—Sherlock, se você não parar de bater esses dedinhos, eu vou arrancá-los com uma serra.

Sherlock Holmes levantou os olhos, pois antes do comentário no mínimo ameaçador de John Watson ele estava mergulhado em seus pensamentos e esquecido do mundo. O que pensava... Ninguém sabia. Parou de bater os dedos uns nos outros, que se moviam de forma precisa e matemática, e encarou o amigo.

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—Por que está tão nervoso?

Sherlock não dissera aquilo da forma habitual. Não fora sarcástico, indiferente ou agressivo. Suas palavras saíram pura e completamente curiosas. Mas mesmo assim elas irritaram John Watson.

—Eu não estou nervoso. — John rosnou. Eles se encontravam sentados no meio da Trafalgar Square, e, em virtude do tempo péssimo que se estendia sobre suas cabeças, esta tão movimentada praça não estava tão movimentada como de costume. Estava quase vazia, e era possível desenhar com o olhar as linhas formadas por seus blocos claros de cimento. — Por que tem tanta gente falando que estou nervoso?

—Por que você está nervoso. — Sherlock afirmou.

—Eu não estou nervoso!

—Você parece nervoso.

—Estou nervoso agora!

—Não estava nervoso antes?

—Não!

—E por que está agora?

—Eu não gosto quando dizem que estou nervoso, por que isso me deixa nervoso!

—Então, — Sherlock olhou o céu, cerrando os olhos. — neste momento você está nervoso.

—Ah... A culpa é sua!

—Não estou fazendo nada.

—Claro que não, — John gesticulou aleatoriamente. — você fica aí, com sua gola levantada e seu ar misterioso, como se fosse o dono do Universo, encarando o nada com cara de paisagem e esperando uma resposta cair do céu na sua cabeça, e o pior é que isso acontece!

—Eu só quero que você se acalme.

—Mandar as pessoas ficarem calmas nunca as acalma! É o mesmo que dizer “Você é um idiota!”.

—Mas você é um...

—Quieto. — ordenou John, levantando a mão na direção de Sherlock.

Sherlock pensou rapidamente, daí voltou a encarar o nada.

—Só achei que em vista do fato de que é Mary quem está grávida e não você, quem devia apresentar variações de humor é ela.

—Poderíamos falar de outra coisa? Ou melhor, não vamos falar.

—Por quê?

—Por que sempre que conversamos enquanto esperamos algo você me deixa falando sozinho e eu sinto vontade de te dar um tiro. Então para que eu não tenha pensamentos assassinos a seu respeito eu prefiro não conversar enquanto esperamos.

John e Sherlock se calaram. O silêncio reinou novamente. Apenas o vento não se calava. Este percorria toda a praça, atravessando o chão de cimento esbranquiçado, passando sobre as fontes cheias de água fria e circundando a grande estátua, a Coluna de Nelson, que era um imenso obelisco, tendo no alto uma estátua em homenagem ao almirante que morreu lutando contra a Armada Espanhola tantos séculos atrás. John acabou se distraindo e esquecendo a briga, e fitou aquela estátua lá no alto. Pensou. Quantas pessoas conheciam a história do homem ali representado?

John se remexeu desconfortavelmente. Aquela posição sentada estava machucando seu traseiro.

—O que estamos esperando? — disse finalmente.

—Agora você quer conversar?

—Não faça charme, Sherlock, isso é coisa de mulher. O que estamos fazendo aqui?

—Estamos esperando...

—Isso eu sei!

—Estamos esperando o sino bater 11 horas.

—Por quê?

—Por que vamos interromper um almoço.

—Alguém importante?

—Um suspeito.

—Descobriu a natureza de algum número no diário?

—Não foi tão difícil quanto parecia. Se você é uma pessoa comum, ter seu número anotado em algum lugar sem seu nome torna seu reconhecimento quase impossível, mas creio que encontrei um método prático e rápido para reconhecer números e seus os respectivos donos.

