão para abrir ainda mais o decote do meu vestido que vai até um pouco acima do umbigo.

Resmungo algo e logo sinto o tecido ser cortado por uma tesoura que o príncipe achou numa das gavetas da mesa. Ouço quando Alec segura a respiração no mesmo momento que passos são ouvidos do corredor. Fecho meus olhos porque mantê-los abertos está sendo um trabalho demasiadamente difícil e minha visão está tão desfocada e cheia de pontinhos coloridos que manter meus olhos abertos ou fechados não faz diferença.

— O que houve aqui?! – alguém pergunta e acho que é Mika.

— Missa, rápido! – Alec grita e logo os passos da menina se aproximam rapidamente, desviando de toda a destruição. – A costela perfurou um pulmão, ela está com uma hemorragia interna.

— Elizabeth, fale comigo – Missa fala num tom profissional depois de mandar alguém chamar Jane trazer uma caixa de primeiros socorros. – Onde dói?

Apesar de querer responder que tudo dói, sei que preciso ser mais especifica para que Missa possa me ajudar. Meu ar é escasso assim como meu tempo, por isso demoro dois segundos antes de falar em poucos baforadas de ar.

— Chutes na costela... Minha nuca, levei um golpe com ferro... Minha cabeça foi batida várias vezes. Enforcamento. Dói nessa ordem.

— Isso explica o sangue na mesa e na estátua – Kairo fala com raiva. – Quem fez isso? Aqui também foi invadido?

— Ela disse que o pai tentou matá-la – Alec fala e sinto o ódio em sua voz.

— Preciso de uma lanterna! – Missa exclama. – Eu posso não gostar de você, mas não vou deixa-la morrer Elizabeth.

Tento sorrir, mas acho que só consigo fazer uma careta.

— Pra que? – Kairo pergunta, mas ouço ele e Alec revirando a sala.

— Se ela desmaiar as coisas podem ficar bem ruins.

— Aqui – um dos dois fala e logo sinto meus olhos serem arregalados contra minha vontade e a adrenalina correr meu sangue junto com a vontade de sentar e derrubar quem é que está me segurando pelos braços.

— Se acalme Effy! Somos nós – Kairo fala.

— Jane está aqui! – Mika exclama com a voz ofegante.

Kairo fica encarregado de jogar flashes de luz nos meus olhos de tempos em tempos enquanto Alec me segura pelos braços. Missa está enfaixando minha cabeça rapidamente, substituindo o paletó de Alexandre por uma faixa, enquanto Jane e Mika ajudam.

— Eu vou matar o pai com minhas próprias mãos e não me interessa se ele é o Primeiro Ministro ou um zé ninguém – Missa fala furiosa enquanto trabalha e mesmo sentindo que posso morrer a qualquer momento, me sinto minimamente feliz por saber que caso eu morra, alguém irá vingar minha morte.

Depois que Kairo e Alec trocam de função com Jane e Mika, os irmãos quebram a porta de um dos armários para que esta sirva de maca para mim.

— Vá na frente Alec e ligue o jato! – Kairo ordena depois que eles me colocaram sobre a madeira.

Meu corpo dói tanto que a dor de me mover nem fez diferença. As coisas estão acontecendo muito rápido ao meu redor de modo que não consigo acompanhar. Enquanto Alexandre corre na frente, Missa e Kairo carregam minha maca enquanto Jane leva os produtos junto com Mika.

Quando estamos passando pela escadaria que leva ao primeiro andar algo me faz olhar para o topo da mesma onde mesmo com minha visão ruim consigo reconhecer Leona parada com a expressão impassível. Quando nossos olhares se encontram percebo que ela segura a respiração pelo movimento dos seus ombros e conscientemente ou não, leva as mãos ao ventre.

Logo estamos fora da mansão, caminhando rapidamente para o jato que já está ligado. Com muito cuidado os irmãos e Missa descem a escadaria e depois sobem os degraus que levam a aeronave, ora com Kairo levantando mais seu lado ora abaixando.

Eles me pousam no chão e Mika não para de falar para eu manter os olhos abertos sendo que a única coisa que quero é manda-la calar a boca e dormir.

— Temos que leva-la para o hospital mais próximo – Missa grita para que Alec possa ouvir da cabine.

Faço força, mas ergo um dos braços chamando a atenção das pessoas para mim e balbucio:

— Código três.

— O que isso quer dizer? – Mika pergunta desesperada.

— Código três: se eu estiver tão ferida que não consiga me salvar sozinha ou decidir por mim mesma o rumo das coisas, o código três é acionado onde quem quer que esteja me ajudando deve me levar para o Acampamento, ligar para Dylan Black ou Billie Eilish e jogar meu corpo no mar se fracassar – Jane fala num tom calmo, apesar de retorcer as mãos nervosamente.

— Não podemos leva-la para o Acampamento! – Kairo exclama. – É uma hora de viagem.

— O jato faz em meia hora – Jane fala simplesmente. – Sigam o plano.

