"Se todas as batalhas dos homens se dessem apenas nos campos de futebol, quão belas seriam as guerras.”

Pichações em muros evidenciavam a precariedade do lugar onde me encontrava. Eu realmente não sabia porque Iago estava me levando ali. Via muitas pessoas transitando, porém, ao longe. Achei que estava embaixo de algo grande, já que acima de mim escutei barulhos de pneus sobre uma estrada. Tinha medo do que poderia acontecer, mainha sempre avisava para tomar cuidado com algumas dessas minhas más companhias, pelo menos ela dizia que ele era uma dessas más. Enquanto eu pensava no que estava acontecendo, apareceu um pivete de trás d’um pilar de concreto, um neguinho baixo, que nem meu brother, só que mais velho, pelo menos aparentava. Seu cabelo era cortado como os militares, loiro, mas não natural, pintado na cara de pau mesmo. Encontrava-se sem camisa e, de modo visível, somente com uma bermuda azul que ia até os joelhos. Recuei mesmo com a companhia do meu amigo, que agora era só um colega, me perguntei mentalmente se o desgramado do Iago me levou para um assalto.

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— Colé parceiro. — o louro falou, estendeu de maneira rápida a mão igual ao outro e a bateu com força, fazendo um bom som. — É esse o moleque é?

Obviamente, quando fui referido me caguei todo. Havia somente três pessoas ali e aquele cara não era meu parceiro. Eu era o “moleque”. Rapaz, depois dessa eu nunca mais iria passar nem perto desse viado que é Iago. Vagabundo e asqueroso. Havia me trazido aqui provavelmente para ser estuprado por um negão.

— É, véi, eu vou trazer o cara aqui pra nada? — perguntou o mais novo, procurando na outra mão do rapaz alguma coisa que ele escondia. — Cadê o bagulho?

— Lá ele! O pacote tá aqui. Fale certo vú, baêa. — disse o cabelinho, entregando um pacote quadrado enrolado com fita adesiva até o talo. Quando jogou para o meu ex-amiguinho, se aproximou de mim e me pegou com força pelo braço. — Ôi, pivete, tenha medo não. A única coisa que tu tem que fazer é entregar pacotinhos que nem aquele que eu joguei, beleza?

— Beleza. — concordei, borrado de medo.

Foi um perrengue da zorra pra eu sair desse mundo. Depois desse dia eu vi Iago mais algumas vezes, mas nada como antes. Nessa passagem eu ainda era uma criança. Não sabia como funcionava as coisas e achava que todo mundo era inocente. Quando mainha soube do que eu fazia, recebi uma das primeiras de várias outras surras, e garanto, o tapa dessa mulher é mais forte que o soco de muitos cara que se autodenominam machos por aí. A vida nunca mais foi a mesma depois disso, finalmente aprendi que cada um faz o seu e que é olho por olho e dente por dente.

Hoje, eu posso até parecer tranquilo pegando esse buzu junto com meu irmão de leite para ir pro Centro Social Urbano, daqui mesmo de Pernambués, mas eu tô é cheio de medo. Aliás, o que é meu medo? Eu já passei por tanta dificuldade que... Acho que esqueci. Talvez seja o calafrio na barriga que demora de passar ou então a ansiedade de mostrar o meu melhor, contudo, eu não sinto isso. Meu medo deve ser o de falhar, já falhei tantas vezes, com tantas pessoas que se eu falhar agora, parece que o meu mundo vai desabar. Lógico que nunca tentei prejudicar alguém com esse pensamento, porém, quem se importa? Quando olharem pra mim, eu vou ser o cara que deu a rasteira por trás e derrubou o adversário. Levando um cartão vermelho e voltando para o vestiário. E juro, isso é horrível.

— Nosso ponto é o próximo, negão. — ouço uma voz me chamando, desconheço quem é, mas sei que está do meu lado.

— Oi? — digo confuso, virando a minha cabeça para o lado, já que ela estava observando a paisagem pela janela.

— Você também vai pro Centro num é? — perguntou um rapaz, pardo de cabelos negros médios e pequenos olhos castanhos. No seu ombro, uma mochila, assim como a que eu carregava. Não existia possibilidade de dois adolescentes como nós termos caminhos diferentes. — Alô? Cê vai?

— Ah, desculpe, eu tenho andado distraído. — inventei uma desculpa que continha um pouco de verdade. — Eu vou sim, obrigado por avisar.

A conversa poderia muito bem ter acabado ali. Nós dois iriamos descer do ônibus, ir para a peneira e voltar para casa tranquilamente, mas o garoto parecia ter o espirito da conversa. Não desistiu de minha companhia e decidiu ficar o mais perto possível do meu lado mesmo com um espaço grande no ônibus, já que por ser umas dez da manhã, muita gente já foi para onde deveria ter ido. Outros caras devem ter pego o ônibus mais cedo ou mais tarde, porém, não há esse horário, já que por ser mais ou menos umas dez da manhã, quem já deveria estar lá, chegou e quem vai chegar ainda está se arrumando.