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—Sei... Tudo bem, mas... — John cruzou os braços. — Mas por que você escolheu essa pessoa em especial?

Sherlock sorriu, encarando o amigo, e John sabia que aquele sorriso não significava nada bom.

***

Baker Street. 6:15 da manhã daquele mesmo dia.

Alô, docinho...

—Olá, com quem eu falo?

Quem é você?!

—Eu me chamo Sherlock Holmes, estou ligando do celular de Margareth Plummer, que foi recentemente assassinada. Gostaria de saber se você tem alguma informação sobre o assunto ou se a matou, isso realmente pouparia muito do meu tempo.

Você é louco?!

—Não, estou a trabalho da Polícia, e esta conversa está sendo gravada.

Eu... Eu não sei quem é essa mulher!

—Claro, o senhor chama de ‘docinho’ a qualquer pobre diabo que te ligue no início da manhã. Eu sei muito bem que o senhor tinha um caso com ela, afinal seu número está em sua agenda, cercado de coraçõezinhos e a forma como o senhor me chamou ao atender ao telefone eu duvido muito que seja uma forma de tratamento habitual.

Tudo bem... Ai... Meu Deus... Minha mulher...

—Informações.

Eu não sei de nada! Eu juro! Eu... Eu sou suspeito? Vou ter que depor? Vou ser preso?! Eu juro que vou cooperar!

—Nome, idade, emprego e endereço.

Sou Norman Applegate, tenho 54 anos, sou aposentado, moro na Marylebone, 34 a.

—Entraremos em contato.

Sherlock desligou o celular, olhando para o nada de forma vitoriosa, com um quase sorriso, enquanto a Sra. Hudson jazia parada na porta.

—Um novo caso? — ela perguntou.

—Mesmo caso. Novas ramificações. Estou procurando suspeitos em potencial.

—Mas você tem que assustá-los desta forma?

—Na verdade sim, o inesperado faz com que ajamos natural e honestamente. — ele disca o número seguinte na agenda, abrindo um sorriso malvado para a boa governanta. — E isto é divertido...

—Oh Deus... — ela murmurou, descendo as escadas.

Sherlock pegou um biscoitinho na travessa que a boa senhora havia deixado na mesinha de centro à sua frente, colocou o celular no ouvido e escutou-o tocar.

Alô, meu croissant...

—Olá, querido. — ele respondeu com toneladas de ironia.

Santo Deus, quem é você?!

E assim foi. Por cerca de três horas. A cada ligação, um tratamento mais carinhoso que o outro. E os adjetivos usados eram dos mais variados, e incluíam nomes de comida, nomenclaturas zoológicas e diminutivos desnecessários.

Alô, minha gatinha...

Olá, pedacinho de goiabada...

Bom dia, gostosa...

Oi, minha leoa...

Alô, meu denguinho...

Alô... Alô?

Sherlock desligou o celular, levantando-se e sorrindo para o celular.

—Te peguei.

Ele coloca seu casaco, pega seu cachecol e furta um último biscoito. Observa a travessa, que continha um bule de chá, uma xícara, um potinho com uma colher e açúcar, e o prato com os tais biscoitinhos. Estes mesmos que a Sra. Hudson lhe trouxe desta vez estavam bons. Finalmente. O celular toca novamente. Mensagem de texto. Sherlock sabia que não era nenhum dos homens para quem ele ligara por que ocultara seu próprio número. Pegou o celular. Mensagem de Molly Hooper. Algo sobre uma moça que fora reconhecer um cadáver e saíra correndo e chorando. Ele a leu, pensou rapidamente, e desceu como um raio as escadas.

***

—Você... Ligou para todos eles?

—Sim.

—Em nome da Scotland?

—Sim.

—Você terá problemas.

—Talvez.

—Você não vai entrar em contato.

—Não.

—Por que são todos inúteis e idiotas.

—Sim.

—A conversa estava mesmo sendo gravada?

—Claro que não, por que eu iria querer gravar aquilo?