— Não vou segui-lo se isso significar perder Effy – Mika fala com raiva.

— Se vocês levarem ela para um hospital a notícia de onde a filha do Primeiro Ministro está vai se espalhar como fogo em mato seco – Jane fala e percebo que está perdendo a paciência. – Elizabeth estará morta antes de sair da sala de cirurgia. Em épocas de guerra há infiltrados em todo lugar. O Acampamento é o único lugar. Vocês devem ser racionais, não emotivos.

— Quem garante que não há infiltrados no Acampamento? – Missa pergunta cada vez mais possessa.

— Apenas sigam a droga do plano antes que ele volte.

E dizendo isso, depois de encarar todos, Srta. Bennet acena com a cabeça para mim. Olho uma última vez para Jane e mexo os lábios para que as palavras se formem e ela entenda minha mensagem antes de ir.

— Se cuide.

Assim que Jane sai, Kairo fecha a porta caminha para a cabine. Ele e Alec conversam enquanto pilotam o jato pela pista, mas não sei o que falam. Missa manda que Mika sente e coloque o cinto enquanto tenta dar um jeito na minha costela. Mexo os lábios para que Missa entenda que estou falando para ela por o cinto também.

Ela balança a cabeça em negação.

— Poupe energia – fala entre dentes e fico feliz pelo fato de que sua raiva é destinada a Albert. – Eu odeio violência contra a mulher então já odiaria seu pai por ter batido numa mulher, agora saber que essa mulher é filha dele me deixa possessa. Não consigo acreditar que um pai seja capaz de quase matar a própria filha.

— Não fale matar nem nada derivado! – Mika exclama. – Effy não vai morrer! Ela está muito mal, mais branca do que jamais vi, mas você vai mantê-la viva e o Acampamento vai salva-la.

Missa me lança um olhar que por alguns segundos diminui a sua raiva e por um momento acredito que vejo preocupação em seus olhos, mas minha cabeça gira tanto que é impossível afirmar algo. Sem dizer nada, a enfermeira apenas segura com força o braço da poltrona, ainda sentada no chão. Desistindo da batalha antes mesmo de entrar nela, permito que Missa fique sentada ao meu lado mesmo quando o jato levanta voo.

Posso ver que mesmo sem medo de altura, Missa está tensa porque como todos sabemos, ficar sem cinto nos momentos de decolagem ou pouso é perigoso. Seguro sua mão livre para conforta-la e para ter a certeza de que ainda posso senti-la, de que não morri ou algo assim. A menina me olha com raiva, mas acho que estou tão mal que até mesmo Missa permite que eu segure sua mão.

— O que você fez?! – Alec aparece exclamando quando atingimos altura de cruzeiro.

— Não brigue com a Effy, você está louco?! – Mika exclama se levantando e se colocando na frente do irmão.

— Eu não sei o que ela vez, mas o avião não sai do modo automático desde que atingimos altura de cruzeiro e eu não consigo mudar a rota! – ele fala me olhando sobre o ombro da irmã que ergue as mãos na altura do peitoral do príncipe.

— O que isso significa?

— Que nós estamos indo para o Acampamento e Effy pode morrer antes de chegarmos lá!

Acho que sorrio minimamente, mas novamente não sei dizer nada com certeza. Durante a discussão, Missa praticamente me deixa nua do tronco para cima de modo que consiga me aplicar algumas injeções na altura das costelas. A sonolência aumenta conforme os segundos passam assim como a dificuldade de deixar os olhos abertos. Quando a enfermeira me encara, suspira fundo e fala:

— Então liguem para esse tal de Dylan ou a Eilish, como o código três manda.

— Você não me ouviu? – Alec fala com raiva. – Ela pode estar-

— Morta antes de chegarmos – Missa fala interrompendo-o, com raiva enquanto se vira para encara-lo. – Eu sei vossa alteza, eu sou a enfermeira. Se Elizabeth dormir pode entrar em coma ou até mesmo morrer.

Mesmo com o aviso macabro de Missa, minhas dores falam mais alto e meu cansaço também, por isso fecho os olhos antes mesmo dela terminar a frase. Dou um sorriso tranquilo quando novamente Alec tenta elaborar um plano para pararmos num hospital porque sei que isso é impossível. Mika exclama assustada e fala algo, mas estou ficando muito distante para ouvir. Sinto que mexem em meu corpo, talvez me balançando, mas não posso afirmar. Algo acontece porque um flash de luz entra em meu olho, fazendo minha cabeça doer ainda mais, mas mesmo isso não pode me tirar do sono profundo em que entrei.

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Sinto meu corpo relaxar totalmente. O ar parece entrar e sair dos meus pulmões sem nenhuma dor, como deve ser. Sinto-me tão relaxada que minha garganta não arranha mais quando a respiração passa por ela. Minha coxa e minha cabeça não pulsam mais. Para ser sincera, não sinto mais nada.

Mesmo assim, consigo ouvir uma voz no fundo da minha mente dizer calmamente:

— Bom, parece que somos só você e eu agora.