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— Espero que não seja tão complicado quanto dizem que é. — disse, dando uma risada, mas de preocupação. — Eu jogo de zagueiro, mesmo com esse corpo molenga. E você, qual sua posição?

— Sou um dez tradicional. — afirmei. — Tenho tudo que algum time pode querer.

— Não acha que a concorrência ficaria grande? — indagou, com verdade. — E que esse seu excesso de confiança pode te derrubar?

— Lógico que é grande, para as duas coisas, mas acredito no meu potencial. — falei, tentando elevar minha autoestima para o que iria acontecer daqui há poucos minutos. — Há vários caras que sonham em ser como um Ronaldo da vida, por que não posso sonhar em ser o Ronaldinho?

— Você não parece ser baladeiro igual o Ronaldinho — ele comentou, rindo junto comigo. O ônibus parou e descemos.

— Não sou. — admiti.

Andamos até a entrada do local, de longe já se percebia uma movimentação diferente. Jovens estavam agrupados, muitos com o celular em mãos mesmo com os indícios de criminalidade no alto, ocorria uma grande inquietação. Claro que alguns ali já tinham feito peneiras anteriores a essa, mas ainda assim, a apreensão era profunda. Um time grande do estado, considerado o maior por muitos, dando essa oportunidade para garotos de periferia, querendo apenas realizar um desejo profundo. O horário ainda não estava cedido para a entrada dos adolescentes, por isso tínhamos que esperar mais um pouco, talvez eu e o meu companheiro tivéssemos chegado cedo demais, mesmo acreditando que poderíamos estar atrasados.

O lado de fora do Centro é como sempre foi desde sua construção. O portão azul com grades de ferro e a largura somente um pouco menor que a de uma garagem. Uma área grande pavimentada na frente da entrada, do lado um poste e seguindo pela esquerda várias bancas de jornais e uma calçada, e depois o asfalto normal que continuava a estrada de mão dupla. Perto de uma parede grafitada próxima a uma banca me encostei, chamando o zagueiro para fazer o mesmo. Esperar era a única coisa a se fazer naquele momento.

— Não deve demorar. — disse, checando em uma mochila que carregava seus pertences como água, meião, chuteiras, caneleiras, identidade e muito mais. — São 10:35, o portão abria 10:40, pelo menos de acordo com o site.

— Eu me registrei manualmente. — comentei. Nem ao menos sabia da existência de um site de peneiras, facilitaria muito as procuras que um dia já fiz de boca a boca. — Você ainda não me disse seu nome, zagueiro.

— Diego ou só Diguinho, senhor número dez. — eu ri do apelido que me pôs, dei um breve sorriso e cocei o meu cabelo black castanho. — Mas não adianta nada eu falar o meu nome sendo que o seu se mantém no anonimato.

— Eu sou o filho do Ronaldinho, tá ligado não, é? — manifestei a minha confiança. — João, mas sem ser Joãozinho.

— Cê tira uma onda da zorra. — declarou. Era verdade, já que tinha que vender meu peixe.

— Eu sou o Brasil, cara. — meus sorrisos confirmavam o que disse, olhei para ele, que parecia não entender e toquei seu ombro, alguns rapazes viram, mas desviaram o olhar. Minhas palavras poderiam sair forçadas, mas era o que tinha a se dizer. — Eu vou representar todos os caras que não passarem e todos que passarem no futuro, tá ligado?

— Tô ligado sim, patrão, tô ligado. — pronunciou de maneira séria, mas cômica, fazendo assim que nós se encarássemos e déssemos mais uma risada.

Íamos com certeza conversar mais até o tempo passar, porém, o portão foi aberto por um senhor, um pouco barrigudo, negro quase calvo e com um cavanhaque desgastado, já que não era tão novo. Vestia uma camisa polo amarela e uma calça jeans, algo comum para os senhores da sua idade, já que queriam aparentar não ter nascido antes do pai de Beijoca.

— Quero todo vocês em fila indiana, um em um. — avisou. — Quando eu ver os documentos, vocês já descem diretamente pro campo.

Todos obedeceram a instrução do homem, fui com Diego também seguir as ordens e ficamos atrás de um pequeno branquinho loiro. Nós dois já tínhamos o documento em mãos, então só nos restava esperar os outros. Me aproximei um pouco mais do zagueiro e então falei em um tom esclarecedor:

— Eu vou representar o Brasil, brother. Eu sou o filho da pátria.