John quis rir. Balançou a cabeça, imaginando o medo que aqueles homens sentiram, tanto de serem descobertos pela esposa como de serem presos.

—Foi genial.

—Eu esperava que alguém da lista seguisse um padrão diferente da maioria. Os homens têm a tendência de serem mais carinhosos com a amante do que com a esposa, pois não precisam tolerar todas as manias e exigências insuportáveis da dita concubina.

—Concubina? — disse John,

—Todos tiveram seus apelidos imbecis, mas um não disse nada desta natureza...

—Como se soubesse que não podia ser ela... — murmura John, alto o suficiente para que Sherlock ouvisse.

—Estranhamente, aquele que agiu da forma suspeita foi o membro mais famoso da lista.

—Famoso? Quer dizer que...

—Vamos conhecer um dos amantes de Margareth Plummer, talvez o mais ilustre.

—Não sei se quero fazer isso. — John olha ao redor. Seu humor mudara rapidamente. — Já conheço os podres de tantas pessoas por causa desse trabalho. Isso te deixa um tanto desiludido... Você vê as pessoas de longe, talvez até converse com elas, e elas sempre parecem tão boas. Parecem honestas, prestativas, amigáveis... Qualquer pessoa é boa olhando de longe. Mas é tudo miragem. Você se aproxima, e ela é pior que qualquer outra que antes você desprezou. Eu não gosto de saber. Eu gosto de olhar as pessoas de longe. Acho que o que quero dizer é... — John olha para Sherlock... Que não está mais lá. — Que meu melhor amigo é um cretino! Sherlock!

Sherlock já estava do outro lado da praça, atravessando a rua e dirigindo-se para uma empresa requintada de consultoria financeira. John atravessou a praça correndo, alcançando o amigo na calçada do outro lado. Eles adentraram na consultora, e John pôde perceber que entrara num lugar onde ele jamais entraria em outra situação. O teto cheio de pinturas em relevo sustentava um lustre de aparência cara cheio de diamantes e vitrilhos, que refletiam-se no chão bem encerado que estalava no ritmo dos passos. Sherlock se dirigiu à recepcionista, que digitava em seu computador de forma impressionantemente veloz. Antes que ela dissesse qualquer coisa, Sherlock se adiantou.

—Poderia dizer a seu patrão que Sherlock Holmes está aqui?

—Certamente. — ela pega o telefone ao lado do teclado, disca um número, tem uma breve conversa, devolve o telefone ao gancho e sorri para Sherlock. — Ele está quase terminando uma reunião, por favor, esperem no sofá, não vai demorar.

—Obrigado.

Eles se sentam num confortável sofá, e John volta a observar o cenário ao seu redor. Tudo tão belo, caprichado, caro. Parecia que o dono havia gasto muito para construir e decorar tudo.

—Não fique impressionado. — diz Sherlock. — Isso dificulta qualquer diálogo posterior.

—Por que diz isso?

—Por que você vai ficar acanhado, com medo de falar besteira.

—Eu tenho medo de falar besteira perto de qualquer um.

—Engraçado, você fala besteira o tempo todo perto de mim.

—Sherlock, para você qualquer coisa que qualquer pessoa diga é uma besteira.

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A recepcionista se levanta, saindo de detrás do balcão e revelando uma minissaia exageradamente curta, e dirigindo-se para os dois amigos sentados no sofá.

—O Sr. Ward irá recebê-los. — Eles se levantam, seguindo a moça de saia curta por um corredor à esquerda do balcão da recepção. A saia estava visivelmente incomodando a moça, pois esta a puxava constantemente para baixo, mas como aquela roupa parecia ser do uniforme da empresa, ele teria de se acostumar. Ela posta-se ao lado do elevador, apertando o botão, e daí as portas se abriram. — Vão ao terceiro andar, encontrarão o Sr. Ward lá.

—Mas como saberemos qual a sala dele? — diz John.

—Isso é fácil. — ela diz, sorrindo. — É o andar inteiro.

Eles entram no elevador, e John aperta o botão 3. As portas se fecham, e o elevador começa a subir.

—Como um escritório pode ocupar um andar inteiro? — pergunta John, pouco antes das portas se abrirem.

Assim que as portas automáticas do elevador se abriram, a pergunta de John foi respondida. Os dois se depararam com uma imensidão sem paredes divisórias, podendo-se ver mesas com notebooks, televisão ao longe, equipamentos de academia à esquerda, e janelas enormes colocadas juntas e em sequência que davam uma visão widescreen da cidade de Londres. À direita, na parede paralela, uma coleção de quadros de pintores famosos. Monet, Picasso, Van Gogh... Havia de tudo.

—Por favor, entrem! — ecoou pelo local. John vira-se na direção da voz e avista um homem se aproximando calmamente, gesticulando para que eles fossem até ele. Eles caminham até o homem, que estende a mão amigavelmente. Ele cumprimenta primeiro Sherlock, depois John. — Por favor, não se impressionem com minhas bugigangas, somos uma consultoria e é nosso trabalho impressionar os clientes. Como vão? Sou Nathan Ward.

A voz do Sr. Ward era rouca, mas forte. Espalhava-se pelo escritório como o barulho de um rastelo. Ainda assim era muito agradável. Seu sorriso era largo e cativante. Seus cabelos eram cor de caramelo com alguns fios brancos, e não pareciam já ter sido tingidos. Seus olhos eram cor de âmbar. Era alto, mais alto que John, mas não alcançava Sherlock, e seu tipo físico era médio porte, nem forte demais, nem magricela. O homem devia ter de 47 a 50 anos, levando-se em conta as preferências amorosas de Margareth Plummer, mas aparentava ser bem mais novo, e ainda conservava uma beleza madura que com certeza atraía todo tipo de mulheres. Estava elegantemente vestido, usando um paletó cinza escuro e camisa branca, sem gravata, o que denotava uma personalidade jovial, mas clássica. John Watson teve de admitir: o homem era bonito.

—Sherlock Holmes. — disse Sherlock, enquanto cumprimentava o Sr. Ward.

—Ah, sim, o detetive Lestrade me avisou que você viria, e que provavelmente traria seu colega de trabalho. — ele cumprimenta John. — Sr. Watson?

—Sim, muito prazer.

—O prazer é meu. — ele sai caminhando, indo até uma das mesas, esta mais larga que as outras, com um notebook, uma impressora, celulares e uma pequena bandeira britânica, e aponta duas cadeiras estofadas do outro lado. — Por favor, sintam-se à vontade. — ele se senta, assim como Sherlock e John. — Querem comer ou beber algo?

—Não, obrigado. — diz John. Sherlock não respondeu.

—Se não se importam, eu vou querer. — o Sr. Ward aperta um botão em seu telefone. — Anette?

—Sim, Nathan?

—Traga, por favor, alguns brownies de chocolate, e uma água com gás.

—Imediatamente.

—Obrigado. Tratamos todos que trabalham aqui pelo primeiro nome, acho que gera um clima melhor no trabalho.

John cruza os braços.

—Mas isso não facilita o surgimento de laços que podem se tornar... Hmm, amorosos?

—Eu não me importo. — diz Ward, levantando os ombros. — Meus funcionários podem namorar quem eles quiserem.

—O senhor tem um escritório enorme. — comenta John limpando a garganta.

—Ah, sim. — o Sr. Ward sorri. — Eu planejava fazer deste andar uma área exclusivamente minha e de clientes preferenciais, mas o arquiteto queria um monte de entradas, divisórias, ia transformar esse lugar num labirinto, então optei por deixar o espaço livre. — ele franze o nariz. — A verdade é que detesto paredes.

—Esta é uma consultora de quê?

—Ações. Nossos clientes querem jogar, nós os ensinamos a prever quem vai ganhar.

—Quais informações o Det. Lestrade lhe deu? — diz Sherlock, ignorando o assunto anterior.

—Bom, não muitas. — Ward coloca as mãos sobre a mesa. Anette surge com sua saia microscópica e com uma travessa onde havia brownies e uma garrafa com água. Ela a coloca sobre a mesa com cuidado. — Obrigado, Anette... — ela se retira. — Ele disse que a polícia está tentando solucionar um crime e que meu depoimento é necessário. Ele não deu nomes, parecia apressado.

—Margareth Plummer está morta.

John não conseguiu ler a expressão do Sr. Ward. Ele baixou o olhar, levantando as sobrancelhas, permaneceu algum tempo nesta posição, daí soltou uma praga. Voltou a encarar os dois homens, sorrindo tristemente.

—Perdoem-me. E querem descobrir quem a matou?

—Precisamente.

—O que aconteceu?

—O senhor não vai querer detalhes.

—Mas que droga... — ele diz, esfregando a testa com uma das mãos. — Como a relacionaram a mim?

—Ela mantinha um diário com todos os telefones de seus amantes.

—Isso podia ser qualquer coisa, como sabia que eram telefones de amantes?

—Ela tinha um blog... Auto-explicativo.

Ward olhou para o lado. Parecia pensativo. Daí soltou uma risadinha irônica.

—Confidencial uma ova...

—O senhor não parece espantado por saber que ela tinha outros amantes. — diz John, seus olhos pregados na aliança dourada presa na mão esquerda do homem.

—Não tínhamos um relacionamento sério, era algo ocasional. Ela era uma mulher independente, jamais esperei ser o único.

—Conhecia algum dos outros amantes? — continua John.

—Não, ela nunca falou a respeito, apesar de eu sempre ter suspeitado.

—E de onde vinha esta suspeita?

Ward sorriu.

—Apenas um homem não é o suficiente para uma mulher poderosa.

—Como se conheceram? — diz Sherlock.

—Foi há um ano e meio, eu acho, eu havia ido a uma festa beneficente de um amigo, saíra de lá um tanto decepcionado, pois o evento fora um tédio, fui a um pub próximo e ela estava lá. Ela me abordou, tomou a iniciativa em tudo. Trocamos telefones, e desde então nos encontrávamos.

—Como era o relacionamento de vocês?

—Não exigíamos nada um do outro, ela tinha a vida dela e eu a minha, sabíamos muito pouco um sobre o outro para ser sincero. Eu queria assim, tenho uma família, prefiro que eles fiquem fora desta seção da minha vida.

—Onde se encontravam?

—Íamos a algum lugar legal, um restaurante ou um bar, ela sempre escolhia aonde ir, daí íamos para a casa dela.

—Não preferiam um motel? — diz John.

—Não, ela gostava da casa dela, dizia que era seu ninho de amor... — Ward juntou as sobrancelhas. — Ela foi morta em casa?

—Não. — respondeu Sherlock, secamente. — Quando foi a última vez que se encontraram?

—Faz mais ou menos dois meses. Ela sempre sumia algum tempo, depois aparecia e nos encontrávamos regularmente, depois ela sumia de novo, eu nunca me importei. — Ward balançou a cabeça. — É estranho, ontem ela me ligou, e eu...

—Estávamos testando os números. — Sherlock disse rapidamente. — Você disse que quer sua família fora desta seção da sua vida, alguma vez Margareth exigiu algo além de encontros casuais? Talvez ameaçou contar tudo a alguém, sua esposa ou um repórter?

—Seria desconfortável... — ele diz, cruzando os braços. — Nosso trabalho baseia-se principalmente em imagem, o cliente vem aqui por que gosta do visual e quer status, mas Margareth não precisava disso. — ele afirmou. — Eu mesmo gostava de dar presentes a ela, pequenos mimos que não me custavam muito.

—Como o Rembrandt?

Ward soltou uma risada apertada.

—Uma pechincha... Sabem quem é aquela mulher no retrato?

—Não.

—Margareth sabia. Ela amava pinturas, especialmente aquelas mais realistas. Gostava de Rembrandt e Rafael, especialmente das pinturas que eles fizeram de suas amadas. Eu prefiro os pintores surrealistas, mas não me importei em dar-lhe algo de que ela realmente gostasse.

—É original?

—Não aquela na parede do apartamento. É uma cópia fiel, mas comprei a original, dei a ela e depois guardei no meu cofre pessoal. Ela podia visitá-lo quando quisesse.

—Interessante... — diz John, ainda incomodado. Ward o encara.

—Incomodado com minha aliança?

—Bem... Eu... Só não entendo muito bem por que continuar casado se...

—Você deve ser um marido fiel.

—Sim, eu sou.

—Eu admiro maridos fiéis, sinceramente. — Ward parecia mesmo estar sendo sincero. Ajeitou-se em sua cadeira— Queria ser assim, mas simplesmente não consigo. Amo ser casado, mas também amo ser solteiro. — ele sorri largamente. — Acho que não nasci para ser fiel.

—Quem é a mulher no retrato? — pergunta John, tentando mudar de assunto.

—A esposa de Rembrandt, que também era sua sobrinha.

John solta uma risada.

—Ninguém é perfeito.

—Verdade... — ri Ward, colocando uma das mãos no queixo.

—Fascinante... — murmura Sherlock. Ward o encara, cerrando os olhos.

—Os dois estão desconfortáveis aqui. Sou um suspeito, não sou?

—Até que prove o contrário. — diz Sherlock. — E não estou desconfortável.

—Mesmo?

—Adoro conversar com possíveis assassinos.

Ward levanta as sobrancelhas, visivelmente se divertindo com a conversa. Aponta o indicador na direção de Holmes.

—Eu ouvi falar do senhor, e devo admitir que estava ansioso para conhecê-lo. Um homem que vê seus mais profundos segredos simplesmente por observar sua vestimenta, trejeitos ou sujeira do sapato. Deve ser incrível ser você.

—Entediante, para ser sincero.

—Imagino... Dizer que não a matei não o convencerá, então farei melhor: estou à disposição, o que quiser saber, o que quiser olhar, estarei às suas ordens. Não tenho nada a esconder.

—Isso é o que veremos.

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—Parece certo de que me conhece o suficiente para duvidar de mim.

—Duvido de todos, até da minha sombra se ela se desviar para o lado errado. Não pense que conhece meu trabalho, meu trabalho não envolve imagem, envolve a falta dela, e um desconhecimento necessário da parte do suspeito que me permite observá-lo com uma liberdade única. Você é um bem-sucedido empresário que não obteve o sucesso que desejava na vida pessoal, portanto esconde seu fracasso detrás de amantes bonitas e sarcasmo, e são tais que moldam suas conversas quando está nas reuniões com seus colegas de trabalho tão depravados quanto você. Não está acostumado a perder, e Margareth me parece ser do mesmo tipo. Vocês estavam numa queda de braço, ninguém dá um Rembrandt como um simples mimo, o retrato da esposa de Rembrandt vale no mínimo o que sua empresa ganha num semestre. Não, ela o estava incomodando, estava testando em você os conceitos que defendia no blog sobre mulheres dominadoras. Você estava irritado, dava presentes para calá-la de uma vez, não podia deixá-la por que ela poderia abrir a boca, sua empresa é imagem, e a sua estaria destruída.

—Isso não é motivo para matar.

—Um homem matou a mulher por que ela não quis fritar hambúrgueres, você com certeza tem mais motivos que ele. Pode achar que está limpo, que estar cercado de pessoas que o idolatram o protege, mas eu enxergo através e para mim você é mais um rato nojento que se esconde na parte alta da cidade, então cuidado comigo... — Sherlock se endireita na cadeira. — Sou um gato treinado.

—Você come ratos? — ele sorri.

Sherlock cerra os olhos, que brilharam ameaçadoramente.

—Não gosto de ratos nem com os melhores recheios... Mas adoro quando suas cabeças rolam calçada afora enquanto seu corpo sacode entre minhas garras.

***

—Você me assustou.

Sherlock encarou John, que o encarava de volta.

—Não era minha intenção.

John pagou o táxi, os dois começando a andar na direção da entrada do Barts. Ele sorria incredulamente ao passarem pela recepção.

—A conversa passou de amigável para um turno de luta livre e eu nem percebi a transição.

—Você não percebeu muitas coisas naquele lugar.

—E parece que o que você percebeu te irritou.

—Eu não me irrito, John, não confunda firmeza com raiva.

—Ele até que estava sendo simpático.

—Ele estava tentando nos ganhar com um manto de sinceridade, como faz com seus clientes e consegue novas contas. Um lobo em pele de cordeiro, não é assim que vocês chamam?

—E você parecia disposto a arrancar a pele de cordeiro dele com as próprias mãos.

—Pessoas como ele se apresentam como pessoas boas e confiáveis, mas é exatamente deste tipo que você deve se manter a uma distância segura para não ser atingido quando mostrarem quem realmente são. — o lugar por onde eles caminhavam era gelado. No Barts, de fato, tudo era gelado. Eles atravessam o corredor, Sherlock para numa porta, abrindo-a e os dois entram. Estavam no laboratório, e num dos bancos, estudando fragmentos de tecido humano, estava Molly Hooper. Ela levanta os olhos, e por pouco não segura um sorriso.

—Olá, Sherlock.

—Lestrade deixou o que pedi?

—Sim, está sobre aquela mesa. — ela aponta, e Sherlock dá a volta no balcão, pegando uma pasta e abrindo-a, tirando alguns documentos e lendo-os rapidamente.

John passa a mão na frente do rosto de Molly, que olhava Sherlock com olhos imóveis.

—Olá. — ele sorri, balançando a mão.

—Olá. — ela diz, se afastando em seguida e indo até onde Sherlock estava, deixando John sozinho. Ele coloca as mãos detrás das costas, olhando ao redor e, vendo uma mão decepada num dos balcões, decide por fitar o chão o resto do tempo. Molly junta as mãos, falando baixo. — Recebeu minha mensagem?

—Ela está bem.

—Mas ela não...

—Ela está bem. Deixei-a num lugar seguro.

—No seu apartamento? — ela diz, olhando para o teto. Sherlock vira-se para ela, sem fechar a pasta.

—Seu tom de voz remete ciúmes, por que está falando assim?

—Por nada. — ela diz num sobressalto. — Que bom que ela está bem... E segura... No seu apartamento.

—Sobre o que são esses papéis? — pergunta John.

—Estou aumentando minha rede, pesquisando também as outras vítimas e seus respectivos suspeitos. Preciso de um ponto de visão melhor ou não enxergarei nada.

—E os papéis... — John insiste.

—Lestrade me deu a lista de suspeitos. Alguns são ridículos, não matariam nem uma pulga, mas outros são interessantes.

Sherlock fecha a pasta ruidosamente, erguendo a cabeça e caminhando até a porta.

—Estou indo.

—Mas já? — Molly diz, colocando as mãos no bolso.

—Tenho coisas a fazer. — ele abre a porta. — John, está liberado esta tarde, tenho outra visita para fazer, mas você não vem comigo.

—Por que não?

—Por que vou sozinho. — ele diz, sumindo e deixando a porta a fechar por si mesma.

John e Molly permaneceram parados, olhando para a porta que já fechara completamente.

—Os motivos dele são tão estranhos... — diz John.

—Ele sempre vai embora... — ela suspira. John a encara, Molly percebe que está sendo observada, daí sai andando e volta a seu banco e seus fragmentos, tossindo mais vezes do que seria normal tossir.

E John Watson, vendo-se então deslocado e sem utilidade, decidiu sair daquele lugar gelado e encontrar um lugar melhor para pensar em tudo que presenciara...